quarta-feira, 29 de outubro de 2014
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
sexta-feira, 17 de outubro de 2014
A vida real
Ela começa quando as pessoas deixam
o mundo imaginário das relações passadas ou futuras
IVAN MARTINS
Três jovens amigas conversam num bar. O tema são
os homens com quem vivem. Elas se queixam, num tom carinhoso. Uma gostaria de ter
um segundo apartamento onde se refugiar da companhia constante dele. Só de vez
em quando, diz ela. Outra lamenta que o marido goste de acompanhá-la o tempo
todo. Adoraria fazer algumas coisas sozinhas, como ir ao cinema ou ler o
jornal. A terceira, mais ousada, acha que poderia propor ao companheiro uma
relação sexualmente mais aberta, se achasse que ele está pronto para ouvir a
sugestão sem magoar-se. Sente que na vida deles falta alguma excitação.
Ouvindo essas histórias, que me foram contadas por
uma amiga, é possível imaginar várias coisas. Uma legião de mulheres
insatisfeitas, apegadas a relacionamentos exauridos, que deram o que tinham de
dar. Ou uma geração de homens carentes, incapazes de tirar os olhos por um
segundo de suas mulheres enfastiadas. Quem sabe, um mundo repleto de madames
Bovarys, sempre à espreita de um sedutor galante e cafajeste, capaz de oferecer
a elas outra vida.
É possível que isso tudo seja verdade. É mais
provável que a cena entre as três amigas reflita apenas a vida real. Ela começa
quando as pessoas deixam o mundo imaginário das relações passadas ou futuras e
ingressam num relacionamento estável no presente. Nele, a rotina e a
previsibilidade se tornam de alguma forma inevitável. Como sugere a conversa
das amigas. Mas há na queixa delas um elemento oculto da maior importância: a
confiança. Quem está num relacionamento desse tipo sabe que se tornou parte da
vida do outro. O sujeito não desaparecerá amanhã cedo. Por isso, as jovens
amigas podem se sentir levemente entediadas com seus parceiros. Estão seguras
do afeto deles.
A confiança entre iguais é um sentimento
revolucionário. Num mundo em que tudo se desmancha no ar ou se desfaz de forma
líquida – escolha sua metáfora –, as relações afetivas ancoradas na confiança
são um bem precioso. Permitem que as os seres humanos desabrochem. Não é
preciso mais se proteger do outro, que pode partir e magoar a qualquer momento.
Também não se trata mais de ocultar tudo aquilo que não favorece. Nem é
necessário o exercício permanente da sedução, capaz de mantê-lo por perto. O
sujeito não está de saída. Ele escolheu, quer, deseja. Sua presença constante –
tranquila ou exaltada, romântica ou brincalhona, quieta ou barulhenta – deixa
isso claro.
Nessas circunstâncias, providas de um afeto
recíproco, as mulheres (tanto quanto os homens) descobrem nova formas de ser
elas mesmas. Aventuram-se. Exploram. Crescem, ao mesmo tempo que se
tranquilizam. A conversa aparentemente blasée em relação aos seus homens é
enganadora. As amigas que falam no bar entendem a importância deles na vida
delas. Apenas gostariam que tudo fosse um pouco melhor, como é da natureza
humana.
Não é única forma de estar bem no mundo, claro. Há
outras, perfeitamente respeitáveis. Ou não. As personalidades variam. Mulheres
sozinhas vão a qualquer parte, e isso tem vantagens. Há muita diversão e
descoberta por aí. Também se aprende muito procurando. O mundo é vasto, e os
voos de carreira são cada vez mais baratos. Todos temos direito a passaporte.
O universo dos relacionamentos reais é uma espécie
de continente, sempre à espera de ser explorado. Ele nos conduz a lugares onde
nunca estivemos, nos descortina paisagem interiores que não sabíamos existir,
nos transforma de fora para dentro – e, então, de dentro para fora –, abre
portas e cria novas formas de lidar com a vida. O amor, o convívio, a confiança
são profundamente transformadores. Sobretudo porque são opcionais É isso que
está por trás da conversa das amigas. O romance, na sua forma vagabunda e
prosaica. O romance das nossas vidas. Às vezes, besta que dói, mas essencial de
viver.
