quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Judiciário pode avaliar questões de concurso quando houver flagrante erro na correção da prova

O Poder Judiciário é competente para examinar questões de concursos públicos quando houver flagrante ilegalidade na correção de prova. Essa foi a tese adotada pela 7ª Turma do TRF da 1ª Região para confirmar sentença que, nos autos de mandado de segurança impetrado por uma candidata, na primeira fase do exame da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Tocantins (OAB/TO), assegurou à requerente sua aprovação.

Ao analisar a demanda, o juízo de primeiro grau entendeu que a questão nº 78 da prova objetiva foi mal formulada, o que teria prejudicado a impetrante. “A banca considerou correta a seguinte assertiva: ‘Das decisões sobre exceções de suspeição, salvo, quanto a estas, se terminativas do feito, não caberá recurso, podendo, no entanto, as partes alegá-las novamente no recurso que couber da decisão final’. Todavia, tal assertiva está errada. O erro na formulação da questão é, portanto, evidente, o que autoriza a excepcional ingerência do Poder Judiciário na discricionariedade do examinador”, diz a sentença.

A OAB recorreu ao TRF1 ao argumento de que “ressalvadas as questões pertinentes à própria legalidade do certame, os critérios de avaliação utilizados pela Banca Examinadora fogem à apreciação do juiz, em função do caráter discricionário dos atos administrativos”.

A alegação da instituição não foi aceita pelo Colegiado que, na decisão, destacou que, de regra, não cabe ao Poder Judiciário examinar o critério de formulação e avaliação de provas e tampouco das notas atribuídas aos candidatos, ficando sua competência limitada ao exame da legalidade do procedimento administrativo. Contudo, no caso em tela, ficou devidamente demonstrado o erro da questão, o que autoriza a ingerência do Poder Judiciário.

“Excepcionalmente, admite-se ao Judiciário examinar questões de concurso público quando se vislumbra flagrante ilegalidade na correção de prova que possa causar dúvida”, diz a decisão. Ademais, a impetrante foi aprovada na segunda fase do Exame da Ordem, consistente na prova prático-profissional, “o que denota aptidão para o exercício da advocacia, devendo ser consolidada a situação fática constituída pelo provimento liminar”.

Dessa forma, nos termos do voto do relator, desembargador federal Reynaldo Fonseca, a Turma extinguiu o processo sem resolução do mérito em relação à impetrante e negou provimento à apelação proposta pela OAB/TO.

Nº do Processo: 2448-30.2010.4.01.4300

Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região

STJ. Art. 206, §3º, inc. IV do CC/2002. Expressão 'ressarcimento de enriquecimento sem causa'. Interpretação

Data: 13/11/2014

"A norma alude à pretensão de "ressarcimento de enriquecimento sem causa". Uma leitura atenta do dispositivo legal revela que o substantivo "ressarcimento" desponta com importância equivalente ao do seu complemento nominal, "enriquecimento sem causa"".

Íntegra do v. acórdão:

Acórdão: Recurso Especial n. 1.088.046 - MS.
Relator: Min. Luis Felipe Salomão.
Data da decisão: 12.03.2013.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.088.046 - MS (2008⁄0196351-9)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : BERNARDO QUÍMICA S⁄A
ADVOGADO : RITA DE CÁSSIA MESQUITA TALIBA
RECORRIDO : PATAS E PÊLOS PRODUTOS VETERINÁRIOS LTDA - MICROEMPRESA
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM DUPLICATAS PRESCRITAS AJUIZADA EM FACE DAQUELA QUE CONSTA COMO SACADA.COBRANÇA DE CRÉDITO ORIUNDO DA RELAÇÃO CAUSAL. APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DE TRÊS ANOS, RELATIVO ÀS PRETENSÕES DE RESSARCIMENTO DEENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, PREVISTO NO ARTIGO 206, § 3º, IV, DO CÓDIGO CIVIL. DESCABIMENTO. CÁRTULAS QUE, EMBORA PRESCRITAS, ESTAMPAM DÍVIDA LÍQUIDA,ENSEJANDO O AJUIZAMENTO DE AÇÃO MONITÓRIA DENTRO DO PRAZO DE 5 ANOS, A CONTAR DA DATA DE VENCIMENTO PREVISTA NAS CÁRTULAS, NOS MOLDES DO DISPOSTO NO ARTIGO 206, § 5º, I, DO CÓDIGO CIVIL. 1. No procedimento monitório, tendo em vista seu propósito de propiciar a celeridade na formação do título executivo judicial, a expedição do mandado de pagamento é feita em cognição sumária, havendo inversão da iniciativa do contraditório, cabendo ao demandado a faculdade de opor embargos suscitando toda a matéria de defesa, portanto "não faz sentido exigir que o prazo prescricional da ação monitória seja definido a partir da natureza dessa causa debendi" (REsp 1339874⁄RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09⁄10⁄2012, DJe 16⁄10⁄2012). 2. Assim, o prazo prescricional para a ação monitória baseada em duplicata sem executividade, é o de cinco anos previsto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil⁄2002, a contar da data de vencimento estampada na cártula. 3. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 12 de março de 2013(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 1.088.046 - MS (2008⁄0196351-9)

