quinta-feira, 27 de junho de 2013


O que é o Gato de Schrödinger?

por Por Alexandre Versignassi, Revista Mundo Estranho, número 110

É uma das ideias mais bizarras já produzidas pela mente humana. Trata-se de uma experiência imaginária, na qual um gato, no papel de cobaia, está vivo e morto ao mesmo tempo! E não estamos falando de espiritismo, mas de mecânica quântica, o ramo da física que estuda o estranhíssimo mundo das partículas subatômicas (menores que os átomos). A hipótese foi concebida pelo físico austríaco Erwin Schrödinger, um dos mais brilhantes cientistas do século XX. Sua intenção era mostrar como o comportamento das partículas subatômicas parece ilógico se aplicado numa situação fácil de ser visualizada, como um gato preso numa caixa fechada. Na situação proposta por ele, a vida do animal ficaria à mercê de partículas radioativas. Se elas circulassem pela caixa, o gato morreria; caso contrário, ele permaneceria vivo. Até aí, não há nada de mais.

A história fica maluca mesmo quando analisada de acordo com as leis do mundo subatômico, segundo as quais ambas as possibilidades podem acontecer ao mesmo tempo - deixando o animal simultaneamente vivo e morto. Mas e se um cientista olhasse para dentro da caixa? Ele não veria nada de mais, apenas um gato - vivo ou morto. Isso porque, segundo a física quântica, se houvesse o mínimo de interferência, como uma fonte de luz utilizada para observar o fenômeno, as realidades paralelas do mundo subatômico entrariam em colapso e só veríamos uma delas. Por isso, nem adianta tentar realizar a experiência na prática. Achou difícil entender essa maluquice? Tudo bem, os melhores físicos têm o mesmo problema. "Esse exemplo mostra que ainda não entendemos as implicações mais profundas da mecânica quântica", afirma o holandês Gerardus Hooft, vencedor do Nobel de Física de 1999.

Experiência surrealista

Para a física quântica, o animal pode estar vivo e morto ao mesmo tempo

1 - A caixa onde seria feita a hipotética experiência de Schrödinger contém um recipiente com material radioativo e um contador Geiger, aparelho detector de radiação. Se esse material soltar partículas radioativas, o contador percebe sua presença e aciona um martelo, que, por sua vez, quebra um frasco de veneno

2 - De acordo com as leis da física quântica, a radioatividade pode se manifestar em forma de ondas ou de partículas - e uma partícula pode estar em dois lugares ao mesmo tempo! As ondas brancas desenhadas aqui representam asprobabilidades de ocorrência dessa dupla realidade, quando, na mesma fração de segundo, o frasco de veneno quebra e não quebra

3a - Aqui o gato aparece vivo, porque, nessa versão da realidade, nada foi detectado pelo contador Geiger

3b - Aqui o gato surge morto, pois nessa outra versão do mesmo instante de tempo o contador Geiger detectou uma partícula e acionou o martelo. O veneno do frasco partido matou o bichano

4 - Seguindo o raciocínio de Schrödinger, as duas realidades aconteceriam simultaneamente e o gato estaria vivo e morto ao mesmo tempo até que a caixa fosse aberta. A presença de um observador acabaria com dualidade e ele só poderia ver ou um gato vivo ou um gato morto

O dono da idéia

Físico austríaco foi premiado com o Nobel

Erwin Schrödinger nasceu em Viena, na Áustria, em 1887, e tornou-se um dos cientistas que mais contribuíram para o desenvolvimento da mecânica quântica. Sua polêmica hipótese do gato simultaneamente vivo e morto foi lançada em 1935, dois anos depois de ele ter ganhado o Prêmio Nobel de Física. Schrödinger faleceu em 1961.

sábado, 22 de junho de 2013

Nestes dias de povo na rua, o historiador Israel Beloch recomenda a leitura do livro “Massa e poder”, do búlgaro Elias Canetti (1905-1994), na foto. Um trechinho: “Uma aparição tão enigmática quanto universal é a da massa que surge repentinamente onde antes não havia coisa alguma. (...) Nada foi anunciado, nada era esperado. Repentinamente, tudo está cheio de gente. De todos os lados pessoas começam a afluir como se todas as ruas tivessem uma única direção.”

sexta-feira, 21 de junho de 2013

O mandado de injunção na jurisprudência do STF e do STJ

Ver autores
POR ALDO DE CAMPOS COSTA

Na condição de direitos fundamentais, os direitos sociais são autoaplicáveis e suscetíveis de defesa mediante ajuizamento de mandado de injunção sempre que a omissão do poder público inviabilize seu exercício (Prova objetiva do concurso público para provimento de cargos de nível superior de Escrivão de Polícia do Quadro da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo).

Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição da República, o mandado de injunção destina-se a viabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, sempre que a falta de norma regulamentadora o impeça (STF MI-MC 24). Figura em alguns julgados do Supremo Tribunal Federal como ação constitutiva(STF MI 689) , e, em outros, como mandamental(STF MI 721). Não possui, definitivamente, natureza condenatória (STF MI 689) ou declaratória de omissão (STF MI 721).

Diverge a doutrina sobre o que se deve entender pelas expressões “direitos e liberdades constitucionais”. Uma primeira corrente entende envolver a cláusula tanto os direitos constitucionais individuais, como os coletivos, os políticos, os econômicos e os culturais. Um segundo posicionamento entende por direitos e liberdades constitucionais apenas as clássicas declarações de direitos individuais. Por fim, uma terceira compreensão aponta como objeto do mandado de injunção todos os direitos assegurados na Constituição[1].

