quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Interceptação telefônica para fins civis: ilegalidade e inconstitucionalidade

http://jus.com.br/revista/texto/19997
Publicado em 09/2011
A autorização de uma interceptação telefônica para fins civis, ainda mais quando decretada por juízo cível, viola flagrantemente a lei e a Constituição Federal.
A Terceira Turma do STJ, no dia 01.09.11, admitiu a possibilidade de interceptação telefônica para fins civis, decretada por juízo cívelEm casos excepcionais, isso seria possível (STJ, HC 203.405). A segurança do Estado de Direito está em fase de liquidação.
O STJ não conheceu do HC impetrado por quem deveria cumprir decisão judicial de primeiro grau num caso de competência civil (4ª Vara da Família).
Estado (completamente) fora da lei e da CF.
O exercício do poder punitivo (ou o pretexto do seu exercício) pode acontecer: (a) dentro do Estado de Direito, (b) fora do Estado de Direito (embora dentro da lei) ou (c) fora da lei (e, consequentemente, fora inteiramente do Estado de Direito).
A autorização de uma interceptação telefônica para fins civis, ainda mais quando decretada por juízo cível, viola flagrantemente a CF (art. 5º, inc. XII), assim como a lei das interceptações (Lei 9.296/96, art. 1º). Está fora da lei e da CF.
DATA VENIAé ato que faz parte do chamado "Estado subterrâneo" (que fica abaixo no nível da legalidade).
Não há justificativa excepcional que possa amparar semelhante decisão. Isso somente seria possível se estivéssemos num Estado de Exceção, quando então ficam suspensas algumas garantias constitucionais.
Não consta que o Brasil esteja vivendo formalmente um Estado de Exceção. Disso eu não tomei ciência. Logo, as ordens constitucional e legal não podem ser quebradas sob nenhum pretexto.
Juízo cível não pode determinar, no exercício dessa jurisdição, interceptação telefônica. Somente o juízo competente para a ação criminal principal pode determinar interceptação telefônica (art. 1º, da Lei 9.296/96).
O STJ sublinhou que o não cumprimento da ordem judicial (pela operadora telefônica) traria prejuízo para o Estado Democrático de Direito. Maior prejuízo consiste em cumprir referida decisão. Toda determinação fora da lei (e da CF) não pode (não deve) mesmo ser cumprida, sob pena de quebra do ordenamento jurídico.
Se o Brasil não está sob Estado de Exceção, toda suspensão de uma garantia constitucional não conta com nenhum amparo jurídico.
A garantia da finalidade das interceptações telefônicas (somente são possíveis no campo penal - investigação ou ação penal) éabsoluta. O legislador constituinte estabeleceu aí uma regra de proporcionalidade e fez um corte na sua admissibilidade (finalidade).
A interceptação telefônica envolve direitos fundamentais muito relevantes (intimidade, privacidade etc.). Logo, só pode ser admitida em casos excepcionalíssimos, dentro da esfera penal (para fins penais).
Feita a demarcação constitucional, não pode o juiz reescrever a CF, exercendo poderes superiores aos dos constituintes. Que a interceptação telefônica não é absoluta todos sabemos, visto que a própria CF disse isso.
No que diz respeito à sua finalidade (criminal), no entanto, não existe ressalva constitucional. Os juízes (em matéria de garantias)não podem inserir ressalvas constitucionais onde elas não existem, sob pena de conferirmos (a eles) mais poderes que os inerentes ao legislador constituinte (originário).
Vivendo o clima de Direito Penal de Guerra (contra o crime) que estamos vivendo no nosso País, não falta nada para também se admitir a pena de morte(só) em casos excepcionalíssimos. Porque nenhum direito tem caráter absoluto.
Que a relatividade seja afirmada em relação a uma garantia compreende-se. Elas não são absolutas. Mas no tocante à finalidade da interceptação não existe (s.m.j.) qualquer possibilidade de ressalva.
ponderação das garantias constitucionais é necessária. Justamente por isso é que a garantia do sigilo das comunicações não é inflexível.
Ponderação nenhuma pode ser admissível, no entanto, no que diz respeito à delimitação da finalidade das interceptações. Confundiu-se a relatividade da garantia do sigilo das comunicações com a (impossível) relatividade da sua finalidade.
ponderação, ademais, é a última etapa do princípio da proporcionalidade. Antes dela temos seus pressupostos (legalidade e justificação teleológica), assim como seus requisitos extrínsecos (ordem judicial e motivação). Depois é que vêm os requisitos intrínsecos (adequação, necessidade e ponderação). Se a legalidade no Brasil exige, na interceptação telefônica, uma ordem (judicial) de um juiz com exercício na jurisdição criminal, não poderia o STJ fazer nenhum juízo de ponderação. Não respeitada a legalidade, não se chega na ponderação. Esse foi o erro do STJ (s.m.j.).
Outras providências deveriam ter sido tomadas para a localização do menor. Não havia notícia fundada de que esse menor corria risco de vida. DATA VENIA, a CF foi flagrantemente violada.
Se razões sérias existiam para suspeitar da existência de crime (ECA, art. 237), um procedimento penal deveria ter sido instaurado, deixando a decretação da medida cautelar (da interceptação) para o juízo criminal. Crimes punidos com reclusão admitem a interceptação.
A decretação de uma interceptação telefônica, sem prévio procedimento investigatório penal, conflita com todo o ordenamento jurídico vigente (DATA VENIA)Não se exige inquérito policial instaurado, sim, pelo menos um procedimento investigatório onde se constate o fumus commissi delicti assim como o periculum libertatis.

