segunda-feira, 26 de agosto de 2013

STJ - Devolução de carta com AR não basta para permitir redirecionamento de execução fiscal contra o sócio http://t.co/dIuDjH47nh

Matéria especial

STJ reúne jurisprudência sobre as prerrogativas do advogado

Em matéria especial, o STJ reuniu a jurisprudência da Corte sobre as prerrogativas do advogado, indispensável à administração da Justiça e inviolável em seus atos e manifestações no exercício da profissão. No STJ, a jurisprudência sobre limites e excessos das prerrogativas dos advogados é farta.

Veja alguns exemplos de como são resolvidas questões relacionadas ao dia a dia desses profissionais e às prerrogativas previstas no Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94).

Juiz atrasado

O atraso do magistrado por mais de 30 minutos autoriza o advogado a deixar o recinto, mediante comunicação protocolada em juízo. Porém, essa medida só se justifica quando o juiz não está presente no fórum.

No HC 97.645, o STJ rejeitou a alegação de nulidade em caso no qual o advogado do réu acusado de homicídio qualificado, na quarta audiência marcada, deixou o local após atraso do magistrado, que presidia outro feito no mesmo recinto.

A primeira audiência estava marcada para 20 de novembro, e o réu foi apresentado às 15h30. Às 15h58, o advogado protocolou a petição informando do exercício de sua prerrogativa, sem nem mesmo entrar em contato com o magistrado, que, por se tratar de interrogatório do acusado, adiou o feito para 6 de fevereiro do ano seguinte.

A oitiva das testemunhas da acusação foi marcada para as 13h30 de 30 de maio, já que não compareceram à primeira. Às 16h30, o réu, preso, ainda não havia sido apresentado, o que levou à remarcação.

Em 10 de outubro, como as testemunhas do réu estivessem atrasadas, foi iniciada a audiência de outro caso, às 14h15. Às 16h20 foi feito o pregão do processo. O magistrado foi então informado de que os advogados, novamente sem entrar em contato prévio, haviam protocolado às 16h16 petição relativa à prerrogativa. O réu, já solto, deixou o fórum junto com seu defensor. Diante do fato, o magistrado nomeou defensor público e deu seguimento ao feito.

Para o STJ, além de não se enquadrar na hipótese prevista no estatuto, o caso não trouxe nenhum prejuízo à defesa.

Autonomia e qualidade

No HC 229.306, a defesa alegava que a atuação do advogado no processo de origem teria sido de “péssima qualidade” e deficiente. Assim, por falta de defesa técnica, a condenação do réu em 13 anos por homicídio qualificado deveria ser anulada.

O ministro Jorge Mussi, porém, afastou a nulidade. Para o relator, o advogado era habilitado e fora regular e livremente constituído pelo réu, pressupondo confiança deste no profissional. A atuação do advogado não seria negligente, já que sustentou suas teses em todas as oportunidades oferecidas pelo juízo.

Conforme o ministro, não se pode qualificar como defeituoso o trabalho do advogado que atua de acordo com a autonomia garantida pelo estatuto.

“Como se sabe, o conhecimento e a experiência agregados por cada profissional, em qualquer ofício, são critérios que levam, muitas vezes, à execução de trabalhos distintos sobre uma mesma base fática, como não raro ocorre, por exemplo, em diagnósticos diversos dados a um mesmo sintoma por dois ou mais médicos. Trata-se, na verdade, da avaliação subjetiva do profissional, diante de um caso concreto, das medidas que entende devidas para alcançar um fim almejado”, avaliou Mussi.

“O ofício do advogado, entretanto, se consubstancia em obrigação de meio, não lhe sendo exigível qualquer resultado específico sobre a sua atuação em juízo, senão a diligência na prestação do serviço e o emprego dos recursos que lhe estiverem disponíveis em busca do êxito almejado”, completou.

“Assim, embora aos olhos do impetrante a atuação do causídico constituído pelo paciente não seja digna de elogios, da leitura das peças que foram acostadas aos autos não se constata qualquer desídia ou impropriedade capaz de influenciar na garantia à ampla defesa do acusado”, acrescentou o ministro.

“Aliás, mostrou-se combativo ao não resignar-se com a decisão de pronúncia, manifestando seu inconformismo até o último recurso disponível, revelando a sua convicção na estratégia defensiva traçada, a qual foi igualmente sustentada perante o conselho de sentença. Entretanto, diante de um insucesso, para o crítico sempre haverá algo a mais que o causídico poderia ter feito ou alegado, circunstância que não redunda, por si só, na caracterização da deficiência de defesa”, concluiu.

Direito próprio

As prerrogativas profissionais são direito do próprio advogado. Essa interpretação decorreu do caso em que um clube impediu o defensor de ingressar em suas dependências, afirmando que somente sócios podiam frequentá-lo.

O advogado defendia um cliente perante o conselho deliberativo do country club. Temendo que o impedimento tornasse a acontecer, o advogado ingressou com medida cautelar, que foi deferida. Porém, no mérito, o processo foi extinto, sob o argumento de que o advogado não poderia pleitear em seu nome direito de terceiro, seu cliente.

Para o STJ, no entanto, é “óbvio” que o titular das prerrogativas da advocacia é o advogado e não quem o constitui. Por isso, a legitimidade para a ação, nos termos em que proposta, era mesmo do defensor(REsp 735.668).

Carga de autos

Em decisão recente, o STJ afirmou que apenas o advogado que deixou de devolver os autos no prazo é que pode ser responsabilizado pela falta.

No REsp 1.089.181, as instâncias ordinárias haviam imposto restrições a todos os advogados e estagiários da parte, mas o STJ afirmou que só poderia ser punida a advogada subestabelecida que deixou de devolver os autos. Porém, no caso analisado, nem mesmo essa punição poderia ser mantida, já que os autos foram devolvidos antes do prazo legal de 24 horas que permitiria a aplicação de sanções.

“Merece reforma o acórdão recorrido, uma vez que a configuração da tipicidade infracional decorre não do tempo em que o causídico reteve os autos, mas do descumprimento da intimação para restituí-los no prazo legal”, esclareceu o ministro Luis Felipe Salomão.