São prerrogativas inerentes à nacionalidade e à cidadania os direitos políticos assegurados nos capítulos III, IV e V do Título II, bem como os regulados nos artigos do Capítulos VII do Título III, que trata da administração pública, dos servidores civis e dos servidores militares. No artigo 37, os incisos VII, VIII, XII e XV, no artigo 39 o §1º, e no artigo 40 o §5º identificam-se hipóteses de prerrogativas inerentes à cidadania, nas quais a concretização pode ser inviabilizada por omissão do legislador[2]. Por fim, a solução definitiva de tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (artigo 49, I) e a autorização para declarar guerra, celebrar a paz, e permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente (artigo 49, II) são hipóteses que podem ser afetadas por omissão de competência regulamentadora[3].

A omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a umaomissão parcial (STF MI 107), sendo imprescindível, em todo caso, que haja previsão constitucional do direito ou da garantia que se pretende exercer (STJ MI 211). Tratando-se de mera faculdade conferida ao legislador, que ainda não a exercitou, não há direito constitucional já criado (STF QO-MI 444).

Para ser cabível a impetração, não basta que haja eventual obstáculo ao exercício de direito ou liberdade constitucional em razão de omissão legislativa, como o mero receio de que o exercício da prerrogativa constitucionalmente prevista seja inviabilizado ante a falta de norma regulamentadora a tempo e modo (STJ AgR-MI 375), mas a impossibilidade de sua plena fruição pelo seu titular, como se dá nos casos em que a autoridade administrativa se recusa a examinar requerimento de aposentadoria especial de servidor público, com fundamento na ausência da norma regulamentadora do art. 40, § 4º, da Constituição da República (STF AgR-MI 4.842). A titularidade do direito e a inviabilidade decorrente da ausência de norma regulamentadora do direito constitucional devem, contudo, ser comprovadas de plano (STF AgR-MI 2.195).

Refoge ao âmbito de finalidade do mandado de injunção: a) corrigir eventual inconstitucionalidade que infirme a validade de ato em vigor (STF MI 81); b) proteger benefícios de ordem meramente patrimonial previstos em norma infraconstitucional (STJ MI 211); c) assegurar a contagem e a averbação do tempo de serviço trabalhado em condições especiais nos assentamentos funcionais de servidor público (STF AgR-MI 3.881); d) suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional, e muito menos de legislação que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabelecidas discricionariamente pela União (STF AgR-MI 766); e) lograr o controle concentrado de constitucionalidade de certa norma (STF AgR-MI 575), sequer incidenter tantum (STF MI 81); f) obter declaração judicial de vacância de cargo (STF (MI-QO 14); g) compelir a Administração a reduzir, sem previsão legal, a base de cálculo do imposto (STJ MI 168).

Os pronunciamentos do Supremo são reiterados sobre a impossibilidade de se implementar liminar em mandado de injunção (STF MI 283 e STF MI 542). Descabe, igualmente, a interposição de agravo regimental contra despacho que indefere a medida cauteladora, bem como o ajuizamento de ação cautelar para ter-se, relativamente a mandado de injunção, a concessão de liminar (STF AgR-AC 124). Não há, da mesma sorte, lugar para a citação, como interveniente, ou terceiro interessado, dos particulares, bem como para o litisconsórcio passivo entre estes e a autoridade competente para a elaboração da norma reguladora (STF AgR-MI 345). Há, contudo, precedente - isolado - em sentido contrário (STF MI 305).

Admite-se o mandado de injunção coletivo (STF MI 73), devendo a petição inicial, nos pleitos versando aposentadoria especial de servidor público, ser instruída com a especificação das categorias de servidores beneficiados pelo pedido, bem como de prova do requerimento e o indeferimento administrativo do pedido de aposentadoria especial (STF AgR-MI 1.708). Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo (STF MI 472).

A competência para processar e julgar mandado de injunção firma-se não em razão da da matéria, mas, sim, da autoridade coatora (STJ CC 39.437), isto é, o órgão ou autoridade a que caiba a edição do diploma legal regulamentador. Impõe-se observar o balizamento subjetivo da propria inicial do mandado de injunção, não cabendo ao Tribunal no qual tenha sido ajuizado emendá-la quanto a autoridade apontada como omissa (STF MI-QO 176).

Nesse diapasão, o processo e julgamento do mandado de injunção compete ao Supremo Tribunal Federal quando a omissão na elaboração da norma regulamentadora for do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Mesa de uma dessas Casas legislativas, do Tribunal de Contas da União, de dos Tribunais superiores ou do próprio Supremo.

Já o Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar originariamente “o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for de atribuição de órgão, entidade e administração federal”, à exceção dos casos de competência do “Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal”, detendo esta última competência geral para as causas em que sejam partes a União (STJ MI 193) e seus órgãos (STF MI 193), entidade autárquica federal, como, por exemplo, o Banco Central (STF MI-QO 571) e a ANATEL (STJ MI 174)[4] ou, ainda, empresa pública federal, salvo quando haja circunstância especial ou de um dos dois órgãos judiciários de superposição, o Supremo ou o Superior Tribunal de Justiça.

A aparente regra geral de competência do Superior, prevista na alínea “h” do artigo 105, I, da Constituição da República, reduz-se, portanto, a hipóteses excepcionais (STJ MI 571), como é o caso, por exemplo, das impetrações dirigidas contra omissão normativa de Ministro de Estado (STJ AgR-MI 185) ou relacionadas às greves de servidores públicos: a) de âmbito nacional, b) que abranjam mais de uma região da Justiça Federal e c) que compreendam mais de uma unidade da federação. Nas demais hipóteses, em se tratando de servidores públicos federais, a competência será do respectivo Tribunal Regional Federal (STF MI 708), sendo descabida a interposição de recurso ordinário dirigido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ RMS 37634), haja vista que o acórdão proferido em sede de mandado de injunção por parte de Tribunal Estadual ou Federal é recorrível por meio dos recursos especial e extraordinário (STJ RMS 16.751).

