sexta-feira, 20 de julho de 2012


BLog do Noblat: Enviado por Luis Fernando Veríssimo - 
19.7.2012
 | 9h02m
GERAL

A morte não terá domínio, por Luis Fernando Veríssimo


Li que Samuel Becket dizia que quem morria passava para outro tempo. Não queria dizer outro mundo, com um presumível outro clima. Referia-se ao tempo do verbo. Entre todas as mudanças provocadas pela morte havia essa: o morto passava irremediavelmente ao pretérito.

Era bom pensar assim. A morte acontecia no mundo antisséptico das palavras e das regras gramaticais, nada a ver com a decomposição da carne. O “é” transformava-se em “era” e “foi”, e pronto. A migração do morto, em vez de ser da vida para o nada, era só entre categorias verbais.
A vida vista como uma narrativa literária nos protege do horror incompreensível da morte. Podemos nos imaginar como protagonistas de uma trama, que mesmo quando não é clara indica alguma coerência, em algum lugar.
O próprio Becket só escreveu sobre isso: a busca de uma trama, qualquer trama, por trás do aparente absurdo da experiência humana. E um enredo, ou um sentido que faça sentido, só pode ser buscado na narrativa literária, no encadear de palavras que leva a uma revelação, mesmo que esta não explique nada, muito menos a morte.
E se falar, falar, falar sem cessar, como fazem os personagens do Becket na esperança de que aflore algum sentido não der resultado, pelo menos está-se fazendo barulho e mantendo a morte afastada.
A literatura tem essa função, a de uma fogueira no meio da escuridão da qual a morte nos espreita. Ou de uma matraca contra o silêncio final. Vale tudo, mesmo a garrulice incoerente de um personagem do Becket, contra a escuridão e o silêncio.
Num poema que fez sobre seu pai moribundo Dylan Thomas o insta a reagir ferozmente contra o esvaecer da luz — “Rage, rage against the dying of the light” — e a não se entregar à morte sem uma briga.
Não sei se o Becket encontrou o consolo que procurava pelos seus mortos na ideia de que tinham apenas mudado de tempo de verbo, mas imagino que, como Dylan Thomas na sua poesia inconformada, tenha recorrido à literatura como um meio de negar à morte o seu triunfo. Ninguém morre. Há apenas uma revisão na narrativa da sua vida para atualizar o tempo dos verbos.
Outra vez Dylan Thomas: “And death shall have no dominion”, e a morte não terá domínio. 

Diz-se que quem morreu “já era”, o que é o mesmo que dizia o Becket com mais sensibilidade. Mas Becket queria dizer mais. Os personagens de narrativas literárias mudam do tempo presente para o tempo passado, mas continuam no mundo, mesmo que no mundo restrito dos livros e das estantes. Salvo, talvez, os cupins e as traças, nada ameaça a sua perenidade. “São” eternamente.

quinta-feira, 19 de julho de 2012




Revista Superinteressante de abril de 2008.