RECORRENTE : BERNARDO QUÍMICA S⁄A
ADVOGADO : RITA DE CÁSSIA MESQUITA TALIBA
RECORRIDO : PATAS E PÊLOS PRODUTOS VETERINÁRIOS LTDA - MICROEMPRESA
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Bernardo Química S⁄A ajuizou, em 24 de setembro de 2007, ação monitória em face de Patas e Pêlos Produtos Veterinários Ltda. Narra que manteve relações comerciais com a ré e que tem crédito representado por notas fiscais⁄faturas e duplicatas, relativo a entrega de produtos que não foram pagos pela requerida. Sustenta que não tem comprovante de entrega das mercadorias, mas, como a duplicata é um título de crédito representativo de pagamento a ser efetuado pelo sacado, é possível o manejo da ação monitória.

O Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Campo Grande, por entender prescrita a pretensão deduzida na ação - aplicando o prazo de três anos do Código Civil⁄2002 -, indeferiu a inicial.

Interpôs a autora apelação para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que negou provimento ao recurso.

A decisão tem a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL - MONITÓRIA - DUPLICATAS - PRESCRIÇÃO TRIENAL - RECURSO IMPROVIDO.

O prazo prescricional de ação monitória, baseada em duplicatas prescritas é o previsto no art. 206, § 3º, inciso IV, do Código de Processo Civil, o useja trienal.

Interpôs a autora recurso especial, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, sustentando divergência jurisprudencial e violação ao artigo 206, § 5º, I, do Código Civil.

Sustenta que o entendimento perfilhado pelas instâncias ordinárias destoa de precedente de outro Tribunal estadual que entendeu que, no caso, incide o prazo prescricional previsto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil (cinco anos), por se tratar de cobrança de dívida líquida.

O recurso especial foi admitido na origem.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.088.046 - MS (2008⁄0196351-9)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : BERNARDO QUÍMICA S⁄A
ADVOGADO : RITA DE CÁSSIA MESQUITA TALIBA
RECORRIDO : PATAS E PÊLOS PRODUTOS VETERINÁRIOS LTDA - MICROEMPRESA
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

EMENTA

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM DUPLICATAS PRESCRITAS AJUIZADA EM FACE DAQUELA QUE CONSTA COMO SACADA.COBRANÇA DE CRÉDITO ORIUNDO DA RELAÇÃO CAUSAL. APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DE TRÊS ANOS, RELATIVO ÀS PRETENSÕES DE RESSARCIMENTO DEENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, PREVISTO NO ARTIGO 206, § 3º, IV, DO CÓDIGO CIVIL. DESCABIMENTO. CÁRTULAS QUE, EMBORA PRESCRITAS, ESTAMPAM DÍVIDA LÍQUIDA,ENSEJANDO O AJUIZAMENTO DE AÇÃO MONITÓRIA DENTRO DO PRAZO DE 5 ANOS, A CONTAR DA DATA DE VENCIMENTO PREVISTA NAS CÁRTULAS, NOS MOLDES DO DISPOSTO NO ARTIGO 206, § 5º, I, DO CÓDIGO CIVIL.