Autor

  • Diretor geral dos cursos de Especialização TeleVirtuais da LFG. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri (2001). Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP (1989). Professor de Direito Penal e Processo Penal em vários cursos de Pós-Graduação no Brasil e no exterior, dentre eles da Facultad de Derecho de la Universidad Austral, Buenos Aires, Argentina. Professor Honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria, Arequipa, Peru. Promotor de Justiça em São Paulo (1980-1983). Juiz de Direito em São Paulo (1983-1998). Advogado (1999-2001). Individual expert observer do X Congresso da ONU, em Viena (2000). Membro e Consultor da Delegação brasileira no 10º Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal da ONU, em Viena (2001).

Informações sobre o texto

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica para fins civis: ilegalidade e inconstitucionalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2997, 15 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19997>. Acesso em: 15 set. 2011.
TEMPO REAL

Provedor não precisa fazer controle prévio de conteúdo


Sigilo, segurança e inviolabilidade dos dados cadastrais dos clientes. As características do serviço oferecido pelo Google Brasil Internet Ltda. fizeram com que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça livrasse o provedor do pagamento de indenização no valor de R$ 8,3 mil a internauta que foi ofendido no site de relacionamentos Orkut, administrado pela empresa.
De acordo com o colegiado, mesmo que o Google seja obrigado a manter o registro do IP (do inglêsinternet protocol), como é chamado o número de identifica cada computador na internet, e que tenha que remover todo conteúdo ofensivo, ele não deve controlar o material previamente.
O usuário do serviço conseguiu uma indenização de R$ 8,3 mil por danos morais, ainda em primeira instância. O Google não conseguiu reverter a decisão no recurso. De acordo com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a empresa assumiu o risco da má utilização do serviço e o próprio Orkut deveria ter desenvolvido ferramentas para coibir abusos e ainda ter identificado o usuário responsável pelas ofensas.
Apesar de o serviço ser oferecido gratuitamente, há relação de consumo no caso, considerou a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso. Esse ponto justificaria a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na lide. Mesmo assim, ela lembrou que o Google, por meio de Orkut, presta serviço de provedor de conteúdo, sem participar ou interferir no que é veiculado no site.
"No que tange à fiscalização das informações postadas pelos usuários, não se trata de atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do artigo 14 do CDC", acrescentou. De acordo com o dispositivo, "o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".
A ministra fez, ainda, outra consideração: o dano moral não pode ser considerado risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, já que suas atividades não implicam, para terceiros, riscos diretos maiores do que qualquer outra atividade. Assim, também descartou a aplicação do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.
Quanto ao controle prévio de conteúdos, ela disse que a prática violaria o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal. "Não bastasse isso, a verificação antecipada do conteúdo eliminaria — ou pelo menos alijaria — um dos maiores atrativos da internet, que é a transmissão de dados em tempo real", observou.
Ao falar sobre o IP, ela disse que o sigilo deve ser absoluto, "sendo divulgado apenas mediante determinação judicial, pois, a partir dele, é possível realizar ofensivas direcionadas ao respectivo computador". Com informações da Assessoria de Comunicação do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2011