Proibição de retirada de processo é pessoal e não se estende a outros advogados da parte

Vistas para 47 réus

O STJ já decidiu que não viola prerrogativas da advocacia a limitação, pelo juiz processante, de restrição à vista dos autos fora do cartório quando a medida é justificada.

No HC 237.865, o Tribunal afirmou que a retirada dos autos de processo com 47 réus, cada um com seus advogados próprios, envolvidos em cinco denúncias relacionadas a tráfico internacional de drogas, causaria tumulto e retardamento processual.

Conforme o STJ, as partes não tiveram impedido o acesso aos documentos ou cópias, o que não restringiu seu direito de defesa. Apenas foi aplicada exceção prevista no próprio Estatuto da Advocacia (artigo 7º, parágrafo 1º, item 2).

O caso tratava de réus presos com mais de quatro toneladas de cocaína e cinco toneladas de maconha. Na operação, foram apreendidos também 48 veículos, um avião e mais de US$ 1 milhão, além de maquinário e produtos químicos para preparação e adulteração das drogas. O grupo, de acordo com a denúncia, produzia as drogas na Bolívia e as distribuía para São Paulo, a Europa e a África.

Tumulto protelatório

O advogado que tenta tumultuar o trâmite processual e apenas adiar o julgamento também pode ter negada a carga dos autos. No REsp 997.777, o STJ considerou válida a negativa de carga dos autos pelo tribunal local.

Às vésperas do julgamento, os advogados foram substituídos. Por isso, os novos representantes pediam vista fora de cartório. A corte havia negado a retirada dos autos porque a parte teria, desde a primeira instância, feito várias manobras para procrastinar o andamento do processo.

Intimação

Por outro lado, o STJ anulou (HC 160.281) o julgamento de um recurso em sentido estrito porque a decisão do relator autorizando vista para cópias deixou de ser publicada, o que impediu o conhecimento do ato pelo advogado.

Para o tribunal local, o defensor constituído e os dois estagiários autorizados deveriam ter procurado tomar conhecimento da decisão, que só foi juntada três dias antes do julgamento. Eventual prejuízo para o réu decorreria da própria desídia da defesa. Mas o STJ considerou que o ato, nessas condições, constituiu um nada jurídico.

Os ministros consideraram que não seria razoável exigir do advogado que se dirigisse todos os dias ao gabinete do relator ou à secretaria do foro para informar-se sobre o andamento do processo.

Ainda conforme o STJ, havendo advogado constituído, tanto em processo judicial quanto administrativo, as intimações devem ser feitas também em seu nome, sob pena de nulidade. É o exemplo do decidido no Recurso Especial 935.004.

Na origem, um processo administrativo corria perante o conselho de magistratura. O juiz recebeu pena de censura por ter nomeado como inventariante seu padrinho de casamento, que por sua vez contratou o irmão do magistrado como advogado do espólio.

Como não foi intimado dessa decisão do conselho, o advogado que defendia a parte no processo de inventário não pôde entrar a tempo com a exceção de impedimento e suspeição contra o juiz.

O STJ considerou nula a intimação do resultado de processo administrativo feita somente em nome da parte em processo judicial relacionado ao caso, sem inclusão de seu advogado constituído.

Vista em processo administrativo

Porém, o STJ considerou, no REsp 1.232.828, que a administração não pode simplesmente impedir o advogado de retirar autos de processo administrativo da repartição.

No caso, o advogado tinha uma senha da repartição para provar que havia tentado obter vista do processo em que pretendia verificar o lançamento de ISS contra seu cliente. Mas o horário impresso correspondia à madrugada de domingo.

No STJ, foi considerado que, apesar disso, o documento, somado à presunção de boa-fé dos advogados, servia como prova. Mais que isso, a autoridade coatora se manifestou informando que realmente não concedia vista em carga dos processos administrativos. Isso configurou a violação do direito líquido e certo do advogado.

Imunidade por ofensas

Para o STJ, o advogado não pode ser responsabilizado por ofensas em sua atuação profissional, ainda que fora do juízo. No HC 213.583, o Tribunal reconheceu a ausência de justa causa em processo por crimes contra a honra movido por juiz contra um advogado.

O advogado era procurador municipal. A juíza titular da causa negara o mandado de segurança contra o ente público. A parte recorreu com embargos de declaração, os quais foram acolhidos com efeitos infringentes pelo magistrado, que substituía a titular afastada.

Na apelação, o procurador teria ofendido o juiz substituto, ao apontar sua decisão como ilegal e imoral. Isso porque teria, “curiosamente”, julgado “com celeridade sonhada por todos os litigantes” a causa movida por esposa de servidor de seu gabinete, na vara onde era titular.

Para o tribunal local, haveria injúria na afirmação de que a fundamentação era lamentável e a decisão absurda e ilegal; difamação, ao apontar que a decisão fora tomada “curiosamente” de forma célere, absurda, antiética e com interesse na causa; e calúnia ao afirmar que o juiz teria favorecido esposa de subordinado, fatos que corresponderiam a prevaricação e advocacia administrativa.

O STJ, no entanto, entendeu que não havia na apelação nenhum elemento que demonstrasse a intenção do advogado de ofender o magistrado ou imputar-lhe crime. Os ministros consideraram que a manifestação era objetiva e estava no contexto da defesa do ente público, seu cliente. As críticas, ainda que incisivas e com retórica forte, restringiam-se à decisão e à atuação profissional do magistrado, não invadindo a esfera pessoal.

Os ministros apontaram ainda que a própria magistrada titular da vara, ao receber a apelação, anotou que somente o tribunal teria competência para reverter sua decisão original e lhe causava “estranheza” a decisão do substituto. “Salvo engano, juízos com mesmo grau de jurisdição não podem alterar sentença um do outro”, registrou a magistrada.

Porém, no RHC 31.328, o STJ entendeu que a formulação de representação à OAB contra outro advogado não guarda relação com o exercício de atividade advocatícia, o que afasta a imunidade.

Nesse mesmo processo, o STJ também reafirmou jurisprudência segundo a qual o cliente não pode ser responsabilizado por eventual excesso de linguagem de seu patrono.