Coisas de que só eu gosto
Aquilo que a gente ama nos define. Quem a gente ama nos
distingue
IVAN MARTINS
Na
lanchonete Real, perto de casa, prepara-se um filé com ervilhas que me faz
feliz há mais de uma década. Mas noto que o prato já não é tão popular. Nas
últimas vezes em que o pedi, deparei com o olhar confuso do garçom, como se
perguntasse: “Filé com quê?”. Então repito: “Filé com ervilhas”. E mostro com o
dedo: “Aqui, está no cardápio”. O pessoal da cozinha ainda lembra como se
prepara o meu prato favorito, pelo menos.
Esse
filé está na categoria das coisas de que só eu gosto. Ou quase. É como Tropas
estelares, um filme de ficção científica com estética de seriado de TV dos
anos 1950. Vi no cinema com meus filhos quando foi lançado, em 1997 e, desde
então, mais uma dezena de vezes. Dias atrás, ao listar meus 10 filmes favoritos,
percebi ele que vinha em terceiro, atrás de O último tango em Paris e Paris,
Texas, duas obras primas. O que faz uma aventura romântica e juvenil em tão
nobre companhia eu não sei. Talvez seja nostalgia da adolescência e dos seus
amores impossíveis, como os do filme.
Ao
pensar no filé e no filme, assim como nos livros de Jorge Semprún ou nas calças
boca de sino, percebo que há peculiaridades de gosto que definem quem sou. Ou
quem você é. Milhões de pessoas gostam das mesmas coisas, e isso não as
distingue. Mas cada um tem preferências únicas, ou quase únicas, que ajudam a
definir quem é, no meio da multidão.
Entre
aquilo que mais nos distingue está a pessoa de quem gostamos e com quem
dividimos a vida. Ela é única em seus defeitos e qualidades, na beleza ou na
falta de atrativos. Não há ninguém mais com o mesmo sorriso ou a mesma
combinação de gestos. Entre bilhões de pessoas no planeta, piores ou melhores,
ninguém carrega as lembranças que ela carrega. Ninguém divide conosco as
memórias que ela divide. Essa Maria, seja ela quem for. Esse João, por comum
que seja. Não há ninguém em todo o mundo igual a nenhum deles. Amar essa
singularidade humana nos torna igualmente singular.
Ontem,
vi uma foto de Gisele Bündchen desfilando em Paris, de minissaia e botas.
Pensei: “Que linda”. Milhões devem ter pensado a mesma coisa. Haverá no mundo
um milhão de homens, talvez mulheres, apaixonados por ela. Gostar de
Gisele Bündchen talvez defina a vida de muitos. Gostar dela será, nesse caso,
como gostar de um filme de grande sucesso ou de um livro best-seller. Algo que
se pode partilhar com milhares ou milhões. Não é o mesmo que gostar de Maria ou
João.
O
gostar que nos define está ligado às entranhas de alguém, não à imagem que
projeta. Está ligado a seus sentimentos secretos, não apenas ao que diz e faz
em público. Essa conexão existe apenas entre gente de verdade, que se define,
necessariamente, de dentro para fora. O que há entre nós e a aparência dos
outros é somente fantasia e ilusão. Vale para Gisele ou para a garota mais
bonita do colégio, por quem todos parecem apaixonados. Elas não contam como
experiência única.
Aquilo
que marca a biografia, aquilo que nos define, é o que nos toca e se deixa
tocar. É o que se mistura ao que somos. Pode ser a mulher mais bonita do prédio
que, vista de perto, era despretensiosa e divertida. Pode ser a garota com
cheiro de cloro, cuja intimidade era tão rica que, anos depois, você ainda se
lembrará dela com saudades. O essencial é criar vínculos que durem. Entrar em
contato. Gostar e deixar-se gostar. Permitir que o outro nos olhe e pense:
“Esse é meu amor”. Que é uma forma de dizer: “Esse é quem sou”. Ou será que
isso é tão romântico que somente Heathcliff diria a Catherine?
Coisas de que só eu gosto
Aquilo que a gente ama nos define. Quem a gente ama nos
distingue
IVAN MARTINS
Na
lanchonete Real, perto de casa, prepara-se um filé com ervilhas que me faz
feliz há mais de uma década. Mas noto que o prato já não é tão popular. Nas
últimas vezes em que o pedi, deparei com o olhar confuso do garçom, como se
perguntasse: “Filé com quê?”. Então repito: “Filé com ervilhas”. E mostro com o
dedo: “Aqui, está no cardápio”. O pessoal da cozinha ainda lembra como se
prepara o meu prato favorito, pelo menos.