domingo, 4 de setembro de 2011


DISCUSSÕES FAMILIARES

Nova Lei sobre usucapião precisa de jurisprudência


A Lei 12.424, de 16 de junho de 2011, inseriu no Código Civil, em seu artigo 1.240-A e seu parágrafo 1º, uma nova modalidade de usucapião no nosso ordenamento jurídico: “aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º. O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”.
Essa nova forma de usucapião vem sendo chamada de usucapião familiar. Ou seja, permite que um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros oponha contra o outro o direito de usucapir a parte que não lhe pertence. Os requisitos para a nova espécie de usucapião são:
- ser o imóvel de área inferior a 250 m².
- ser o imóvel de propriedade e utilizado como moradia de duas pessoas casadas ou que vivam em união estável;
- ter ocorrido abandono de lar por um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros;
- ser exercida a posse pela parte inocente pelo menos dois anos a partir do abandono do lar;
- a parte inocente não ser proprietária de outro imóvel urbano ou rural;
- não ter sido beneficiada pelo mesmo instituto ainda que no âmbito de outra relação afetiva.
A grande polêmica, no entanto, gira em torno do pressuposto do abandono do lar por um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros. Embora o artigo 1.240-A não preveja expressamente, entende-se que o ato de abandono do lar somente poderá justificar essa espécie de usucapião se for voluntário e injustificado.
A culpabilidade no abandono do lar passou a ser extremamente relevante, pois sua aferição é de difícil constatação e interfere diretamente no destino do bem imóvel do casal. Contudo, se por um lado, essa nova modalidade de usucapião é vantajosa por contemplar o cônjuge ou companheiro desamparado, extinguindo o regime da comunhão de bens, por outro lado pode acirrar ainda mais as disputas patrimoniais entre os ex-cônjuges ou ex-companheiros, diante da necessidade da comprovação da responsabilidade pelo abandono do lar.
Ademais, se o imóvel foi adquirido pelo casal como resultado do esforço comum, o benefício do direito de usucapir reconhecido ao cônjuge que permanecer na posse do imóvel constitui uma punição patrimonial ao cônjuge ou companheiro que abandona a família.
Seria válido admitir essa usucapião se o cônjuge ou companheiro abandona o lar, porém não a família? Há também outro tópico a indagar: bastaria um período ininterrupto de apenas dois anos para que o pretendente adquira a fração de propriedade antes pertencente ao seu ex-cônjuge ou ex-companheiro? Tais considerações, certamente poderão ser mais esclarecedoras na medida em que decisões judiciais sobre o tema começarem a ser expendidas.
Iracema Elis de Faria é sócia do escritório Katzwinkel & Advogados Associados
Revista Consultor Jurídico, 4 de setembro de 2011

sexta-feira, 2 de setembro de 2011



ACÚMULO DE REMUNERAÇÕES

STF nega dupla pensão para viúva e seus dependentes


A viúva e dependentes de um servidor público que morreu não deve receber duas pensões relativas aos dois cargos públicos por ele ocupados. O Plenário do Supremo Tribunal Federal negou provimento ao Recurso Extraordinário  interposto pela família.
De acordo com os autos, o fiscal de contribuições previdenciárias aposentou-se dessa função e, por concurso, reingressou no serviço público como fiscal do trabalho, em 1996. Morreu em 2001. Sua mulher e dependentes pleitearam pensão referente aos dois cargos, mas aquela relativa ao segundo foi-lhes negada pela União.
Diante disso, ingressaram na Justiça. A primeira instância indeferiu o pedido. Em seguida, tiveram negada apelação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Por isso, o caso foi parar no STF.
O recurso voltou à pauta do Supremo, na tarde de quarta-feira (31/8), com o voto vista do ministro Ayres Britto. No início do julgamento, em outubro de 2009, votaram contra a pretensão dos autores o relator do RE, ministro Ricardo Lewandowski, e a ministra Cármen Lúcia.
Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski ressaltou que a Constituição Federal veda a percepção simultânea das duas pensões. Ele observou, ademais, que o servidor que morreu não se enquadrava na categoria dos servidores que poderiam acumular dois proventos de aposentadoria ou pensões e vencimentos.
O ministro Eros Grau (atualmente aposentado) pediu vista dos autos na ocasião. Ele se manifestou também pelo desprovimento do recurso, em maio de 2010, quando então o ministro Ayres Britto pediu vista dos autos.
O voto-vista
O ministro Ayres Britto seguiu o voto do relator, ministro Lewandowski. Como o servidor não poderia cumular proventos se estivesse vivo e em situação de inatividade remunerada, e como a pensão por morte está ligada aos proventos que o instituidor faria jus na data da morte, explicou o ministro, a conclusão a que se chega é que os dependentes não poderiam acumular as pensões discutidas nesse RE.
Se não é possível a acumulação dos proventos, não seria lícita a duplicidade de pensões, resumiu o ministro Ayres Britto. Acompanharam esse entendimento os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso. Com informações da Assessoria de Imprensa do Supremo.
RE 584.388
Revista Consultor Jurídico, 1º de setembro de 2011