"Pela ordem, Excelência!"

O tribunal esclareceu, no Agravo de Instrumento1.193.155, que a prerrogativa de o advogado “usar a palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal” não permite a juntada de documentos após o julgamento do recurso.

No caso, o Joinville Esporte Clube tentava comprovar, com a petição denominada “questão de ordem”, ter ingressado na “Timemania”, afastando a cobrança tributária. Porém, a peça só foi atravessada depois do julgamento colegiado do agravo regimental que confirmara a negativa ao agravo de instrumento. Os ministros anotaram, ainda, que tal petição não agiria sobre o prazo prescricional.

domingo, 25 de agosto de 2013

Histórias de Borges, por Ariel Palácios:

Nos anos 80, na França, Borges estava sendo entrevistado para a TV, quando o jornalista lhe perguntou se percebia que era um dos grandes escritores deste século.
Com sua habitual elegância para escapar das lisonjas, Borges respondeu: “é que este foi um século muito medíocre”.

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Nos anos 60 Borges realizava uma série de conferências em várias universidades americanas.
Em uma delas, uma pessoa na platéia levanta-se e grita: “Borges, o senhor é um blefe”.
Borges respondeu com voz suave: “sim, mas leve em conta que é involuntário…”.

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Aos 99 anos, em 1975, morreu Leonor Acevedo de Borges, mãe do escritor, que nos 20 anos anteriores, por causa da cegueira do filho, havia servido de secretária para os textos que ele lhe ditava.
No velório, uma mulher lhe deu os pêsames e disse: “coitada de dona Leonor, morrer tão pouco antes de fazer 100 anos. Se tivesse esperado um pouquinho mais…”.
Borges lhe respondeu: “percebo, minha senhora, que é uma devota do sistema decimal!”.

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Borges e o copo d'água:  Borges está sentado, pronto para dar uma conferência no Hotel Bauen, em Buenos Aires.
Na sala, o público conversa sem parar.
A organizadora, Silvia Gherghi, lhe pregunta se pede silêncio para que ele possa começar a conferência.
Borges lhe pergunta se em cima da mesa há um copo d’água e uma jarra, como ele pediu.
A organizadora diz que sim, e ele então comenta com um sorriso maroto: “então não peça silêncio. Eu vou fazer de conta que procuro o copo, lentamente como se não pudesse encontrá-lo. Isso faz as pessoas se calarem rapidamente”.

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Borges está um dia, nos anos 60, na espera do elevador na Biblioteca Nacional, da qual era diretor.
Depois de esperar muito tempo, impaciente comenta para a pessoa que o acompanhava: “não prefere que a gente suba pela escada, que já está totalmente inventada?”

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O Superior Tribunal de Justiça, por meio da 1a Seção, nos autos do EREsp 815.629/RS (Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 06/11/2006), pacificou o entendimento de que "é possível ao contribuinte, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativo (art. 206 CTN)." No entanto, como bem salientado nesse mesmo aresto, "o depósito pode ser obtido por medida cautelar e serve como espécie de antecipação de oferta de garantia, visando futura execução. Depósito que não suspende a exigibilidade do crédito". 

sábado, 17 de agosto de 2013

 Julgador não tem liberdade discricionária para se eximir de analisar questões suscitadas pelas partes http://t.co/MTmX5pjQqx

domingo, 11 de agosto de 2013

 STJ reconhece responsabilidade solidária das operadoras de plano de saúde por defeito no serviço prestado por médico credenciado. Informativo 501. Boa-fé  e dever de cooperação são os fundamentos.

sábado, 10 de agosto de 2013


Delimitação do objeto da ciência do direito, de John Austin - tradução

http://jus.com.br/artigos/23953
Publicado em 08/2013


Este trabalho consiste na tradução de parte da principal obra de John Austin, “Delimitação do objeto da Ciência do Direito”, na qual foram lançadas as bases do positivismo jurídico moderno.
Palavras-chave: John Austin. Positivismo Jurídico. Teoria Geral do Direito. Filosofia do Direito.
Sumário: 1. Apresentação. 2. Delimitação do objeto da Ciência do Direito, de John Austin – Palestra I – Parte Inicial. Referências.

1  APRESENTAÇÃO
O inglês John Austin (1790 - 1859), segundo Norberto Bobbio, é “considerado o fundador do positivismo jurídico propriamente dito”,[1] a mais forte ou uma das mais fortes correntes da Teoria Geral do Direito. Herbert Lionel Adolphus Hart, em 1955, reconheceu Austin como o mais influente jurista de todos os tempos em seu país.[2]
A obra principal obra de Austin, The province of jurisprudence determined, cujo título aqui foi traduzido como “Delimitação do Objeto da Ciência do Direito”, se divide em seis palestras, destinadas originalmente às faculdades de direito.
A parte inicial da primeira delas, nunca antes vertida para o português, contém um resumo notavelmente claro da doutrina de Austin, constituindo texto básico, de grande proveito para profissionais e estudantes da área jurídica.