Déjà vu

A ciência por trás do maior mistério da sua cabeça



Você está tranqüilo, andando por aí. Lá no canto, um homem entrega balões a uma menininha. Uma cena sem nada de mais. Aí, de repente, BOOM: você olha e sabe que já viu aquilo antes. A expressão da menina, a posição das bexigas, o gesto do sujeito... Tudo parece “no lugar certo”. Tudo se repete igualzinho aconteceu antes. Mas você sabe que nunca viu aquilo na vida, ou seja, está tendo um déjà vu (“já visto”), em francês.
A sensação é mágica: você consegue prever cada “frame” da cena, como se estivesse dentro de um filme a que já assistiu. Está ciente de tudo o que vai acontecer. Presente e futuro se transformam numa coisa só.
Então... C’est fini. Acabou o déjà vu. A familiaridade com a cena vai para o ralo em segundos. Tudo fica tão frugal e imprevisível quanto antes. E tudo o que sobra é a lembrança de uma experiência quase mística. Mas que não tem nada de única: estudos nos EUA e na Europa indicam que até dois terços das pessoas tiveram déjà vu pelo menos uma vez na vida.
Mesmo com essa onipresença toda, ele é um tema difícil para a ciência. Por uma razão simples: se você fosse um cientista, iria pegar alguém na rua, levar para o laboratório e esperar o sujeito ter um déjà vu para ver o que acontece? Eles também não.
Mas existe um atalho para elucidar esse mistério: os campeões de déjà vu. Morton Leeds, um estudante americano dos anos 40, foi um deles. O rapaz tinha a extraordinária média de um déjà vu a cada 2,5 dias. E passou um ano registrando as ocorrências num diário, com precisão científica. Por exemplo, às 12h25 de 31 de janeiro de 1942 ele escreveu: “Foi extremamente intenso. Um dos mais completos que já tive. Parei em frente a uma loja, e a coisa cresceu e cresceu. Enquanto isso, a sensação de que eu poderia prever a cena seguinte ficava maior. Foi tão forte que tive náuseas”.
Com essa base de dados, Morton concluiu que a maior parte dos déjà vus acontecia em momentos de estresse. Já era alguma coisa. “Os resultados das nossas pesquisas atuais, com pacientes que respondem questionários sobre seus déja vus, mostram exatamente isso – embora não saibamos a razão. Eles também deixam claro que os mais jovens e viajados são os mais propensos a senti-los”, diz o psiquiatra Chris Moulin, da Universidade de Leeds, na Inglaterra.
Moulin é um dos poucos especialistas que se dedicam ao assunto. Para buscar respostas, garimpou em clínicas psiquiátricas atrás de gente com déjà vus ainda mais freqüentes que os de Morton Leeds. E o que ele encontrou foi aterrador.
Moulin conheceu pacientes que vivem num déjà vu eterno, num mundo surreal, onde tudo parece já ter acontecido. Felipe Massa ganhou a corrida? “Eu sabia, vi isso antes.” Lula renunciou para gravar um cd de pagode? “Óbvio. Eu sempre soube disso.”
Não é exagero. Um dos pacientes de Moulin, apresentado a ele em 2000, achava que já sabia tudo o que aparecia nos jornais ou na TV. Outro parou de jogar tênis porque “sabia qual seria o resultado de cada jogada”.
Mas não, eles não vêem o futuro. Tomografias no cérebro desses pacientes mostram que sua massa cinzenta atrofiou no lobo temporal (logo atrás das orelhas), justamente a parte que governa a formação de memórias.
A tese é que essas mentes acessam as lembranças na mesma fração de segundo em que elas são gravadas. E isso causa uma ilusão perene: o presente fica parecendo uma memória. É como se você vivesse o tempo todo no seu passado.
Moulin e outros pesquisadores, então, imaginam que a chave para os déjà vus normais esteja aí. Se nos casos crônicos a falta de timing do lobo temporal é permanente, nos mais moderados ela só acontece de vez em quando. Às vezes uma única vez na vida.
Mas essa não é a única explicação para o déjà vu. Outra corrente, por exemplo, defende que o fenômeno pode não estar ligado a um defeito no “cabeçote de gravação” da memória. O segredo estaria nos porões mais escuros do cérebro, onde ficam as memórias do que você não viu. Isso mesmo.
Para comprovar essa tese, dois pesquisadores americanos tentaram algo ambicioso: recriar déjà vus em laboratório. Ao experimento.