PRODUTO IMPORTADO

Não incide IPI sobre carro importado para uso próprio


O Tribunal Regional Federal da 3ª Região confirmou sentença de primeiro grau que garante a restituição do IPI em importação realizada por pessoa física para uso próprio. A Procuradoria da Fazenda Nacional foi condenada a devolver R$ 54.746,99, com juros de mora e correção.
O desembargador Federal Carlos Muta julgou ação de inexigibilidade e repetição do IPI, ajuizada por pessoa física, no desembaraço aduaneiro de veículo importado para uso próprio. O contribuinte, representado pelo escritório Fauvel e Moraes Advogados, alegou que encontra-se consolidada a jurisprudência no sentido da inexigibilidade do IPI importação de veículo automotor, por pessoa física, para uso próprio, repelindo as teses deduzidas pela Fazenda Nacional.
A Procuradoria da Fazenda Nacional apelou alegando que, a legislação que afeta o IPI define que o fato gerador do imposto é o desembaraço aduaneiro de produto industrializado estrangeiro, e que é contribuinte a pessoa natural ou jurídica que figure na qualidade de importador e ainda que inexiste ofensa ao princípio da não cumulatividade.
Apelação 0022792-44.2009.4.03.6100
Revista Consultor Jurídico, 2 de setembro de 2011


QUEBRA DE SIGILO

STJ autoriza interceptação telefônica em caso cível


Em casos excepcionais, há possibilidade de quebra de sigilo telefônico em processos cíveis. Este entendimento foi aplicado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao rejeitar Habeas Corpus contra decisão da 4ª Vara de Família da Comarca de Campo Grande, que decretou a quebra do sigilo telefônico de um pai que se recusa a entregar o filho para a mãe, caso de subtração de menor, crime previsto no artigo 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O pedido de Habeas Corpus foi apresentado pela operadora de telefonia que se recusou a apresentar os dados à Justiça, com o argumento de que a quebra de sigilo telefônico, de acordo com a Constituição Federal e a Lei 9.296/96, é vedada na esfera extrapenal. Para os ministros da 3ª Turma, este argumento não é suficiente para a concessão do HC e nem para que a decisão de primeira instância não seja cumprida.
"Não toca ao paciente, embora inspirado por razões nobres, discutir a ordem judicial alegando direito fundamental que não é seu, mas da parte processual. Possibilitar que o destinatário da ordem judicial exponha razões para não cumpri-la é inviabilizar a própria atividade jurisdicional, com prejuízo para o Estado Democrático de Direito", diz o acórdão do STJ.
Em segunda instância, o pedido de HC também foi negado. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso entendeu que apesar de a Lei 9.296/96 vedar interceptação telefônica na seara extrapenal, "tal princípio não é absoluto". Segundo os desembargadores, no âmbito cível e em situação extremamente excepcional, é admitida a quebra de sigilo telefônico quando nenhuma outra diligência puder ser adotada.
Ao analisar o caso, o ministro Sidnei Beneti ressaltou que é preciso ponderar garantias constitucionais em conflito. A situação, escreveu, "inspira mais cuidado do que, à primeira vista, pareceria ser o caso de aplicação pura e simples do preceito Constitucional que estipula a garantia do sigilo das comunicações. Há que se proceder à ponderação dos interesses constitucionais em conflito, sem que se possa estabelecer, a priori, que a garantia do sigilo deva ter preponderância".
Sidnei Beneti destacou trecho do parecer do MP que também trata da necessidade de se ponderar valores expressamente previstos na Constituição Federal. São eles: a proteção à intimidade, nos termos do artigo 5º, X, da Constituição Federal, e a necessidade de se resguardar os direitos fundamentais do menor. A solução passa sem dúvida, pela leitura do texto do artigo 227 da Constituição Federal. De acordo com o MP, este dispositivo visa à proteção dos Direitos Fundamentais da Criança e do adolescente pelo Estado com absoluta prioridade.
Segundo o parecer, não haveria outro motivo para o acréscimo da expressão "absoluta prioridade" se não fosse para garantir à criança e ao adolescente a proteção integral de seus direitos fundamentais de modo absoluto, inclusive quando o resguardo desses direitos estiver em aparente confronto com outros direitos assegurados pela Constituição Federal.
O relator do caso do STJ afirmou ainda que o ato impugnado no Habeas Corpus retrata hipótese excepcional, em que se cogita até mesmo a possibilidade de desaparecimento do menor, "tendo em vista que o requerido sempre se furtou da Justiça, desdenhando ainda do Poder Judiciário na medida em que compareceu a um programa de televisão e disse que nada o faria devolver o filho". A pena prevista no ECA para os casos de subtração de criança "ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial" é de dois a seis anos de reclusão, e multa.
Leia aqui o relatório e voto do ministro na íntegra.
HC 203.405 
Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 1º de setembro de 2011