2  DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA CIÊNCIA DO DIREITO, DE JOHN AUSTIN – PALESTRA I – PARTE INICIAL
O propósito da tentativa que se segue de delimitar o objeto da Ciência do Direito, indicado ou proposto.
O assunto da Ciência do Direito[3] é o direito[4] positivo: direito, simples e estritamente assim chamado: ou o direito posto por superiores políticos para inferiores políticos. Mas o direito positivo (ou direito, simples e estritamente assim chamado) é muitas vezes confundido com objetos aos quais ele está relacionado por semelhança, e com objetos aos quais ele está relacionado pela via da analogia: com objetos os quais também são também representados, propriamente e impropriamente, pela ampla e vaga expressão direito. Para afastar as dificuldades nascidas dessa confusão, eu começo meu planejado Curso[5] delimitando o objeto da Ciência do Direito, ou distinguindo o assunto da Ciência do Direito daqueles vários objetos correlatos: tentando definir o tema do qual eu pretendo tratar, antes que me empenhe em analisar suas numerosas e complicadas partes.
Tomando-a no mais amplo de seus significados que não são meramente metafóricos, o termo lei[6] abrange os seguintes objetos: leis impostas por Deus para suas criaturas humanas, e leis impostas pelo homem para o homem.
O todo ou uma parte das leis impostas por Deus para os homens, é frequentemente denominado a lei da natureza, ou lei natural: sendo, na verdade, a única lei natural da qual é possível falar sem uma metáfora, ou sem uma mistura de objetos que devem ser amplamente distinguidos. Mas, rejeitando a ambígua expressão direito natural, eu nomeio aquelas leis ou regras, consideradas coletivamente ou em massa, a lei Divina, ou a lei de Deus.
As leis ou regras postas pelos homens para os homens são de duas classes dominantes ou principais: classes essas que são muitas vezes misturadas, embora elas difiram extremamente; e que, por essa razão, devem ser separadas com precisão, e opostas clara e conspicuamente.
Das leis ou regras postas pelos homens para os homens, algumas são estabelecidas por superiores políticos, soberanos e subordinados: por pessoas que exercem o governo supremo e subordinado, em nações independentes ou sociedades políticas independentes. O agregado das regras assim estabelecidas, ou algum agregado formando uma porção desse agregado, é o assunto próprio da Ciência do Direito, geral ou particular. Ao agregado de regras assim estabelecido, ou a algum agregado formando uma porção desse agregado, o termo direito, usado simples e estritamente, é aplicado unicamente. Mas, como contradistinto do direito natural, ou da lei da natureza (significando, por essas expressões, a lei de Deus), o agregado de regras, estabelecidas por superiores políticos, é frequentemente denominado direito positivo, ou direito existente por posição[7]. Como contradistinto das regras que eu denomino moralidade positiva, as quais imediatamente abordarei, o conjunto de regras, estabelecidas por superiores políticos, pode ser convenientemente designado com o nome de direito positivo. Para o fim, então, de se obter um nome ao mesmo tempo breve e distintivo, e conformemente ao uso frequente, eu denomino esse agregado de regras, ou qualquer porção desse agregado direito positivo: embora regras, que não são estabelecidas por superiores políticos, sejam também positivas, ou existam por posição, se é que elas são regras ou leis, no sentido próprio do termo.
Embora algumas das leis ou regras, que são postas pelos homens para os homens, sejam estabelecidas por superiores políticos, outras não são estabelecidas por superiores políticos, ou não são estabelecidas por superiores políticos, nessa qualidade ou papel.
Das leis humanas que pertencem a esta segunda classe, algumas são leis, propriamente assim chamadas. Mas outras são denominadas leis por uma aplicação imprópria do termo, embora essa aplicação imprópria se baseie em uma estreita analogia.
Para aquelas das leis humanas que pertencem a esta segunda classe, como sendo leis, propriamente chamadas, a linguagem corrente ou estabelecida não tem um nome coletivo.
Mas o agregado das leis humanas, que são impropriamente chamadas leis, não é infrequentemente denotado por uma das seguintes expressões: “regras morais”, a “lei moral”, “a lei posta ou prescrita pela opinião pública ou geral”. Certas parcelas do agregado denotado por essas expressões, são geralmente denominados “a lei ou as regras de honra”, e “a lei posta pela moda”.
Em oposição às leis que são estabelecidas por Deus aos homens, e às leis que são estabelecidas por superiores políticos, o agregado das leis humanas, que são impropriamente denominadas leis, pode ser convenientemente nomeado moralidade positiva. O nome moralidade as separa do direito positivo: enquanto o epíteto positiva as aparta da lei de Deus. E, para o fim de evitar confusão, é necessário ou conveniente que elas devam ser separadas desta última por esse epíteto distintivo. Porque o nome moralidade (ou moral), quando utilizado sem qualificações ou desacompanhado, denota indiferentemente qualquer dos seguintes objetos: a saber, a moralidade positiva como ela é, ou sem levar em conta seus méritos; e moralidade positiva como ela deveria ser, se estivesse conforme à lei de Deus, e fosse, portanto, merecedora de aprovação.
Leis postas por Deus para os homens, leis estabelecidas por superiores políticos e leis postas pelos homens para os homens (embora não por superiores políticos), distinguem-se por numerosas e importantes diferenças, mas concordam no seguinte: que todas elas são postas por seres inteligentes e racionais para seres inteligentes e racionais. Toda lei de qualquer desses tipos, ou é uma lei (propriamente dita), ou está relacionada a uma lei (propriamente dita) por uma estreita e próxima analogia.
Mas em numerosos casos em que é aplicada impropriamente, as aplicações do termo lei se baseiam em uma fraca analogia, e são meramente metafóricas ou figurativas. Tal é o caso quando falamos de leis observadas pelos animais inferiores; das leis que regulam o crescimento ou a deterioração dos vegetais; de leis que determinam os movimentos dos corpos ou massas inanimadas. Porque onde não há inteligência, ou onde ela é muito limitada para levar o nome da razão, e, portanto, é muito limitada para compreender a intenção de uma lei, aí não há vontade na qual a lei possa operar, ou a qual o dever possa incitar ou conter. Justamente por meio desses maus empregos de um nome, flagrantemente como a metáfora é, tem o campo da Ciência do Direito e da moral sido inundado por especulação enturvada.
Eu tenho agora proposto o objetivo da minha tentativa de determinar a província da Ciência do Direito: distinguir o direito positivo, o assunto apropriado da Ciência do Direito, dos vários objetos com os quais ele se relaciona por semelhança, e com os quais está associado, próxima ou remotamente, por uma forte ou fraca analogia.

O método da tentativa que se segue de delimitar o objeto da Ciência do Direito.
Tentando determinar a província de Ciência do Direito, seguirei o seguinte método: indicarei a essência de uma lei ou regra (tomada na mais ampla significação que pode ser dada ao termo propriamente).
Tendo indicado a essência de uma lei ou regra, distinguirei as leis estabelecidas por superiores políticos, de leis estabelecidas pelos homens para os homens (mas não por superiores políticos), e daquela lei Divina, que é a provação última do ser humano.
Tendo distinguido leis estabelecidas por superiores políticos, das leis (propriamente assim chamadas), às quais elas estão relacionadas por semelhança, e das leis (impropriamente assim chamadas), às quais elas são proximamente relacionadas por uma forte analogia, eu advertirei sobre as aplicações impróprias do termo lei, que são meramente metafóricas ou figurativas.