1. No procedimento monitório, tendo em vista seu propósito de propiciar a celeridade na formação do título executivo judicial, a expedição do mandado de pagamento é feita em cognição sumária, havendo inversão da iniciativa do contraditório, cabendo ao demandado a faculdade de opor embargos suscitando toda a matéria de defesa, portanto "não faz sentido exigir que o prazo prescricional da ação monitória seja definido a partir da natureza dessa causa debendi" (REsp 1339874⁄RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09⁄10⁄2012, DJe 16⁄10⁄2012).

2. Assim, o prazo prescricional para a ação monitória baseada em duplicata sem executividade, é o de cinco anos previsto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil⁄2002, a contar da data de vencimento estampada na cártula.

3. Recurso especial provido.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A questão controvertida limita-se a saber se, em se tratando de duplicatas sem força executiva, o prazo para ajuizamento de ação monitória aparelhada por essas cártulas é o de três anos, previsto para ressarcimento de enriquecimento de causa (art. 206, § 3º, IV, do Código Civil), ou se, tal qual sustentando pela recorrente, é de 5 anos, conforme disposto no § 5º, I, do mesmo dispositivo.

O acórdão recorrido, confirmando a sentença, dispôs:

[...]

Como se vê da inicial e dos documentos que a instauram, cuida-se de ação monitória fundada em duplicatas não aceitas, acompanhadas das notas fiscais correspondentes, relativas á compra e venda de produtos, totalizando a quantia de R$ 11.411,64, conforme documentos de f. 19-32.

Em sentença de f. 35-37, o magistrado indeferiu a petição inicial, julgando extinto o feito com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, IV, do CPC, sob o argumento de que a ação encontra-se prescrita, uma vez que foi proposta após o decurso do prazo de três anos (art. 206, § 3º, IV, do CC).

Nas razões recursais, alega a apelante, em síntese, que, no vertente caso, deve ser aplicado o disposto no artigo 206, § 5º, do CC, in verbis:

[...]

Não assiste razão a recorrente.

Em primeiro lugar, apenas para não deixar dúvidas, não se está a falar de prescrição executiva, pois à evidência que o documento que ampara a pretensão creditícia já perdera sua força executiva por força da prescrição cambial, de 3 (três anos), que decorre não da lei civil, mas da lei de regência do título em espécie, única razão, inclusive, a autorizar, in casu, a ação monitória, que se ampara exatamente em títulos que não tenham força executiva.

No vertente caso, aplica-se o mesmo entendimento acerca do cheque prescrito, devendo ser considerado o disposto no § 3º, IV, do art. 206 do CC (prazo prescricional de três anos).

Dispõe o art. 206, §3º, IV:

"Prescreve em três anos:

(...)

IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa".

Conforme se depreende dos autos, os vencimentos dos títulos de deram em 2002 e 2003. Assim, o prazo final para intentar a presente ação monitória expirou-se em 2005 e 2006, respectivamente. Como a ação fora ajuizada em setembro de 2007, fica evidente a prescrição trienal. (fls. 68 e 69)

3. Para logo, consigno que, como as duplicatas foram emitidas em setembro de 2002, e na vigência do Código revogado o prazo prescricional para as ações pessoais era vintenário, à luz da regra de transição prevista no artigo 2.028 do Código Civil em vigor, de fato, aplica-se o prazo prescricional do novel Diploma para cobrança de crédito com fundamento na relação causal:

RECURSO ESPECIAL. TÍTULOS DE CRÉDITO PRESCRITOS. DÍVIDA PASSÍVEL DE COBRANÇA NA VIA ORDINÁRIA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7⁄STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOSADVOCATÍCIOS.

1. Ação de cobrança proposta pela Aço Minas Gerais S⁄A contra a CAEEB (Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras S⁄A), em janeiro de 2001, referente ao pagamento incompleto ou atrasado de duplicatas emitidas em função da venda de carvão entre março de 1985 e setembro de 1987.

2. A despeito de o título de crédito perder sua eficácia executiva no prazo de três anos, nada obsta a cobrança do crédito correspondente na via ação ordinária, pois prescrita apenas a pretensão executivadecorrente do título, mas não a resultante do crédito em si.