Só tem legitimatio ad causam para o mandado de injunção quem pertença a categoria a que a Constituição Federal haja outorgado abstratamente um direito, cujo exercício esteja obstado por omissão com mora na regulamentação daquele (STF MI 188). O Município, por exemplo, não tem legitimidade para impetrar mandado de injunção destinado à declaração de omissão inconstitucional impeditiva do exercício de prerrogativa conferida ao ente público pelo texto constitucional (STF MI 725). Sendo difusos ou coletivos os interesses a serem protegidos, poderá o Ministério Público promover o mandado de injunção[5].

Legitimado passivo no mandado de injunção é o órgão ao qual cumpre o dever de instituir a norma regulamentadora que viabilize o exercício do direito por seu titular. Ou seja, somente pessoas jurídicas estatais podem figurar no polo passivo da relação processual instaurada com a impetração do mandado de injunção, eis que apenas a elas é imputável o dever jurídico de emanação de provimentos normativos. A natureza jurídico-processual do mandado de injunção inviabiliza a formação de litisconsórcio passivo, necessário ou facultativo, entre particulares e entes estatais (STF AgR-MI 335).

Os atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção não apresentam diferença significativa em relação à decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão (STF MI 107), muito embora existam, quanto aos efeitos da decisão concessiva de mandado de injunção, duas correntes: 1ª) para osconcretistas, presentes os requisitos para a impetração, caberia ao Poder Judiciário, por meio de uma decisão constitutiva - com efeitos erga omnes (teoria concretista geral) ou inter partes(teoria concretista individual) - declarar a existência de omissão administrativa ou legislativa e implementar – imediatamente (tese concretista individual direta) ou após o decurso de determinado prazo (tese concretista individual intermediária) - o exercício do direito, até a incidência de regulamentação, a ser imposta pelo poder competente; 2ª) para os não concretistas, não há falar em medidas jurisdicionais que estabeleçam, desde logo, condições viabilizadoras do exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucionalmente prevista, devendo, tão-somente, ser dada ciência ao poder competente para que edite a norma faltante[6].

A mora, pressuposto da declaração de inconstitucionalidade da omissão legislativa, é de ser reconhecida quando, dado o tempo corrido da promulgação da norma constitucional invocada e o relevo da matéria, se deva considerar superado o prazo razoável para a edição do ato legislativo necessário à efetividade da Constituição da República. A mera superação dos prazos constitucionalmente assinalados, aliá é bastante para qualificar, como omissão juridicamente relevante, a inércia estatal, apta a ensejar (STF MI 543). Uma vez vencidos, nem a inexistência de prazo para o adimplemento do dever de legislar, nem a pendência de projetos de lei tendentes a cumpri-lo descaracterizam a inconstitucionalidade da omissão de legislar (STF MI 361). Ressalte-se que a persistência de uma situação de inatividade inconstitucional não autoriza a cominação de pena pecuniária (STF MI 689).


[1] COSTA, Elcias Ferreira da. O objeto e a competência no mandado de injunção. Revista de Informação Legislativa, n. 104, out./dez. 1989, p. 62.
[2] COSTA, O objeto..., p. 67.
[3] COSTA, O objeto..., p. 68.
[4] Registre-se a existência de antigo precedente em sentido contrário, no sentido de que em se tratando de impetração dirigida contra autarquia federal, firma-se a competência do Superior Tribunal de Justiça (STF MI-Q0 176).
[5] BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 256.
[6] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 196.
ALDO DE CAMPOS COSTA exerce o cargo de assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

AgRg nos EDcl no AREsp 45.467-MG: Não é devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho temporário efetuado com a Administração Pública sob o regime de "contratação excepcional" tenha sido declarado nulo em razão da falta de realização de concurso público. (Administrativo. Inf. 518, Primeira Turma).
Julgados do STJ de maio/13: Direito Público
 
MS 14.195-DF: O servidor público federal tem direito de ser removido a pedido, independentemente do interesse da Administração, para acompanhar o seu cônjuge empregado de empresa pública federal que foi deslocado para outra localidade no interesse da Administração. (Administrativo. Inf. 519 STJ, Terceira Seção).
 
NOTA: A jurisprudência do STJ vem atribuindo uma interpretação ampliativa ao conceito de servidor público para alcançar não apenas os que se vinculam à Administração Direta, mas também os que exercem suas atividades nas entidades da Administração Indireta. 
 
AgRg no AREsp 230.482-RS: É possível a execução provisória contra a Fazenda Pública nos casos de instituição de pensão por morte de servidor público. (Administrativo. Inf. 519 STJ, Primeira Turma).
 
AgRg no AREsp 228.049-MG: A entrega de carnês de IPTU e ISS pelos municípios sem a intermediação de terceiros no seu âmbito territorial não constitui violação do privilégio da União na manutenção do serviço público postal. (Administrativo. Inf. 519 STJ, Segunda Turma).
 
REsp 1.360.534-RS: A abertura de vista ao Ministério Público para eventual instauração de procedimento criminal, após a verificação nos autos, pelo magistrado, da existência de indícios de crime de ação penal pública, não é suficiente ao cumprimento do disposto no art. 40 do CPP. (Administrativo. Inf. 519 STJ, Segunda Turma).
 
NOTA: O referido artigo impõe ao magistrado, nessa hipótese, o dever de remeter ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia, não podendo o Estado-juiz se eximir da obrigação por se tratar de ato de ofício a ele imposto pela lei. 
 
AgRg no RMS 37.924-GO: O Governador do Estado é parte ilegítima para figurar como autoridade coatora em mandado de segurança no qual o impetrante busque a atribuição da pontuação referente à questão de concurso público realizado para o provimento de cargos do quadro de pessoal da respectiva unidade federativa. (Administrativo. Inf. 519 STJ, Segunda Turma).
 