Leis ou regras, propriamente assim chamadas, são uma espécie de comandos.
Toda lei ou norma (tomada na mais ampla significação que pode ser dada propriamente ao termo) é um comando. Ou, melhor dizendo, as leis ou regras, propriamente assim chamadas, são uma espécie de comandos.
Uma vez que o termo comando compreende o termo lei, o primeiro é o mais simples, assim como o mais amplo dos dois. Mas, simples como é, admite explicação. E, considerando que ele é a chave para as ciências do direito e da moral, o seu significado deve ser analisado com precisão.
Assim, devo me empenhar, em primeiro lugar, em analisar o significado de “comando”: uma análise, que, temo, forçará a paciência dos meus ouvintes, mas que eles suportarão alegremente, ou, ao menos, com resignação, se considerarem a dificuldade de realizá-la. Os elementos de uma ciência são precisamente as partes dela que são explicadas menos facilmente. Termos que são os mais amplos, e, portanto, os mais simples de uma série, não têm expressões equivalentes nas quais possamos decompô-los concisamente. E quando nós nos empenhamos em defini-los ou traduzi-los em termos que supomos que são mais bem compreendidos, somos forçados a desajeitados e tediosos circunlóquios.

O significado do termo comando.
Se você expressa ou me intima de uma vontade, de que eu deveria praticar ou me abster de algum ato, e se você vai me punir com um mal no caso de eu não cumprir a sua vontade, a expressão ou a intimação de sua vontade é um comando. Um comando é distinto de outras significações do desejo, não pelo nome no qual o desejo é anunciado, mas pelo poder e pela intenção da parte que comanda de infligir um mal ou dor no caso de a vontade ser desconsiderada. Se você não pode ou não vai me prejudicar no caso de eu não cumprir a sua vontade, a expressão de sua vontade não é um comando, embora você pronuncie sua vontade em uma frase imperativa. Se você é capaz de, e disposto a, me prejudicar no caso de eu não cumprir a sua vontade, a expressão de sua vontade equivale a um comando, mesmo que você seja levado, por um espírito de cortesia, a proferi-la na forma de um pedido.
“Preces erant, sed quibus contra dici non posset”.[8] Tal é a linguagem de Tácito, quando falando de uma petição feita pela tropa a um filho e tenente[9] de Vespasiano.
Um comando, então, é um anúncio do desejo. Mas um comando se distingue de outros anúncios do desejo por essa peculiaridade: a de que a parte a quem ele se dirige é sujeita ao mal advinda da outra, no caso de não cumprir o desejo.

O significado do termo dever.
Estando sujeito ao mal vindo de você, se eu não cumprir uma vontade que você anuncia, sou compelido ou obrigado por seu comando, ou estou sob o dever de obedecê-lo. Se, apesar desse mal em perspectiva, eu não cumprir a vontade que você anuncia, se diz que desobedeço a seu comando, ou violo o dever que ele impõe.

Os termos comando e dever são correlativos.
Comando e dever, são, portanto, termos correlativos: o significado indicado por cada um estando implicado ou suposto no outro. Ou (mudando a expressão), sempre que há um dever, um comando foi anunciado; e sempre que um comando é anunciado, um dever é imposto.
Concisamente expresso, o significado das expressões correlativas é este. Aquele que vai infligir um mal no caso de seu desejo ser desconsiderado, profere um comando, expressando, ou intimando de, seu desejo: Aquele que é sujeito ao mal no caso de desconsiderar o desejo, é compelido ou obrigado pelo comando.

O significado do termo sanção.
O mal que provavelmente incidirá no caso de um comando ser desobedecido, ou (para usar uma expressão equivalente) no caso de um dever ser inobservado, é frequentemente chamado de uma sanção, ou um reforço impositivo de obediência[10]. Ou (variando a frase) se diz que o comando ou o dever é sancionado ou imposto pela possibilidade de incorrer o mal.
Considerado assim, abstraído a partir do comando e do dever que ele impõe, o mal que incorre pela desobediência é frequentemente denominado uma punição. Mas como punições, estritamente assim chamadas, são apenas uma classe de sanções, o termo é demasiado estrito para expressar o significado de forma adequada.

Para a existência de um comando, um dever e uma sanção, um motivo violento para o cumprimento não é necessário.
Observo que o Dr. Paley, em sua análise do termo obrigação, dá excessiva ênfase à violência do motivo para o cumprimento.[11] Tanto quanto posso extrair um significado de sua vaga e inconsistente afirmação, seu significado parece ser este: que, a menos que o motivo para o seu cumprimento seja violento ou intenso, a expressão ou a intimação de uma vontade não é um comando, nem a parte a quem é dirigida tem o dever de considerá-la.
Se ele quer dizer, por um motivo violento, um motivo que funcione com certeza, sua proposição é manifestamente falsa. Quanto maior o mal a incorrer no caso de a vontade ser ignorada, e quanto maior a chance de que incorra por conta desse mesmo evento, maior, sem dúvida, é a chance que o desejo não será desconsiderado. Mas nenhum motivo concebível irá certamente determinar o cumprimento, ou nenhum motivo concebível irá produzir obediência inevitável. Se a proposição de Paley é verdadeira, no sentido que agora lhe atribuí, comandos e deveres são simplesmente impossíveis. Ou, reduzindo sua proposição ao absurdo por uma consequência manifestamente falsa, os comandos e deveres são possíveis, mas nunca são inobservados ou desobedecidos.
Se ele quer dizer, por um motivo violento, um mal que inspira medo, seu significado é simplesmente este: que a parte compelida por um comando é compelida pela perspectiva de um mal. Porque o que não é temido não é apreendido como um mal, ou (mudando a forma da expressão) não é um mal em perspectiva.
A verdade é que a magnitude do mal eventual, e a magnitude da possibilidade de que ele incorra, são estranhas ao assunto em questão. Quanto maior o mal eventual, e maior a possibilidade de que ele incorra, maior é a eficácia do comando, e maior é a força da obrigação. Ou (substituindo expressões exatamente equivalentes), maior é a chance de que o comando seja obedecido, e que o dever não será inobservado. Mas onde há a menor das chances de que incorra o menor dos males, a expressão de uma vontade equivale a um comando, e, portanto, impõe um dever. A sanção, se se quiser, é fraca ou insuficiente; mas ainda assim existe uma sanção, e, portanto, um dever e um comando.