Em 2004, psicólogos da Universidade Metodista de Dallas e da Universidade Duke, nos EUA, colocaram seus alunos para ver fotos dos dois campi. A tarefa era encontrar pequenas cruzes que eles sobrepuseram às imagens. Eles esperavam que os alunos se concentrassem na busca pelas cruzes, sem prestar atenção nas imagens. Uma semana depois, chamaram os alunos de volta e mostraram as mesmas imagens. Agora eles tinham de dizer quais daqueles lugares já tinham visitado. Bingo: alunos da Duke que nunca tinham ido à Metodista disseram já ter estado em cenários de lá, e vice-versa. Conclusão: enquanto procuravam as cruzes, eles guardavam as imagens dos lugares desconhecidos no inconsciente sem se dar conta. Os estudantes não tinham mais de um segundo para ver cada imagem, mas foi o suficiente para que elas desencadeassem “mínis déjà vus”.
Por essa linha, ter um déjà vu significa acessar memórias nunca antes registradas pela consciência. Imagine: colocaram um extintor de incêndio perto da porta de entrada do seu prédio. Só que você viu o objeto apenas com o canto dos olhos, sem realmente notar a existência dele. Aí, no dia em que você olhar conscientemente para o extintor, pode ter uma forte impressão de já tê-lo visto antes. O ponto é que o seu inconsiente já viu mesmo. E vem o déjà vu.
As teorias não páram por aí. E a mais recente delas pode ter matado de vez a charada. Será?
Cenários fantasmas
A história começa com um geneticista americano, Susumu Tonegawa, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Ele estudava um traço bem conhecido da mente: aquilo de um fragmento qualquer de memória trazer cenários completos do passado. Sabe quando você sente algum cheiro que lembra a infância, como o da comida da sua avó, e sua cabeça praticamente viaja no tempo? Então.
Tonegawa descobriu que essa sensação nascia numa área específica do cérebro. E imaginou que com os déjà vus seria a mesma coisa, que eles tivessem uma morada no cérebro – no caso, um lugar minúsculo dentro do lobo temporal chamado giro dentado.
Para testar a hipótese, ele usou engenharia genética e criou um ratinho de laboratório com essa parte do cérebro desregulada. Depois pegou o bicho e colocou-o numa caixa com um rato normal. E começou a dar choquinhos nos pés da dupla. A cada descarga eles ficavam paralisados. Então colocou os dois numa outra caixa, parecida com a primeira, mas sem os choques. Como Tonegawa esperava, os roedores estavam condicionados: paralisaram logo que entraram na caixa, como se a tortura tivesse começado de novo.
O rato normal, no entanto, percebeu rapidinho que não estava acontecendo nada. E relaxou. Só que o transgênico não: continuou paralisado, como se os choques estivessem acontecendo. O rato confundiamemória com realidade. Para Tonegawa, isso revelava a mecânica secreta dos déjà vus. Ele concluiu que o giro dentado capenga fez o animal perder a capacidade de diferenciar uma caixa da outra e entrar numa espécie de déjà vu eterno. Para você entender isso melhor, vamos para um exemplo palpável. Imagine que você está num aeroporto. Os guichês, os painéis, as escadas rolantes... Tudo é parecido com o que tem em qualquer aeroporto. Aí, se o seu giro dentado der um tilt por um segundo, você fica que nem o rato: perde a capacidade de discernir aquele aeroporto dos outros. Sente que já esteve lá. Tem um déjà vu.
Isso também ajuda a explicar por que eles acontecem mais entre pessoas jovens e viajadas, como disse Moulin. Primeiro, porque os mais novos têm uma vida menos rotineira. Costumam variar de cenário, o que os deixa mais propensos a viver déjà vus – é mais fácil ter um ao acordar num quarto desconhecido, por exemplo, do que no seu, onde você realmente está acostumado com tudo. E o fato de viajar bastante só turbina a coisa.
Quando a experiência de Tonegawa veio a público, em 2007, foi tratada por alguns como a explicação definitiva para o mistério. Mas a maior parte dos pesquisadores acha que ainda é cedo para uma conclusão dessas. Eles imaginam que o déjà vu pode ser como dor de estômago: ter várias causas – as que você viu aqui mais outras tantas ainda a descobrir.
No fim das contas, a explicação mais bacana continua sendo a da Trinity, de Matrix – o filme que mostra o planeta dominado por máquinas que mantêm os humanos presos numa realidade virtual (a Matrix). Numa das cenas, o herói Neo olha para um gato preto, sente que já viu o bichano antes e diz:
– Uau, Trinity. Tive um déjà vu....
E ela acaba com o mistério:
– Um déjà vu é uma falha da Matrix, Neo. Acontece quando estão consertando alguma coisa...