NOTA: A autoridade coatora, para impetração de mandado de segurança, é aquela que pratica ou ordena, de forma concreta e específica, o ato ilegal, ou, ainda, aquela que detém competência para corrigir a suposta ilegalidade, conforme se extrai do art. 6º, § 3º, da Lei 12.016/2009.
 
AgRg nos EDcl no AREsp 45.467-MG: Não é devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho temporário efetuado com a Administração Pública sob o regime de "contratação excepcional" tenha sido declarado nulo em razão da falta de realização de concurso público. (Administrativo. Inf. 518, Primeira Turma).
 
NOTA: A questão disciplinada por esse artigo diz respeito à necessidade de recolhimento do FGTS em favor do ex-servidor que teve sua investidura em cargo ou emprego público anulada. O trabalhador admitido sob o regime de contrato temporário, entretanto, não se submete a esse regramento.
 
RMS 39.157-GO: Caso exista compatibilidade de horários, é possível a acumulação do cargo de médico militar com o de professor de instituição pública de ensino. (Administrativo. Inf. 518, Segunda Turma).
 
NOTA: O fato de o profissional de saúde integrar os quadros de instituição militar não configura, por si só, impedimento à acumulação de cargos. No entanto, ela só será possível nas hipóteses previstas no art. 37, XVI, da CF.
 
AgRg no AREsp 262.701-RS: É possível conceder a carteira nacional de habilitação definitiva a motorista que tenha cometido, durante o prazo anual de permissão provisória para dirigir, infração administrativa de natureza grave, não na qualidade de condutor, mas na de proprietário do veículo. (Administrativo. Inf. 518, Segunda Turma).
 
NOTA: A jurisprudência do STJ é no sentido de que o referido dispositivo legal visa assegurar a habilitação definitiva ao motorista que não interferiu na segurança do trânsito e da coletividade, não sendo aplicável à hipótese em que o motorista é apenado por infração administrativa, ainda que grave, na condição de proprietário do veículo, e não na de condutor.
 
AgRg no REsp 1.317.127-ES: Deve ser recebida a petição inicial de ação de improbidade no caso em que existam indícios da prática de ato ímprobo por prefeito que, no contexto de campanha de estímulo ao pagamento do IPTU, fizera constar seu nome, juntamente com informações que colocavam o município entre outros que detinham bons índices de qualidade de vida, tanto na contracapa do carnê de pagamento do tributo quanto em outros meios de comunicação. (Administrativo. Inf. 518, Segunda Turma).
 
NOTA: De acordo com a jurisprudência do STJ, existindo meros indícios de cometimento de atos enquadráveis na Lei n. 8.429⁄1992, a petição inicial há de ser recebida, fundamentadamente, pois, na fase inicial prevista no art. 17, §§ 7º, 8º e 9º, vale o princípio in dubio pro societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse público.
 
RMS 33.478-RO: No caso em que lei estadual que regule a carreira de professor estabeleça, como requisito para a admissão no cargo, apenas a apresentação de diploma em ensino superior, não é possível que o edital do respectivo concurso exija do candidato diploma de pós-graduação. (Administrativo. Inf. 518, Segunda Turma).
 
AgRg no REsp 1.317.653-SP: É possível a decretação de indisponibilidade e sequestro de bens antes mesmo do recebimento da petição inicial da ação civil pública destinada a apurar a prática de ato de improbidade administrativa. (Administrativo. Inf. 518, Segunda Turma).
 
2. Direito Civil
 
AgRg no AREsp 300.240-RS: No caso de benefício previdenciário pago em atraso e acumuladamente, não é legítima a cobrança de imposto de renda com parâmetro no montante global pago extemporaneamente. (Tributário. Inf. 519 STJ, Segunda Turma). 
 
NOTA: A incidência do imposto de renda deve observar as tabelas e alíquotas vigentes na época em que os valores deveriam ter sido adimplidos, devendo ser observada a renda auferida mês a mês pelo segurado. 
 
REsp 1.341.077-RJ: As isenções de imposto de importação e de imposto sobre produtos industrializados previstas no art. 2º, II, "j", e no art. 3º, I, da Lei 8.032/1990 (restabelecidas pelo art. 1º, IV, da Lei 8.402/1992) aplicam-se às importações de peças e componentes de reposição, reparo e manutenção necessárias ao funcionamento de plataformas petrolíferas, sendo indiferente a revogação que o art. 13 da Lei 8.032/1990 trouxe em relação ao Decreto-lei 1.953/1982. (Tributário. Inf. 519 STJ, Segunda Turma).
 
REsp 1.279.173-SP: A pensão mensal indenizatória devida aos pais pela morte de filho menor deve ser fixada em valor equivalente a 2/3 do salário mínimo, dos 14 até os 25 anos de idade da vítima, reduzido, então, para 1/3 até a data em que o de cujus completaria 65 anos. (Direito Civil. Inf. 519 STJ, Terceira Turma).
 