Recompensas não são sanções.
Por alguns célebres autores (por Locke, Bentham, e, penso eu, Paley), o termo sanção, ou reforço impositivo de obediência, é aplicado ao bem condicional, assim como ao mal condicional: à recompensa, assim como à punição. Mas, com toda a minha habitual veneração aos nomes de Locke e Bentham, eu acho que essa dilatação do termo está repleta de confusão e perplexidade.
Recompensas são indiscutivelmente motivos para cumprir os desejos dos outros. Mas falar de comandos e deveres como sancionados ou impostos por recompensas, ou falar de recompensas no sentido de obrigar ou constranger à obediência, é certamente um largo desvio do significado estabelecido dos termos.
Se você expressou o desejo de que eu deveria prestar um serviço, e se ofereceu uma recompensa como motivação ou incentivo para prestá-lo, dificilmente se poderia dizer que você comandou o serviço, nem estaria eu, em linguagem comum, obrigado a prestá-lo. Em linguagem comum, você iria me prometer uma recompensa, o condicionando à minha prestação do serviço, enquanto eu poderia ser incitado ou persuadido a prestá-lo pela esperança de obter a recompensa.
Novamente: se uma lei oferece uma recompensa como um incentivo para praticar algum ato, um eventual direito é conferido, e não uma obrigação imposta, àquele que deve agir em conformidade: a parte imperativa da lei é endereçada ou direcionada à parte a quem ela requer que dê a recompensa.
Em suma, estou determinado ou inclinado a cumprir a vontade de outrem, pelo medo de desvantagem ou mal. Também estou determinado ou inclinado a cumprir a vontade do outro, pela esperança de vantagem ou bem. Mas é somente pela possibilidade de incorrer mal, que eu sou compelido ou obrigado ao cumprimento. É só pelo mal condicional, que os deveres são sancionados ou impostos. É o poder e o propósito de infligir mal eventual, e não o poder e o propósito de transmitir bem eventual, o que dá à expressão de um desejo o nome de um comando.
Se colocamos recompensa dentro do sentido do termo sanção, devemos nos engajar em uma cansativa luta contra a corrente da fala comum; e muitas vezes deslizaremos inconscientemente, apesar de nossos esforços em contrário, para o sentido estrito e costumeiro.

O significado do termo comando, brevemente reformulado.
Parece, então, do que foi postulado, que as idéias ou noções compreendidas pelo termo comando são as seguintes: 1) uma vontade ou desejo concebido por um ser racional, de que um outro ser racional deve fazer algo ou se abster de algo; 2) um mal a decorrer do primeiro, e a incorrer sobre o segundo, no caso de este não cumprir a vontade; 3) uma expressão ou intimação do desejo por palavras ou outros sinais.

A inseparável conexão dos três termos, comando, dever e sanção.
Também parece, do que foi postulado, que, comando, dever e sanção são termos inseparavelmente ligados: que cada um adota as mesmas idéias que os outros, embora cada um denote essas idéias em uma peculiar ordem ou série.
 “Uma vontade concebida por um, e expressa ou intimada a outro, com um mal a ser infligido e incorrido no caso de a vontade ser desconsiderada”, é anunciada, direta e indiretamente por cada uma das três expressões. Cada uma nomeia a mesma noção complexa.

A forma dessa conexão.
Mas quando eu estou falando diretamente da expressão ou intimação da vontade, eu emprego o termo comando: a expressão ou intimação da vontade é apresentada com destaque para o meu ouvinte; enquanto o mal a incorrer, bem como a possibilidade de que incorra, são mantidos (se assim posso me exprimir) no plano de fundo de minha tela.
Quando eu estou falando diretamente da possibilidade de incorrer o mal, ou (mudando a expressão) da sujeição ou submissão ao mal, eu emprego o termo dever ou o termo obrigação: a sujeição ou submissão ao mal é colocada em primeiro lugar, e o resto da noção complexa é comunicado implicitamente.
Quando estou falando imediatamente do mal em si, eu emprego o termo sanção, ou um termo com sentido equivalente: o mal a incorrer é anunciado diretamente, enquanto a submissão a esse mal, bem como a expressão ou intimação da vontade, são indicados indiretamente ou obliquamente.
Para aqueles que estão familiarizados com a linguagem dos lógicos (linguagem incomparável pela concisão, distinção e precisão), eu posso expressar o meu significado precisamente, em um sopro: cada um dos três termos significa a mesma noção, mas cada um denota uma parte diferente dessa noção e conota o resíduo.