3. Incidência da prescrição vintenária do Código Civil de 1916 para as ações pessoais (art. 177).

4. Inocorrência de violação ao art. 945, § 1º, do CC⁄16, ou ao art.131 do CPC, pois a posse pelo devedor do título adimplido de forma incompleta (pagamento atrasado ou a menor) não afasta o direito do credor de buscar a complementação do pagamento.

5. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Súmula 7⁄STJ).

6. A determinação de correção monetária de valores devidos não configura julgamento "extra petita", por significar unicamente a reposição do real valor da moeda.

7. Não se aplica o óbice da Súmula 7⁄STJ quando arbitrados com exagero os honorários advocatícios.

8. Tratando-se de condenação superior a R$ 10.000,000,00 (dez milhões) contra a Fazenda Pública, mostra-se razoável a estipulação no patamar de 5% sobre esse montante.

9. Precedentes jurisprudenciais do STJ.

10. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

(REsp 1162896⁄MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03⁄05⁄2012, DJe 10⁄05⁄2012)

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RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. ESTADO DE MINAS GERAIS COMO SUCESSOR DO BANCO DO ESTADO DE MINAS GERAIS S⁄A (BEMGE). INAPLICABILIDADE DO DECRETO N. 20.910⁄32. NORMA ESPECÍFICA RESTRITA ÀS HIPÓTESESELENCADAS. CESSÃO DE CRÉDITO. REGIME JURÍDICO DO CEDENTE. APLICAÇÃO DOS PRAZOS DE PRESCRIÇÃO DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 E DE 2002. INCIDÊNCIA DA NORMA DE TRANSIÇÃO DO ART. 2.028 CC.

PRESCRIÇÃO NÃO IMPLEMENTADA.

[...]

7. Com a vigência do Código Civil de 2002, o prazo prescricional passou a ser de cinco anos, na forma do art. 206, § 5º, I ("prescreve em cinco anos a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular).

8. Aplicação da regra de transição acerca da prescrição, considerando-se interrompido o prazo na data do início da vigência do Código Civil de 2002 (11⁄01⁄2003) e passando a fluir, desde então, a prescrição quinquenal do novo estatuto civil.

9. Inocorrência de prescrição, na espécie, pois a ação de cobrança foi ajuizada em julho de 2007.

10. Doutrina de Câmara Leal acerca do tema e precedentes desta Corte.

11. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(REsp 1153702⁄MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10⁄04⁄2012, DJe 10⁄05⁄2012)

4. Retomando o caso devolvido ao conhecimento da Corte, transcrevo os artigos 206, 884, 885 e 886 do Código Civil:

Art. 206. Prescreve:

§ 3o Em três anos:

[...]

IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

[...]

§ 5o Em cinco anos:

I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;

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Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

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Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

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Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.

4.1. Nesse passo, tendo em vista a expressa ressalva do artigo 886 do Código Civil, a ação fundada em enriquecimento sem causa tem aplicação subsidiária, isto é, só pode ser manejada caso não seja possível o ajuizamento de ação específica:

Não havia regra semelhante no Código Civil de 1916.

O termo inicial do prazo se dá com a verificação de locupletamento, sendo matéria disciplinada nos arts. 884 a 886. (PELUSO, Cezar (coord.). Código Civil Comentado. 6 ed. Barueri: Manole, 2012, p. 159)

[...]

Finalmente, a ação fundada no enriquecimento sem causa só é cabível quando não houver ação específica, tendo em vista seu caráter subsidiário.

[...]

Se houver ação específica, esta é que deve ser utilizada.

[...]

Giovanni Ettore Nanni observa que "o conceito básico que predomina a respeito da subsidiariedade é que a ação de enriquecimento deve ser entendida como um remédio excepcional, cujo exercício é condicionado à inexistência de outra solução prevista na lei" ...

[...]

Por outro lado, sempre que outra demanda for suficiente para restabelecer o equilíbrio da situação não haverá necessidade da ação de enriquecimento sem causa, sob pena de ela ser admitida em praticamente todas as hipóteses de pedido condenatório, como verdadeira panaceia. (PELUSO, Cezar (coord.). Código Civil Comentado. 6 ed. Barueri: Manole, 2012, ps. 159, 901 e 902)

Nesse sentido, menciona-se recente precedente da Terceira Turma, referente ao REsp 1.339.874, relatado pelo Ministro Sidnei Beneti :

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CHEQUE PRESCRITO. MENSALIDADES ESCOLARES. AÇÃO MONITÓRIA. CAUSA DEBENDI. PRAZO PRESCRICIONAL.