REsp 1.279.173-SP: Para inclusão do 13º salário no valor da pensão indenizatória, é necessária a comprovação de que a vítima exercia atividade laboral na época em que sofreu o dano-morte. (Direito Civil. Inf. 519 STJ, Terceira Turma).

terça-feira, 11 de junho de 2013


RECEITA TOTAL

Entidade beneficente é imune à Cofins, decide TRF-3

Por Elton Bezerra

O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo, julgou inconstitucional o dispositivo da MP 2.158-35/2001 que limita a imunidade tributária de entidades beneficentes em relação à Cofins. Trata-se do inciso X do artigo 14 da MP. A regra questionada diz que a isenção da Cofins seria concedida apenas às atividades “próprias” das entidades, enquanto as atividades “não próprias” estariam sujeitas a tributação.
A Ação de Inconstitucionalidade Cível foi proposta pelo Sindicato das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Filantrópicos de Ribeirão Preto e Região. O entendimento do tribunal foi unânime. Segundo a relatora, desembargadora Cecília Marcondes, a Medida Provisória não pode se sobrepor à imunidade concedida pela Constituição, que fala apenas em isenção às entidades que atendam as exigências estabelecidas em lei. 
“A legislação aqui tratada extrapolou os limites impostos pelo artigo 195, parágrafo 7º, da Constituição Federal, o qual não delegou à lei a definição do conteúdo material do benefício, isto é, o tipo de receita a ser excluída da tributação, mas delegou à lei somente a fixação dos requisitos a serem cumpridos, para fins de enquadramento das entidades como sendo ‘beneficentes de assistência social’”, afirmou a relatora.
Para Cecília, a Constituição declarou a imunidade de maneira ampla às entidades beneficentes, incluindo as receitas “próprias ou impróprias”. Dessa maneira, apesar de o texto constitucional prever que o exercício da imunidade deverá ser regulamentado por legislação infraconstitucional, essa regra não poderia restringir ainda mais as limitações ao poder de tributar.
A Fazenda Nacional discorda do paradigma utilizado pelo Órgão Especial e recorrerá da decisão. Segundo o procurador da Fazenda Leonardo Curty, a decisão da corte não levou em consideração a restrição prevista no artigo 150, parágrafo 4º, da Constituição, que trata das entidades livres de impostos. “A exclusão de competência tributária para essas entidades alcança somente ‘o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais’ daquelas”, diz Curty.
Para o procurador, a decisão do TRF-3 pode dar vantagem às entidades imunes à Cofins, configurando inclusive uma concorrência desleal. “Se alargarmos a imunidade da Cofins das entidades de assistência social para suas atividades não próprias, temos o risco imenso de lhes franquear a possibilidade de concorrerem com empresas que não gozem desse tipo de benefício em atividades ligadas ao mercado."
Ele acrescenta ainda que "na ponderação entre o atendimento ao fundamento imunizante e os princípios da livre concorrência e da isonomia, estes últimos não poderiam ter cedido ao primeiro, conforme procedeu o Órgão Especial do TRF”.
Na avaliação do tributarista Igor Mauler Santiago, do Sacha Calmon - Misabel Derzi Consultores e Advogados, a decisão do TRF-3 é positiva para as entidades que têm direito à imunidade. “A regra [da MP] é mesmo absurda, tanto mais que se consideram receitas próprias somente as recebidas de associados ou mantenedores, sem caráter contraprestacional. Noutras palavras, as mensalidades recebidas dos alunos ou os valores recebidos dos pacientes não constituem, para o Fisco, receita própria das universidades ou dos hospitais”.
Ele disse ainda que “se a entidade se qualifica como beneficente de assistência social, na forma da lei, e cumpre os requisitos do artigo 14 do Código Tributário Nacional, tem direito à imunidade do artigo 195, parágrafo 7º, da Constituição, e esta é ampla”.

Clique aqui para ler a decisão.
Elton Bezerra é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 10 de junho de 2013



subo nesse palco
minha alma cheira a talco
como bunda de bebê....

AUTORITARISMO JUDICIAL
Dever constitucional obriga juiz a fundamentar decisões
Por Pablo Bezerra Luciano

No Mercador de Veneza, William Shakespeare alerta-nos que o demônio pode citar as Escrituras para seus fins. Nada mais correto. Não há nenhuma norma mais elevada ou ideia democrática que não possa ser usada com alguma técnica mais ou menos sofisticada pelo autoritarismo. Não deixa de ser irônico que o decisionismo judicial hoje imperante tenha por apoio normas que nada mais são do que reflexos necessários da garantia constitucional do contraditório.

Com base na garantia de fundamentação das decisões judiciais prevista no inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, os tribunais tem repetido à exaustão a cantilena de que não é necessário que o juiz enfrente todas as teses e questões levantadas pelas partes, contanto que venha a decidir fundamentadamente. Daí, admite-se frequentemente que o juiz deixe de enfrentar todas as teses apresentadas pelas partes.

Semelhante fenômeno tem acontecido quanto à norma do artigo 131 do Código de Processo Civil, que determina que o juiz apreciará livremente a prova, atentando aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, a qual vem sendo aplicada como uma franquia a um discricionarismo judicial de impossível controle pela via recursal.

Em apoio a essa postura, os discursos judiciais costumam ser entremeados por citações de expressões latinas como narra mihi factum dabo tibi jus (narra-me os fatos que te darei o direito), como forma de libertar os juízes do dever de prestar contas sobre o que foi debatido no processo. Usando essa expressão, os julgadores entendem-se desobrigados de deliberar sobre os argumentos jurídicos apresentados pelas partes, pois a palavra por eles dita seria inevitavelmente o direito. A decisão judicial, nesse estado de coisas, não deriva propriamente da dinâmica do processo, nem da ação, nem da defesa, assemelhando-se, em verdade, a um dito divino ou mágico. O princípio é o verbo, puro e simples, e não o diálogo ou a deliberação.

Entretanto, a partir da percepção de que é o contraditório o princípio basilar e inarredável de todo o direito processual, nota-se que a norma do inciso IX do artigo 93 da CF, os dizeres do artigo 131 do CPC, e as expressões latinas citadas são, em verdade, fatores de constrição do discricionarismo judicial. Encerram deveres e limites à magistratura e direitos às partes e à sociedade em geral. O contraditório, muito mais do que uma franquia de simples participação formal no processo, é a possibilidade de influir na construção de uma decisão estatal, garantida com o dever de os órgãos de decisão deliberarem a respeito dos argumentos produzidos. É, enfim, fator de legitimação do exercício do poder estatal.