Para saber mais

The Deja Vu Experience
Alan S. Brown, Psychology Press, 2004.

A rede covarde da maledicência impune

18 de julho de 2012 | 3h 08
José Nêumanne
No fim do mês passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso do Google contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio que o obrigava a deixar de oferecer fotos e filmes de apelo erótico e sugestões de pedofilia da estrela de cinema e televisão Xuxa Meneghel. A jurisprudência foi firmada sob a alegação de que o provedor de internet não pode ser inculpado e punido por material que não produz nem fiscaliza, mas apenas faz circular. Antes disso, a Terceira Turma do STJ manteve condenação ao Orkut, de propriedade do Google, por ter mantido ofensas feitas por um blogueiro ao diretor de uma faculdade em Minas. Aquela turma fixou em 24 horas, depois de denunciada a ofensa, o prazo para o veículo suspender a exibição dela, sob pena de ser corresponsabilizado judicialmente.
Para qualquer leigo em meandros do jurisdiquês, caso do autor destas linhas, há uma contradição em termos. E certamente a confusão é provocada pela ausência de uma legislação clara e rigorosa para coibir a circulação de infâmias covardes e anônimas em redes sociais e quaisquer veículos que acolham e divulguem informações de todo tipo num dos meios mais utilizados de comunicação deste século da alta tecnologia, que é a rede mundial de computadores. A omissão jurídica a respeito do assunto não é uma exclusividade tupiniquim, mas nos países desenvolvidos alguns avanços têm sido registrados para impedir abusos sem violação de direitos elementares da liberdade de informação, expressão e opinião. A praticidade e a comodidade oferecidas pelo banco de informações vendido pelo Google são de tal ordem que tem passado ao largo dessas decisões o fato elementar de que esse provedor vende um produto que obtém de graça, o que caracteriza, obviamente, pirataria. E também que a tecnologia capaz de facilitar qualquer pesquisa ou informar algo relevante a alguém que trabalhe com informação ainda não desenvolveu meios que tornem possível separar o joio do trigo. Não se sabe como distinguir um dado correto de uma reles falsificação.
Na verdade, não é realista reivindicar a erradicação da falsidade proibindo que o instrumento funcione, pois isso provocaria uma revolta mundial de usuários já habituados à facilidade da obtenção dos dados necessários para uma pesquisa ou um texto. Mas urge mudar radicalmente o enfoque que tem sido dado à proteção das mensagens veiculadas - reais ou falsas. As redes sociais e os provedores dessas informações não são - como querem fazer crer os executivos de um dos mais bem-sucedidos negócios de alta tecnologia do mundo - apenas formas de relacionamento interpessoal, mas seu alcance permite defini-los como meios de comunicação social. Quem duvidar está convidado a refletir sobre a importância dada a esses meios pela publicidade comercial e pela propaganda política.
Por mais riscos que a falta de vigilância possa provocar, seja na boa imagem de produtos, seja na honra de cidadãos, ninguém resiste a anunciar, promover ou simplesmente se expor por esses meios. Neste ano de eleições municipais, o caluniômetro nacional ganhará velocidade maior até do que a do impostômetro da Associação Comercial de São Paulo, fazendo parecer folguedos de crianças as infâmias divulgadas na última campanha presidencial, tais como fotos de Luiz Inácio Lula da Silva com uma mancha de urina na calça ou lendo um livro de cabeça para baixo e de sua candidata, Dilma Rousseff, exibindo um fuzil a tiracolo. Dilma também foi citada falsamente como impedida de entrar nos Estados Unidos por causa de sua militância na guerra bruta e suja contra a ditadura militar brasileira, na qual os americanos simpatizavam com os militares.
No entanto, ainda que vítima, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) nunca manifestou interesse algum em reprimir a covarde rede de infâmias que circula impunemente entre os usuários de computadores no Brasil, como se ela fosse de somenos importância.
O petista Marco Maia (RS), presidente da Câmara dos Deputados, tem tratado com displicência acima do razoável a tramitação na Casa do Marco Civil da Internet, que, em teoria, poderia pôr fim à confusão a respeito da responsabilidade de provedores e redes sociais em crimes contra a honra, como exposto no início deste texto. Aliás, a expressão em teoria merece uma explicação. A proposta a ser debatida e votada no Congresso é de uma platitude que não assusta caluniadores pela internet nem tranquiliza suas vítimas eventuais - quaisquer que sejam. Seria ingênuo imaginar que os parlamentares, cujos partidos são vítimas e algozes da rede mundial da maledicência, enfrentassem temas que tampouco empolgam seus colegas nos países mais ricos, como a pirataria do Google ou os serviços prestados pelas redes sociais às agências de espionagem. Mas é sua obrigação precípua impedir que se confunda - como vem ocorrendo, e não só nos meios cibernéticos - liberdade de expressão com licença para enxovalhar a honra alheia.
A indiferença dos legisladores ao problema torna-os cúmplices de quem se aproveita da ausência de leis que impeçam expressar ressentimentos, manifestar desvios de comportamento e até tirar vantagem da difamação. Não há mais tempo hábil para evitar que essa prática daninha provoque turbulências indesejáveis nas campanhas eleitorais que estão para começar. Mas é preciso desde já empenhar a energia e o poder político que os membros do governo federal têm para pôr fim a esse massacre de reputações na telinha, em vez de gastá-los na discussão de marcos regulatórios da mídia e outros eufemismos a pretexto de disfarçar tentativas de controlar a informação ou a opinião desagradáveis ou nocivas aos donos do poder.
O primeiro passo a ser dado é a conscientização de que combater a veiculação da infâmia anônima em quaisquer meios, computadores pessoais inclusive, não é ferir as liberdades individuais, mas acudi-las, salvaguardando a honra do cidadão.
* JORNALISTA E ESCRITOR,  É EDITORIALISTA DO JORNAL DA TARDE