quinta-feira, 1 de setembro de 2011


GRAVAÇÃO TELEFÔNICA

TST aceita prova feita sem conhecimento da parte


A 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que não há ilicitude na prova apresentada por um ex-empregado da Fiat Automóveis S.A. Graças a conversa telefônica gravada por um interlocutor, sem o conhecimento do outro, ele confirmou a existência de restrições feitas pela empresa ao seu nome, razão pela qual não conseguia obter novo emprego desde a época da sua dispensa. O entendimento da Turma, diferente do adotado anteriormente pelo Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (TRT-PB), foi o de que gravação de conversa telefônica para comprovar fatos em juízo não se confunde com interceptação telefônica, desde que não haja causa legal de sigilo.
O ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, relator do acórdão, salientou que o artigo 5º, inciso XII, da Constituição apenas protege o sigilo das comunicações telefônicas para colocá-las a salvo da ciência não autorizada de terceiro ao diálogo. A gravação feita por um dos interlocutores da conversa telefônica, mesmo sem o conhecimento do outro, não configura interceptação ilícita, que é feita por terceiro que não participa da conversa, nem com ela se confunde.
O empregado trabalhou durante 14 anos na função de gerente de assistência técnica em concessionárias da Fiat Automóveis S. A. até ser dispensado sem justa causa em janeiro de 2004. Após a demissão, alegou ter encontrado dificuldades quando da procura de outros empregos, apesar da vasta experiência e da boa atuação nas empresas em que trabalhou. Então, no intuito de averiguar os motivos que impossibilitavam sua contratação, pediu a um amigo para fazer ligações telefônicas ao escritório regional da empresa e solicitar informações a seu respeito. Desse modo, confirmou que, de fato, havia restrições a seu nome para trabalhar nas concessionárias da empresa. Afirmou ser esse o único meio de que dispunha para esclarecer a conduta da empregadora. Com base nas declarações obtidas, alegou prejuízos de ordem moral e material e requereu as respectivas indenizações.
Contudo, ao analisar o recurso do trabalhador, o TRT-PB manteve a sentença que indeferira a prova considerada ilícita e declarara prescrita a pretensão do empregado. A ação foi ajuizada em 26/2/2009, observou o Regional, e os fatos relatados teriam acontecido a partir de março de 2004. O Regional ressaltou não haver prova de que o empregado tenha realmente tomado ciência dos fatos na data em que alegava e, quanto às ligações telefônicas, também não as considerou como prova.
Para o TRT-PB, os meios utilizados pelo autor invalidaram a prova, uma vez que obtida por meios escusos em ofensa ao direito constitucional de privacidade, bem como ao sigilo das telecomunicações. No caso, um amigo do autor da reclamação se fez passar por representante do escritório regional da Fiat em São Paulo e, em contato com o escritório de Recife, obteve as informações que, gravadas em CD, se constituíram na prova trazida aos autos.
O ministro Bresciani destacou o confronto de princípios constitucionais de extrema importância. A eventual recomendação sigilosa de não contratação do trabalhador entre empresas concessionárias da Fiat Automóveis S.A., a seu ver, pode configurar a existência da chamada “lista negra”, conduta gravíssima, que atenta contra a ordem constitucional, afronta o Poder Judiciário e desconsidera a dignidade humana.
O relator observou que o Tribunal Regional, ao indeferir a utilização da prova apresentada, cerceou a defesa do autor da reclamação, em afronta ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Ressaltou que a gravação foi feita pelo interlocutor da conversa a fim de comprovar o direito do empregado. Não há, portanto, ilicitude, e a gravação poderia ser utilizada como prova. Assim, os ministros da 3ª Turma, por unanimidade, deram provimento ao recurso do empregado. A Turma determinou o retorno dos autos à Vara de origem a fim de que prossiga no exame dos autos, com a reabertura da instrução processual. Com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal Superior do Trabalho.
RR-16400-26.2009.5.13.0022