Distinção entre leis ou regras e comandos que são ocasionais ou particulares.
Os comandos são de duas espécies. Alguns são leis ou regras. Os outros não adquiriram um nome apropriado, nem a língua proporciona uma expressão que possa designá-los brevemente e com precisão. Devo, portanto, denotá-los, tanto como posso, pelo ambíguo e inexpressivo nome “comandos ocasionais[12] ou particulares.”
Como o termo leis ou regras é frequentemente aplicado a comandos ocasionais ou particulares, torna-se dificilmente possível traçar uma linha de separação que corresponderá, em todos os aspectos, às formas estabelecidas da linguagem. Mas a distinção entre leis e comandos específicos, pode, penso eu, ser indicada da maneira que se segue.
Por todo comando, a parte a quem ele é dirigido é obrigada a fazer algo ou a se abster de algo.
Quando obriga genericamente a atos ou abstenções de uma classe, um comando é uma lei ou regra. Mas quando obriga a um ato ou uma abstenção específica, ou a atos ou abstenções que ele determina especificamente ou individualmente, um comando é ocasional ou particular. Em outras palavras, uma classe ou um tipo de atos é estabelecido por uma lei ou regra, e atos dessa classe ou tipo são prescritos ou proibidos genericamente. Mas quando um comando é ocasional ou particular, o ato ou atos, que o comando impõe ou proíbe, são fixados ou determinados por sua natureza específica ou individual, bem como pela classe ou tipo ao qual pertencem.
A afirmação que tenho agora dada em expressões abstratas, me empenharei a ilustrar com exemplos apropriados.
Se você ordena seu criado a cumprir uma dada missão, ou a não sair de sua casa em uma dada noite, ou a levantar a uma certa hora em uma manhã, ou a levantar a essa hora durante a próxima semana ou mês, o comando é ocasional ou particular. Porque o ato ou atos impostos ou proibidos, são especificamente determinados ou fixados.
Mas se você comandá-lo simplesmente levantar àquela hora, ou levantar àquela hora sempre, ou levantar àquela até novas ordens, pode-se dizer, com propriedade, que você estabeleceu uma regra para a orientação da conduta de seu criado. Porque nenhum ato específico é fixado pelo comando, mas o comando o obriga genericamente a praticar atos de uma determinada classe.
Se um regimento é ordenado a atacar ou defender um lugar, ou a reprimir um motim, ou a marchar de seus atuais quartéis para outro ponto, o comando é ocasional ou particular. Mas uma ordem para exercitar-se diariamente até que novas ordens sejam dadas, seria chamada de uma ordem genérica, e poderia ser chamada de uma regra.
Se o Parlamento proibiu simplesmente a exportação de milho, seja por um dado período ou indefinidamente, isso estabeleceria uma lei ou regra: uma espécie ou tipo de atos são delimitados pelo comando, e atos dessa espécie ou tipo são genericamente proibidos. Mas uma ordem emitida pelo Parlamento para fazer frente a uma escassez iminente, e embargando a exportação do milho então embarcado e em porto, não seria uma lei ou regra, embora emitida pela legislatura soberana. A ordem relativa exclusivamente a uma quantidade especificada de milho, os atos negativos ou abstenções, impostos pelo comando, seriam especificamente ou individualmente determinados pela natureza determinada de seu objeto.
Devido a ser emitida por uma legislatura soberana, e devido a usar a forma de uma lei, a ordem que agora imaginei provavelmente seria chamada de lei. E daí a dificuldade de se traçar uma fronteira nítida entre leis e comandos ocasionais.
Novamente: um ato que não é um delito, de acordo com a legislação em vigor, leva o soberano ao desagrado e, embora os autores do ato sejam legalmente inocentes ou não delituosos, o soberano determina que eles devem ser punidos. Por impor uma punição específica, nesse caso específico, e por não impor genericamente atos ou abstenções de uma classe, a ordem proferida pelo soberano não é uma lei ou regra.
Se tal ordem seria chamada de lei, parece depender de circunstâncias que são puramente irrelevantes: irrelevantes, quero dizer, no que diz respeito ao presente propósito, embora relevantes no que diz respeito a outros. Se for feita por uma assembléia soberana, deliberadamente, e com as formas de legislação, ela provavelmente seria chamada de lei. Se proferida por um monarca absoluto, sem deliberação ou cerimônia, ela dificilmente seria confundida com atos de legislação, e seria qualificada como um comando de arbítrio. No entanto, em nenhum dessas hipóteses, a sua natureza seria a mesma. Ela não seria uma lei ou regra, mas um comando ocasional ou particular do Soberano ou do Grupo Soberano.[13]
Para concluir com um exemplo que melhor ilustra a distinção, e que mostra a importância da distinção mais conspicuamente, as ordens judiciais são comumente ocasionais ou especiais, embora os comandos, os quais elas tencionam impor, sejam comumente leis ou regras.
Por exemplo, o legislador comanda que os ladrões devem ser enforcados. Sendo dados um roubo específico e um ladrão especificado, o juiz ordena que o ladrão deve ser enforcado, de acordo com o comando do legislador.
Ocorre que o legislador determina uma classe ou tipo de atos; proíbe atos dessa classe, genérica e indefinidamente; e comanda, com semelhante generalidade, que a punição deve se seguir à transgressão. O comando do legislador é, portanto, uma lei ou regra. Mas a ordem do juiz é ocasional ou particular. Porque ele ordena uma punição específica, como consequência de um delito específico.
De acordo com a linha de separação que tentei traçar, uma lei e um comando particular são distintos desse modo: atos ou abstenções de uma classe, são impostos genericamente pela primeira; atos determinados especificamente, são impostos ou proibidos pelo segundo.
Uma diferente linha de separação foi desenhada por Blackstone e outros. Segundo eles, uma lei e um comando especial são distinguidos da seguinte maneira: a lei obriga genericamente os membros da determinada comunidade, ou uma lei obriga genericamente os indivíduos de uma determinada classe, enquanto um comando especial obriga a uma única pessoa, ou pessoas a quem ele determinar individualmente.
Um momento de reflexão basta para mostrar que leis e comandos particulares não devem ser distinguidos assim.
Primeiro, comandos que obrigam geralmente os membros de dada comunidade, ou comandos que obrigam geralmente pessoas de determinadas classes, nem sempre são leis ou regras.
Por exemplo, uma ordem de luto geral, ou uma ordem de jejum geral, é proferida por um soberano, ou por uma assembleia soberana, na ocasião de uma calamidade pública. Embora dirigida à comunidade em geral, a ordem dificilmente poderia ser uma regra, na acepção comum do termo. Pois, embora obrigue genericamente os membros de toda a comunidade, obriga a atos que  determina especificamente, ao invés de obrigar genericamente a atos ou abstenções de uma classe. Se o soberano ordena que a roupa de seus súditos deve ser preta, seu comando equivale a uma lei. Mas se ele lhes ordena que usem roupa preta em uma ocasião específica, o seu comando é meramente particular.
E, segundo, um comando que obriga exclusivamente pessoas individualmente determinadas, pode equivaler, não obstante, a uma lei ou regra. Por exemplo, um pai pode definir uma regra para o seu filho ou filhos; um tutor, para o seu tutelado: um senhor, para seu escravo ou servo. E algumas das leis de Deus eram obrigatórias para o primeiro homem, como são obrigatórias atualmente para os milhões por ele gerados.
A maioria, na verdade, das leis que são estabelecidas por superiores políticos, ou a maioria das leis que são simples e estritamente assim chamadas, obrigam genericamente os membros da comunidade política, ou obrigam genericamente as pessoas de uma classe. Criar um sistema de direitos para cada indivíduo da comunidade seria simplesmente impossível, e, se fosse possível, seria inteiramente inútil. A maioria das leis estabelecidas por superiores políticos, são, portanto, dotadas de generalidade de duas maneiras: ao impor ou proibir genericamente atos de determinada espécies ou tipo; e ao obrigar toda a comunidade, ou, pelo menos, classes inteiras de seus membros.
Mas se supusermos que o Parlamento crie e conceda um mandato, obrigando o mandatário a prestar serviços especificamente discriminados, imaginaremos uma lei estabelecida por superiores políticos, mas obrigando exclusivamente uma pessoa específica ou determinada.
Leis estabelecidas por superiores políticos, e obrigando exclusivamente pessoas específicas ou determinadas, são denominadas, na linguagem dos juristas romanos, privilegia. Esse é, na verdade, um nome que dificilmente as designaria com clareza, porque, como a maioria dos principais termos nos atuais sistemas jurídicos, não é o nome de uma determinada classe de objetos, mas de um amontoado de objetos heterogêneos.[14]