Analfabetos na universidade

19 de julho de 2012 | 3h 07
O Estado de S.Paulo
Sempre se soube que um dos principais entraves ao crescimento do Brasil é o gargalo educacional. Novas pesquisas, porém, revelam que o problema é muito mais grave do que se supunha. A mais recente, elaborada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, mostrou que 38% dos estudantes do ensino superior no País simplesmente "não dominam habilidades básicas de leitura e escrita".
O Indicador de Analfabetismo Funcional, que resulta desse trabalho, não mede capacidades complexas. Ele é obtido a partir de perguntas relacionadas ao cotidiano dos estudantes, como o cálculo do desconto em uma compra ou o trajeto de um ônibus. Mesmo assim, 38% dos pesquisados não atingiram o nível considerado "pleno" de alfabetização, isto é, não conseguem entender o que leem nem fazer associações com as informações que recebem.
Para os autores da pesquisa, resumida pelo Estado (16/7), os resultados indicam que o notável aumento da escolarização verificado nas últimas décadas ainda não se traduz em desempenho minimamente satisfatório em habilidades básicas, como ler e escrever, e isso num ambiente em que essas etapas do aprendizado já deveriam ter sido plenamente superadas, isto é, nas universidades.
A "popularização" do ensino superior, com a abertura indiscriminada de faculdades ávidas por explorar um público de baixa escolaridade - que não consegue ingresso nas universidades de prestígio, mas sabe que o diploma é uma espécie de "passaporte" para melhorar o salário -, é vista como um dos fatores principais do fenômeno. Essas escolas, concluem os especialistas, se adaptaram confortavelmente a um mercado consolidado, e só reagirão diante da exigência sistemática por melhor qualidade, que deve vir do governo e dos próprios alunos.
No entanto, o tempo para a reversão desse quadro é curto. O sentido de urgência se dá diante do desafio de colocar o Brasil entre os países mais competitivos do mundo, ante o encolhimento dos mercados por conta da crise. A situação de semianalfabetismo nos campi brasileiros - que contraria o discurso populista da presidente Dilma Rousseff segundo o qual seu governo, como o anterior, cuida mais dos jovens do que do PIB - talvez seja o indicador mais importante para medir o tamanho do fosso que nos separa do mundo desenvolvido.
Em primeiro lugar, a indigência intelectual compromete os projetos de aperfeiçoamento profissional, por mais bem-intencionados que sejam. Não se pode esperar que egressos de faculdades sem nenhuma qualificação possam acompanhar as mudanças tecnológicas e científicas cujo desenvolvimento é precisamente o que determina a diferença entre países ricos e pobres. A China, por exemplo, já entendeu que sua passagem de "emergente" para "desenvolvida" não pode prescindir da qualificação de seus trabalhadores, como mostrou José Pastore, em artigo no Estado (16/7).
Os chineses, diz Pastore, têm investido pesadamente no ensino superior, cujas matrículas foram multiplicadas por seis nos últimos dez anos. Agora, quase 20% dos jovens em idade universitária estão no ensino superior na China, enquanto no Brasil não passam de 10%. Ademais, a China demonstra há décadas um vivo interesse em enviar estudantes ao exterior, para uma preciosa troca de informações que encurta o caminho do país na direção do domínio técnico essencial a seu desenvolvimento. Só em 2008, diz Pastore, os chineses mandaram 180 mil estudantes para as melhores universidades do mundo, volume que se mantém ano a ano. O Brasil apenas iniciou o Programa Ciência Sem Fronteira, que pretende enviar 110 mil estudantes nos próximos anos.
O impacto do investimento chinês em educação aparece no cenário segundo o qual quase metade do extraordinário crescimento econômico do país resulta desse esforço de qualificação. Assim, se o Brasil tem alguma pretensão de competir com o gigante chinês, ou mesmo com países emergentes menos pujantes, o primeiro passo talvez seja admitir que é inaceitável entregar diplomas universitários a quem seria reconhecido como analfabeto em qualquer lugar do mundo civilizado.