Revista Consultor Jurídico, 31 de agosto de 2011


TIM TIM POR TIM TIM

Professor detalha cada uma das novas cautelares


“Antes trabalhávamos nos extremos: ou ficava preso ou ficava solto. Hoje criamos medidas intermediárias, com uma escalada de restrições até chegar à prisão, último recurso disponível. Afinal, a prisão deixou de ser a única possibilidade”. A opinião é do professor da USP Gustavo Henrique Righi Badaró, durante o seminário “A Reforma do Código de Processo Penal”, no Superior Tribunal de Justiça. O professor ressaltou que a principal novidade da reforma do CPP é o rol de medidas cautelares
Badaró salientou que a flexibilidade, a variabilidade e a possibilidade de escolha do juiz são características inerentes às medidas cautelares, uma nova tendência do Direito mundial: “A lógica das medidas alternativas é serem aplicadas, justamente, em casos de menor gravidade. Elas não são medidas substitutivas, mas alternativas à prisão. Além disso, as medidas são cumulativas, podendo ser aplicadas em conjunto, tomando o cuidado, é claro, de não determinar medidas que sejam incompatíveis entre si. Sem falar que as medidas podem ser alteradas ao longo do curso do processo. É possível aplicar uma, duas, retirar outra, substituir aquela, agravando ou diminuindo a intensidade de restrição à liberdade ou a algum direito, de acordo com a evolução processual.”
Fiscalização precária
Quanto à possibilidade de a defesa impugnar qualquer medida cautelar aplicada pelo juiz, Badaró foi taxativo ao afirmar que o texto sobre recursos apresentado pelo projeto da reforma do CPP ainda não foi votado no Congresso, mas isso não significa que uma medida não possa ser cassada. “Não vejo problema em a defesa usar qualquer recurso estrito disponível e até mesmo o Habeas Corpus, para tentar defender o envolvido de uma restrição/perigo/ameaça/constrangimento à liberdade de locomoção. O próprio STJ já se deparou com a análise de Habeas Corpus sobre retenção de passaporte, suspensão da função pública, Lei Maria da Penha...”