Esse
filé está na categoria das coisas de que só eu gosto. Ou quase. É como Tropas
estelares, um filme de ficção científica com estética de seriado de TV dos
anos 1950. Vi no cinema com meus filhos quando foi lançado, em 1997 e, desde
então, mais uma dezena de vezes. Dias atrás, ao listar meus 10 filmes favoritos,
percebi ele que vinha em terceiro, atrás de O último tango em Paris e Paris,
Texas, duas obras primas. O que faz uma aventura romântica e juvenil em tão
nobre companhia eu não sei. Talvez seja nostalgia da adolescência e dos seus
amores impossíveis, como os do filme.
Ao
pensar no filé e no filme, assim como nos livros de Jorge Semprún ou nas calças
boca de sino, percebo que há peculiaridades de gosto que definem quem sou. Ou
quem você é. Milhões de pessoas gostam das mesmas coisas, e isso não as
distingue. Mas cada um tem preferências únicas, ou quase únicas, que ajudam a
definir quem é, no meio da multidão.
Entre
aquilo que mais nos distingue está a pessoa de quem gostamos e com quem
dividimos a vida. Ela é única em seus defeitos e qualidades, na beleza ou na
falta de atrativos. Não há ninguém mais com o mesmo sorriso ou a mesma
combinação de gestos. Entre bilhões de pessoas no planeta, piores ou melhores,
ninguém carrega as lembranças que ela carrega. Ninguém divide conosco as
memórias que ela divide. Essa Maria, seja ela quem for. Esse João, por comum
que seja. Não há ninguém em todo o mundo igual a nenhum deles. Amar essa
singularidade humana nos torna igualmente singular.
Ontem,
vi uma foto de Gisele Bündchen desfilando em Paris, de minissaia e botas.
Pensei: “Que linda”. Milhões devem ter pensado a mesma coisa. Haverá no mundo
um milhão de homens, talvez mulheres, apaixonados por ela. Gostar de
Gisele Bündchen talvez defina a vida de muitos. Gostar dela será, nesse caso,
como gostar de um filme de grande sucesso ou de um livro best-seller. Algo que
se pode partilhar com milhares ou milhões. Não é o mesmo que gostar de Maria ou
João.
O
gostar que nos define está ligado às entranhas de alguém, não à imagem que
projeta. Está ligado a seus sentimentos secretos, não apenas ao que diz e faz
em público. Essa conexão existe apenas entre gente de verdade, que se define,
necessariamente, de dentro para fora. O que há entre nós e a aparência dos
outros é somente fantasia e ilusão. Vale para Gisele ou para a garota mais
bonita do colégio, por quem todos parecem apaixonados. Elas não contam como
experiência única.
Aquilo
que marca a biografia, aquilo que nos define, é o que nos toca e se deixa
tocar. É o que se mistura ao que somos. Pode ser a mulher mais bonita do prédio
que, vista de perto, era despretensiosa e divertida. Pode ser a garota com
cheiro de cloro, cuja intimidade era tão rica que, anos depois, você ainda se
lembrará dela com saudades. O essencial é criar vínculos que durem. Entrar em
contato. Gostar e deixar-se gostar. Permitir que o outro nos olhe e pense:
“Esse é meu amor”. Que é uma forma de dizer: “Esse é quem sou”. Ou será que
isso é tão romântico que somente Heathcliff diria a Catherine?
segunda-feira, 13 de outubro de 2014
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
"Tienen miedo del amor y no saber amar
Tienen miedo de la sombra y miedo de la luz
Tienen miedo de pedir y miedo de callar
Miedo que da miedo del miedo que da
Tienen miedo de subir y miedo de bajar
Tienen miedo de la noche y miedo del azul
Tienen miedo de escupir y miedo de aguantar
Miedo que da miedo del miedo que da
El miedo es una sombra que el temor no esquiva
El miedo es una trampa que atrapó al amor
El miedo es la palanca que apagó la vida
El miedo es una grieta que agrandó el dolor (...)"
Lenine/Pedro Guerra.
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