A definição de uma lei ou regra, propriamente dita.
Depreende-se das premissas anteriores que uma lei, propriamente dita, pode ser definida da seguinte que se segue.
Uma lei é um comando que obriga uma pessoa ou pessoas.
Mas, contraposta ou em oposição a um comando determinado ou ocasional, a lei é um comando que obriga pessoa ou pessoas, e obriga com generalidade a atos ou abstenções de uma dada classe.
Em linguagem mais popular, mas menos distinta e precisa, a lei é um comando que obriga uma pessoa ou pessoas a um determinado curso de conduta.

REFERÊNCIAS
AUSTIN, John. The province of jurisprudence determined. 2. ed.  Londres: John Murray, 1906. Disponível em: <http://www.archive.org/stream/austinianthe oryo00austuoft#page/n5/mode/2u>. Acesso em: 30 jan. 2013.
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. 1. ed. São Paulo: Ícone, 1995.
HART, Herbert L. A. Introdução a The province of jurisprudence determined, de John Austin. 1. ed. Londres: Weidenfeld & Nicolson, 1954, p. VII-XXI, apud ENCICLOPÉDIA Stanford de filosofia. Palo Alto: Universidade de Stanford, 2010, tradução nossa. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/entries/austin-john/>. Acesso em: 29 jan. 2013.
PALEY, William. The Works of William Paley. 1. ed. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1828.
TACITUS, C. Cornelius. History. 1. ed. Hartford: O. D. Cook & Co., 1826.

Notas
[1] BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. 1. ed. São Paulo: Ícone, 1995, p. 47.
[2] HART, Herbert L. A. Introdução a The province of jurisprudence determined, de John Austin. 1. ed. Londres: Weidenfeld & Nicolson, 1954, p. VII-XXI, apud ENCICLOPÉDIA Stanford de filosofia. Palo Alto: Universidade de Stanford, 2010, tradução nossa. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/entries/austin-john/>. Acesso em: 29 jan. 2013.
[3] No original, Jurisprudence (N. do T.).
[4] Originalmente, law, termo que significa, ao mesmo tempo, “direito” e “lei” (N. do T.).
[5] Intitulado “Palestras de Ciência do Direito”, ou “Filosofia do Direito Positivo”, do qual “Delimitação do Objeto da Ciência do Direito” (The Province of Jurisprudence Determined) constitui a primeira parte (N. do T.).
[6] Na fonte, law (N. do T.).
[7] Daí a expressão “direito positivo”, alheia ao positivismo de Comte (N. do T.).
[8] “Pedidos eram, mas tais que contradizê-los não era possível”. O trecho está em Histórias, Livro IV, XLVI (N. do T.).
[9] Domiciano (N. do T.).
[10] Originalmente, “enforcement of obedience” (N. do T.).
[11] William Paley (1743-1805), célebre filósofo e teólogo britânico, acreditava que “Para uma obrigação ser perfeita ou imperfeita, o que determina é apenas se a violência pode ou não pode ser empregada para impô-la, e nada mais o determina” (Filosofia Moral e Política, Livro II, Capítulo X, N. do T.).
[12] Ou seja, que dizem respeito a uma ocasião específica (N. do T.).
[13] No original, “sovereign One or Number” (N. do T.).
[14] Quando um privilegium meramente impõe um dever, exclusivamente obriga uma determinada pessoa ou pessoas. Mas quando um privilegium confere um direito, e o direito conferido vale contra todos, a lei é um privilegium vista de um certo aspecto, mas também é uma lei geral, vista de outro aspecto. Em relação ao direito conferido, a lei exclusivamente considera uma pessoa determinada e, portanto, é privilegium. Em relação ao dever imposto, correspondente ao direito conferido, a lei considera genericamente os membros de toda a comunidade. Isto explicarei particularmente, num ponto subsequente do meu Curso, ao abordar a natureza peculiar do assim chamado privilegia, ou das assim chamadas leis privadas.

Abstract: This work consists of the translation of a part of the main work of John Austin, “The Province of Jurisprudence Determined” in which were laid the foundations of modern legal positivism.
Keywords: John Austin. Legal Positivism. General Theory of Law. Philosophy of Law.

Autor
            Carlos Romeu Salles CorrêaBacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2008), tendo iniciado o curso na Universidade Federal de Alagoas e passado também pela Universidade Federal da Bahia, por meio do Programa de Mobilidade Acadêmica. Especialista em Direito Constitucional do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia. Mestrando em Direito do Trabalho na Universidade Federal da Bahia. Atua na assessoria de Gabinete de Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. Tem experiência na área de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho.


Informações sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
CORRÊA, Carlos Romeu Salles. Delimitação do objeto da ciência do direito, de John Austin - tradução. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3692, 10 ago. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23953>. Acesso em: 10 ago. 2013.