Com efeito, o dever de fundamentação das decisões judiciais (inciso IX do artigo 93 da CF) não permite que os julgadores fundamentem de qualquer modo, aleatoriamente, de forma desconectada da discussão engendrada pelas partes. Não basta que haja uma coerência abstratamente considerada entre a decisão e o fundamento produzido, como se a sentença fosse um texto independente. A fundamentação de que trata o comando do artigo 93, IX, da CF, é uma coerência entre o que se decide e todo o processo, com todas as suas vicissitudes, o que repugna a prática tão difundida de decisões estandardizadas, que pouco se referem à concretude da discussão travada nos autos.

A partir da percepção de que o ordenamento processual exige das partes, por seus advogados, a apresentação de arrazoados sobre questões de fato e também de direito tendentes a fundamentar seus pedidos aos órgãos judiciários, percebe-se que o dever de fundamentação das decisões judiciais é a contraparte do ônus de fundamentar suportado pelas partes. O contraditório, afinal, envolve, não só a oportunidade de falar, como também a de ser ouvido. A garantia do contraditório exige dos órgãos judiciários atenção e deliberação a respeito do que dizem as partes sobre os fatos e sobre o direito. Além de demonstrar que compulsou os autos, que leu os arrazoados das partes, por meio dos relatórios das decisões, devem os julgadores verter em palavras a deliberação que fazem sobre os fundamentos de fato e de direito que as partes apresentam.

Num quadro em que o princípio é o verbo da autoridade, não é de se estranhar que haja tantos recursos em que as partes questionam a total ausência de deliberação sobre suas teses. Ao decidirem esses recursos, costumam os tribunais enunciar, à exaustão, é certo, que “o juiz não está obrigado a deliberar sobre todas as teses apresentadas pelas partes, conquanto que decida de forma fundamentada nos termos do inciso IX do art. 93 da Constituição”, e citam-se aos borbotões julgados que repetiram essa cantilena enfadonha e antipática, mas uma ideia como essa frustra frontalmente o princípio do contraditório, a título de dar cumprimento à regra do artigo 93, IX, da Constituição.

Efetivamente, a partir de uma leitura bem literal e fragmentária da regra da fundamentação das decisões judiciais, ninguém diria que seria desfundamentada uma sentença que se limitasse a transcrever, a título de fundamentação, o que disse a parte autora como causa de pedir. Atender-se-ia à literalidade do inciso IX do artigo 93, mas se desatenderia o postulado maior do contraditório, sobretudo naqueles casos em que o réu vem a juízo, contesta, produz prova, alegações finais, etc. Fundamentar uma decisão unicamente com os fundamentos da parte autora, tratando o réu que se mostra cioso na defesa de seus interesses como se revel fosse, significa fraudar o princípio do contraditório e a verdadeira razão de existir do disposto no inciso IX do artigo constitucional 93.

Tristemente, também a regra do artigo 131 do CPC vem sendo aplicada tortuosamente em afronta ao contraditório. Quando se diz que o juiz apreciará livremente a prova presente dos autos, significa, antes, um alerta ao julgador para que não julgue com base em fatos e circunstâncias não constantes dos autos. A norma do artigo 131, antes de conferir liberdade de apreciação das provas ao magistrado, limita-lhe o conhecimento aos elementos que estão efetivamente presentes nos autos e que, por esta razão, foram ou puderam ser objeto de debate pelas partes.

Além disso, normas como a do artigo 131 que estipulam a livre apreciação da prova significam a necessidade de fechamento do sistema processual de influências externas. Apreciar livremente, significa, deliberar sem pressões externas. Trata-se de garantia aos indivíduos de que o judiciário irá apreciar suas postulações de forma independente, desinteressada, e dentro de parâmetros estreitos, previsíveis e controláveis: aquilo que consta documentado nos autos.

Conexa à norma do artigo 131 do CPC, apresenta-se a expressão latina narra mihi factum dabo tibi jus. Não se trata de um penhor de confiança adredemente conferido aos juízes no sentido de que será tido como o justo aquilo que porventura venha por eles decidido, o que, no limite, justifica a própria supressão do direito de recorrer. Bem diversamente, significa mais uma constrição ao decisionismo judicial, a partir da colocação de uma baliza para além da qual não pode ir o julgador: os fatos alegados pelas partes. Além de estar limitado pelos elementos de prova constantes dos autos, o magistrado encontra-se acicatado pelas alegações das partes. Não podem os juízes abandonarem a postura de inércia para deflagrarem, eles próprios, demandas judiciais. Por isso se diz que o processo depende da iniciativa das partes. Devem elas narrar o fatos como condição sem a qual os juízes não podem dizer o direito. Assim, nunca o direito será dito pelos juízes se o interessado a quem beneficiaria alguma decisão judicial não se anima de, pelo menos, narrar os fatos. Esse é o conteúdo limitador da arbitrariedade judicial da expressão latina.

É evidente que o juiz não está limitado pelos fundamentos de direito da ação nem da defesa, podendo dar a qualificação jurídica que reputar mais adequada à demanda deduzida. No entanto, isso não significa que o juiz não precise prestar conta às alegações jurídicas apresentadas pelas partes, demonstrando que o direito evocado por elas não é o mais adequado. Não se admite a discordância gratuita, desfundamentada, sobre os fundamentos jurídicos aduzidos pelas partes.