O advogado defende a adoção das medidas cautelares, mas alerta que sua aplicação precisa superar o grave problema da falta de fiscalização: “Como vamos monitorar todos os envolvidos? O importante é ter em mente que a finalidade da medida cautelar é manter o vínculo do acusado, investigado, com o processo judicial. Saber onde ele está, onde mora, o que faz...”, apontou.
Finalizando a palestra, Badaró comentou, uma a uma, as medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do CPP, alterado pela Lei 12.403/2011:
  • Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades. "O texto deveria ter ampliado a possibilidade de o envolvido comparecer à delegacia de polícia do seu bairro ou cidade, a exemplo dos códigos português e alemão."
  • Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações. “Aqui, deve haver claro nexo entre o local que se proíbe e o crime cometido. A delimitação das proibições deve ser precisa, para não haver infrações induzidas pela dúvida. Definir claramente o lugar (boate, estádio de futebol, clube, bares) que está vetado.”
  • Proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante. “Esse contato deve ser entendido em um sentido mais amplo, abarcando o contato voluntário por telefone, e-mail, redes sociais. Estabelecer uma zona de exclusão muito clara, delimitando a área (100m, 200m, a rua, o bairro etc.)."
  • Proibição de ausentar-se da comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução. “Aqui não houve a preocupação, por parte do legislador, de limitar o prazo dessa proibição. Por quanto tempo? Ressalvas precisam ser admitidas. E se o cidadão mora numa cidade, mas trabalha na outra? E se tem uma casa de praia, de campo?”
  • Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos. “Essa gera muitas discussões. Acho que é uma medida ingênua e não consigo enxergar sua funcionalidade. E durante o dia? O cidadão poderá fazer o que quiser?”
  • Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. “Aqui temos um caso de medida interditiva, pois não restringe a liberdade, mas suspende outro direito. Falta também a delimitação do prazo. O código italiano e o português estabelecem a temporalidade, pois é da natureza da medida. Isso não impede que o prazo seja prorrogado, se houver necessidade. Mas restam outras dúvidas: posso suspender quem está em cargo eletivo? O código italiano proíbe. Com ou sem a suspensão dos vencimentos? A discussão está acesa no meio jurídico. Uma suspensão parcial? O código italiano prevê.”
  • Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração. “É bom esclarecer que essa medida não tem finalidade terapêutica, mas de manutenção da ordem, da segurança. Mas também levanta dúvidas: a imputabilidade deve ser considerada desde sempre ou a partir de determinado acontecimento? Quantos laudos são necessários? Acredito que apenas um único laudo atualizado seria suficiente.”
  • Monitoração eletrônica. “Há muita discussão constitucional sobre a questão: fere ou não fere a dignidade humana? Eu, particularmente, não vejo problema no uso, mas como ele será feito? Passivo ou ativo? A maior parte dos países que adota o monitoramento trabalha com o consentimento do cidadão acusado. Se houver a recusa, outra medida deve ser aplicada. O código português prevê, inclusive, o consentimento por parte dos parentes que vivem na mesma casa que o envolvido. O fundamental é fazer uma lei que regule o monitoramento eletrônico. Pode ser aplicado sem lei, decreto ou resolução? Acredito que há um déficit regulatório que precisa ser sanado. Pode ser medida muito útil, como reforço de outras, mas precisa de regulamentação.”
Revista Consultor Jurídico, 1º de setembro de 2011

Consultor Jurídico

SEM DEVOLUÇÃO

Ministro do STJ decide que desaposentação é legítima


O processo de desaposentação é legítimo e não exige a restituição ao INSS dos valores recebidos durante a vigência da aposentadoria anterior. Além disso, quando o primeiro benefício estiver cancelado, o segurado pode ter computado o tempo de contribuição para a nova aposentadoria. O entendimento foi aplicado pelo ministro Sebastião Reis Junior, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao rejeitar recurso do INSS. Em segunda instância, o Tribunal pediu restituição da contribuição ao INSS, o autor entrou com recurso no STJ e consegui reverter esse aspecto da decisão de 2º grau.
"O entendimento desta Corte é assente no sentido de que, havendo renúncia à aposentadoria, não incide a vedação contida no artigo 96, III, da Lei 8.213/1991, segundo o qual 'não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro'. Estando cancelada a aposentadoria no regime geral, o segurado tem o direito de ver computado o tempo de contribuição em novo benefício", escreveu o ministro na decisão do dia 22 de agosto.
Quanto à necessidade de devolução dos valores ao INSS, segundo o ministro, a corte firmou entendimento no sentido da desnecessidade de devolução dos valores percebidos, dado o caráter de direito patrimonial disponível do benefício.
No recurso contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o INSS alegou violação do artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991, sustentando a impossibilidade de computar-se tempo de serviço e contribuições posteriores à primeira aposentadoria no intuito de obter-se novo benefício mais vantajoso.
O segurado Francisco Juarez Ribeiro, defendido pelo advogado Guilherme de Carvalho, sustentou a não exigência de restituição aos cofres públicos dos valores recebidos a título da aposentadoria originária para fins de reconhecer seu direito à desaposentação e posterior utilização do tempo de serviço adicional para concessão de novo benefício.
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Camila Ribeiro de Mendonça é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 31 de agosto de 2011