19/07
QUINTA-FEIRA
ESPAÇO DO LEITOR ÀS 16:30
ARTIGO - ILHA DO FOGO: POLÍCIA PARA QUE PRECISA DE POLÍCIA!
Luiz Antonio Costa de Santana
Professor da UNEB e UNIVASF, especialista em Direito Público  e Privado, doutorando em Direto, professor de pós-graduação, engenheiro e escritor. Mestre Maçom. Ex-procurador e Secretário da Fazenda e Assessor de Assuntos Estratégicos
Acompanhei o debate sobre a decisão do Exercito Brasileiro sobre a ocupação de toda a Ilha do Fogo e, consequentemente, a proibição de fruição daquele espaço, na prática, a única praia fluvial no centro das duas cidades, em razão da poluição e inconvenientes que a beira do rio oferece, pelo menos no centro.
Ouvi amigos da área de segurança pública e defensores públicos que noticiaram o alarmante uso de drogas naquela área. Daí porque, “aparentemente”, a “solução final” seja a proibição de avesso à ilha. Grave equivoco.
Ocupação de espaços supostamente dominados por usuários de drogas e/ou traficantes não garantem pax social, na medida em que ocorre migração de área de uso. Ademais, se a política pública de combate às drogas se resumir em fechar “pontos de venda e consumos”, estamos perdidos!
A par da problemática da droga, a Ilha do Fogo desempenha importante papel no lazer da comunidade, valor muito mais denso que o argumento de venda e uso de drogas no local; para este, polícia para quem precisa de polícia.
A visão reducionista do problema é chocante. Não venha o Exército dizer me dizer que precisa da ilha para treinamento, dispondo ela de uma imensa área no Munícipio de Petrolina. Que tipo de treinamento é pensado para a Ilha? Tiro,  a menos de 400 metros das margens do centro de duas cidades de porte médio? Corrida? Haverá trafego de veículos realizando manobras e atrapalhando o fluxo de veículos na Ponte Dutra (cujo nome deve ser debatido, ante a revelação histórica que perseguiu a imigração judaica para o Brasil na 2a Guerra).
Do ponto de vista jurídico, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar ADI 3300, decidiu que o direito à felicidade é um direito fundamental.
É, que a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, em seu art. 15, é clara ao dispor que “Toda pessoa tem direito ao descanso, ao recreio honesto e à oportunidade de aproveitar utilmente o seu tempo livre em benefício de seu melhoramento espiritual, cultural e físico.”
Com a Emenda Constitucional 45, os tratados e convenções os quais o Brasil é signatário têm uma nova sistemática. Para adentrar em matéria estritamente jurídica e forte na lição de Ludwig Wittgenstein para quem os limites da linguagem de pessoal delimitam nossa visão de mundo,  implica dizermos que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos está acima da Lei e abaixo da Constituição Federal, lembrando apenas que o lazer é um meio de ser feliz, já decidido pelo STF na ADI 3300.
Portanto, rogamos ao Ministério Público, detentor da legitimidade para defesa dos direitos difusos, que ingresse em juízo não contra a posse da Ilha, mas para defesa do direito de ir, ficar e ir do povo! Tour court, que esperamos.