Sobretudo num modelo constitucional de contraditório influenciado pela posição proeminente da advocacia, erigida à condição de função essencial à justiça, não se podem aceitar por trás do narra mihi factum dabo tibi jus disposições judiciais autoritárias que reduzem o papel dos causídicos ao de mero narradores de histórias. Mais do que narrar os fatos, os advogados contribuem com a decisão judicial com propostas de enquadramento desses fatos nas normas jurídicas, as quais merecem ser objeto de deliberação pelos destinatários. Aliás, não é demais lembrar que é inepta a petição inicial que não traga os fundamentos jurídicos do pedido (CPC, arts. 283, III c/c 295, parágrafo único, I), a significar que, desde o nível infraconstitucional, atribui-se à advocacia um papel muito mais relevante do que o de mera instituição contadora de fatos para um futuro e mágico enquadramento jurídico a ser feito pela autoridade judicial.

A narrativa dos fatos pelos postulantes é condição necessária para o exercício da jurisdição. É uma condição necessária, porém não suficiente. Jamais será o direito aquilo que vier a ser dito pelo juiz se não houver deliberação sobre os argumentos apresentados pelas partes, por seus advogados.

Bem vistas as coisas, embora as normas dos artsigos 93, IX, da CF e do artigo 131 do CPC estejam sendo evocadas para destruir o contraditório, chega-se até a pensar, num gesto mais radical, em revoga-las. Porém, sem tais normas, a compreensão do contraditório ficaria na absoluta dependência de uma doutrina pujante que conquistasse os corações e as mentes dos estudantes e professores de Direito, e a crítica ao autoritarismo perderia alguns de seus mais importantes esteios. Os demônios não precisariam de malabarismos argumentativos para dominar tudo. É, enfim, preciso não perder de vista que as Escrituras não deixam de ser santas se o demônio as usa para seus fins.

Pablo Bezerra Luciano é procurador do Banco Central e presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Banco Central do Brasil.

Revista Consultor Jurídico, 11 de junho de 2013

AUTORITARISMO JUDICIAL
Dever constitucional obriga juiz a fundamentar decisões
Por Pablo Bezerra Luciano

No Mercador de Veneza, William Shakespeare alerta-nos que o demônio pode citar as Escrituras para seus fins. Nada mais correto. Não há nenhuma norma mais elevada ou ideia democrática que não possa ser usada com alguma técnica mais ou menos sofisticada pelo autoritarismo. Não deixa de ser irônico que o decisionismo judicial hoje imperante tenha por apoio normas que nada mais são do que reflexos necessários da garantia constitucional do contraditório.

Com base na garantia de fundamentação das decisões judiciais prevista no inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, os tribunais tem repetido à exaustão a cantilena de que não é necessário que o juiz enfrente todas as teses e questões levantadas pelas partes, contanto que venha a decidir fundamentadamente. Daí, admite-se frequentemente que o juiz deixe de enfrentar todas as teses apresentadas pelas partes.

Semelhante fenômeno tem acontecido quanto à norma do artigo 131 do Código de Processo Civil, que determina que o juiz apreciará livremente a prova, atentando aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, a qual vem sendo aplicada como uma franquia a um discricionarismo judicial de impossível controle pela via recursal.

Em apoio a essa postura, os discursos judiciais costumam ser entremeados por citações de expressões latinas como narra mihi factum dabo tibi jus (narra-me os fatos que te darei o direito), como forma de libertar os juízes do dever de prestar contas sobre o que foi debatido no processo. Usando essa expressão, os julgadores entendem-se desobrigados de deliberar sobre os argumentos jurídicos apresentados pelas partes, pois a palavra por eles dita seria inevitavelmente o direito. A decisão judicial, nesse estado de coisas, não deriva propriamente da dinâmica do processo, nem da ação, nem da defesa, assemelhando-se, em verdade, a um dito divino ou mágico. O princípio é o verbo, puro e simples, e não o diálogo ou a deliberação.

Entretanto, a partir da percepção de que é o contraditório o princípio basilar e inarredável de todo o direito processual, nota-se que a norma do inciso IX do artigo 93 da CF, os dizeres do artigo 131 do CPC, e as expressões latinas citadas são, em verdade, fatores de constrição do discricionarismo judicial. Encerram deveres e limites à magistratura e direitos às partes e à sociedade em geral. O contraditório, muito mais do que uma franquia de simples participação formal no processo, é a possibilidade de influir na construção de uma decisão estatal, garantida com o dever de os órgãos de decisão deliberarem a respeito dos argumentos produzidos. É, enfim, fator de legitimação do exercício do poder estatal.

Com efeito, o dever de fundamentação das decisões judiciais (inciso IX do artigo 93 da CF) não permite que os julgadores fundamentem de qualquer modo, aleatoriamente, de forma desconectada da discussão engendrada pelas partes. Não basta que haja uma coerência abstratamente considerada entre a decisão e o fundamento produzido, como se a sentença fosse um texto independente. A fundamentação de que trata o comando do artigo 93, IX, da CF, é uma coerência entre o que se decide e todo o processo, com todas as suas vicissitudes, o que repugna a prática tão difundida de decisões estandardizadas, que pouco se referem à concretude da discussão travada nos autos.

A partir da percepção de que o ordenamento processual exige das partes, por seus advogados, a apresentação de arrazoados sobre questões de fato e também de direito tendentes a fundamentar seus pedidos aos órgãos judiciários, percebe-se que o dever de fundamentação das decisões judiciais é a contraparte do ônus de fundamentar suportado pelas partes. O contraditório, afinal, envolve, não só a oportunidade de falar, como também a de ser ouvido. A garantia do contraditório exige dos órgãos judiciários atenção e deliberação a respeito do que dizem as partes sobre os fatos e sobre o direito. Além de demonstrar que compulsou os autos, que leu os arrazoados das partes, por meio dos relatórios das decisões, devem os julgadores verter em palavras a deliberação que fazem sobre os fundamentos de fato e de direito que as partes apresentam.

Num quadro em que o princípio é o verbo da autoridade, não é de se estranhar que haja tantos recursos em que as partes questionam a total ausência de deliberação sobre suas teses. Ao decidirem esses recursos, costumam os tribunais enunciar, à exaustão, é certo, que “o juiz não está obrigado a deliberar sobre todas as teses apresentadas pelas partes, conquanto que decida de forma fundamentada nos termos do inciso IX do art. 93 da Constituição”, e citam-se aos borbotões julgados que repetiram essa cantilena enfadonha e antipática, mas uma ideia como essa frustra frontalmente o princípio do contraditório, a título de dar cumprimento à regra do artigo 93, IX, da Constituição.

Efetivamente, a partir de uma leitura bem literal e fragmentária da regra da fundamentação das decisões judiciais, ninguém diria que seria desfundamentada uma sentença que se limitasse a transcrever, a título de fundamentação, o que disse a parte autora como causa de pedir. Atender-se-ia à literalidade do inciso IX do artigo 93, mas se desatenderia o postulado maior do contraditório, sobretudo naqueles casos em que o réu vem a juízo, contesta, produz prova, alegações finais, etc. Fundamentar uma decisão unicamente com os fundamentos da parte autora, tratando o réu que se mostra cioso na defesa de seus interesses como se revel fosse, significa fraudar o princípio do contraditório e a verdadeira razão de existir do disposto no inciso IX do artigo constitucional 93.

Tristemente, também a regra do artigo 131 do CPC vem sendo aplicada tortuosamente em afronta ao contraditório. Quando se diz que o juiz apreciará livremente a prova presente dos autos, significa, antes, um alerta ao julgador para que não julgue com base em fatos e circunstâncias não constantes dos autos. A norma do artigo 131, antes de conferir liberdade de apreciação das provas ao magistrado, limita-lhe o conhecimento aos elementos que estão efetivamente presentes nos autos e que, por esta razão, foram ou puderam ser objeto de debate pelas partes.

Além disso, normas como a do artigo 131 que estipulam a livre apreciação da prova significam a necessidade de fechamento do sistema processual de influências externas. Apreciar livremente, significa, deliberar sem pressões externas. Trata-se de garantia aos indivíduos de que o judiciário irá apreciar suas postulações de forma independente, desinteressada, e dentro de parâmetros estreitos, previsíveis e controláveis: aquilo que consta documentado nos autos.

Conexa à norma do artigo 131 do CPC, apresenta-se a expressão latina narra mihi factum dabo tibi jus. Não se trata de um penhor de confiança adredemente conferido aos juízes no sentido de que será tido como o justo aquilo que porventura venha por eles decidido, o que, no limite, justifica a própria supressão do direito de recorrer. Bem diversamente, significa mais uma constrição ao decisionismo judicial, a partir da colocação de uma baliza para além da qual não pode ir o julgador: os fatos alegados pelas partes. Além de estar limitado pelos elementos de prova constantes dos autos, o magistrado encontra-se acicatado pelas alegações das partes. Não podem os juízes abandonarem a postura de inércia para deflagrarem, eles próprios, demandas judiciais. Por isso se diz que o processo depende da iniciativa das partes. Devem elas narrar o fatos como condição sem a qual os juízes não podem dizer o direito. Assim, nunca o direito será dito pelos juízes se o interessado a quem beneficiaria alguma decisão judicial não se anima de, pelo menos, narrar os fatos. Esse é o conteúdo limitador da arbitrariedade judicial da expressão latina.

É evidente que o juiz não está limitado pelos fundamentos de direito da ação nem da defesa, podendo dar a qualificação jurídica que reputar mais adequada à demanda deduzida. No entanto, isso não significa que o juiz não precise prestar conta às alegações jurídicas apresentadas pelas partes, demonstrando que o direito evocado por elas não é o mais adequado. Não se admite a discordância gratuita, desfundamentada, sobre os fundamentos jurídicos aduzidos pelas partes.

Sobretudo num modelo constitucional de contraditório influenciado pela posição proeminente da advocacia, erigida à condição de função essencial à justiça, não se podem aceitar por trás do narra mihi factum dabo tibi jus disposições judiciais autoritárias que reduzem o papel dos causídicos ao de mero narradores de histórias. Mais do que narrar os fatos, os advogados contribuem com a decisão judicial com propostas de enquadramento desses fatos nas normas jurídicas, as quais merecem ser objeto de deliberação pelos destinatários. Aliás, não é demais lembrar que é inepta a petição inicial que não traga os fundamentos jurídicos do pedido (CPC, arts. 283, III c/c 295, parágrafo único, I), a significar que, desde o nível infraconstitucional, atribui-se à advocacia um papel muito mais relevante do que o de mera instituição contadora de fatos para um futuro e mágico enquadramento jurídico a ser feito pela autoridade judicial.

A narrativa dos fatos pelos postulantes é condição necessária para o exercício da jurisdição. É uma condição necessária, porém não suficiente. Jamais será o direito aquilo que vier a ser dito pelo juiz se não houver deliberação sobre os argumentos apresentados pelas partes, por seus advogados.

Bem vistas as coisas, embora as normas dos artsigos 93, IX, da CF e do artigo 131 do CPC estejam sendo evocadas para destruir o contraditório, chega-se até a pensar, num gesto mais radical, em revoga-las. Porém, sem tais normas, a compreensão do contraditório ficaria na absoluta dependência de uma doutrina pujante que conquistasse os corações e as mentes dos estudantes e professores de Direito, e a crítica ao autoritarismo perderia alguns de seus mais importantes esteios. Os demônios não precisariam de malabarismos argumentativos para dominar tudo. É, enfim, preciso não perder de vista que as Escrituras não deixam de ser santas se o demônio as usa para seus fins.

Pablo Bezerra Luciano é procurador do Banco Central e presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Banco Central do Brasil.

Revista Consultor Jurídico, 11 de junho de 2013