1.- A ação monitória fundada em cheque prescrito, independentemente da relação jurídica que deu causa à emissão do título, está subordinada ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil.

2.- Recurso Especial a que se nega provimento.

(REsp 1339874⁄RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09⁄10⁄2012, DJe 16⁄10⁄2012)

Nesse mencionado precedente, Sua Excelência dispôs:

13.- O "enriquecimento sem causa", muitas vezes designado como "enriquecimento ilícito" ou "enriquecimento indevido", embora não sejam expressões sinônimas, lança raízes nas condictiones do Direito Romano. MOREIRA ALVES (in NEWTON DE LUCCA Comentários ao Novo Código Civil, vol. XII: Forense, Rio de Janeiro, 2003, p. 100) esclarece que tais institutos eram fundados na equidade e buscavam corrigir desequilíbrios patrimoniais não tutelados de forma específica pela lei. Entre as principaiscondictiones podem ser citadas a condictio indebiti, deferida no caso de pagamento por erro, e ascondictiones sine causa, deferidas nas hipóteses de pagamento efetuado sem causa.

14.- Trata-se de fonte de obrigação cuja configuração está subordinada a três requisitos: i) aumento do patrimônio de uma parte, ii) empobrecimento suportado pela outra parte, e iii) ausência de justa causa.

15.- VILSON RODRIGUES ALVES (Da Prescrição e da Decadência no Novo Código Civil, 3ª ed.: Servanda, Campinas, 2006, p. 343⁄344), ao comentar o artigo 206, § 3º, IV, do Código Civil, identifica as hipóteses de enriquecimento sem causa, afirmando que:

Vê-se, opera-se o enriquecimento injustificado tanto se a) houve vontade do prejudicado, como se b) houve prejudicado não-volente, quanto se no suporte fático c) não houve ato, mas fato jurídico em sentido estrito, ou ato-fato jurídico, em que se abstrai do quid psíquico do agente e se considera o ato objetivamente, como se fora fato, portanto, ato-fato.

Em a), prejudicado volente paga o que não deve, querendo pagar o que erroneamente supôs dever; em b) o prejudicado não-volente perde o crédito, por ter sido eficaz o pagamento feito ao credor putativo (Código Civil, art. 309); em c), os bens, enriquecem-se a expensas dos bens comuns, por exemplo.

Pode haver enriquecimento injustificado com a contictio indebiti, se é solvido o que não se deve, com solução por conseguinte indevida (Código Civil, art. 876).

Também, com a condictio ob causam finitam, como se, cessada a causa que existia, o que se presta, após a extinção da causa, é o atribuído sem dever do atribuinte, tal o que se presta por erro antes da data da resolução do contrato bilateral pedida com base no Código Civil, art. 475. É o que estatui o Código Civil, art. 885, quando enuncia que 'a restituição é devia, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir'.

Ainda com a condictio ou causam non secutam, ou na condictio causa data causa non secuta, em que o ato jurídico teve causa, mas por falta de elemento subjetivo ou objetivo, que torna deficiente o suporte fático, a determinação da causa é atingida, tal a hipóteses da prestação ou do recebimento solvendi causa pelo incapaz (Código Civil, art. 310).

Igualmente com a Condictio ob turpem vel iniustam causam. Se 'B' efetua contraprestação para obtenção de fim ilícito, imoral, ou proibido por lei, 'A', que efetuara a prestação, pode repetir com a condictio ob turpem causam, invocando o Código Civil, art. 166, II, 1ª Parte.

Por fim, o enriquecimento injustificado pode ocorrer com a condição por disposição sem direito, ou sem poder de dispor. O que dispõe sem direito, ou sem poder de dispor, tem o dever de restituir o que recebeu com a disposição feita sem direito, ou sem poder (cf. Código Civil, art. 986).

16.- GUSTAVO TEPEDINO (Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República v. 1, 2ª ed.: Renovar, Rio de Janeiro, 2007, p. 206), comentando o artigo 206, § 3º, IV, esclarece que o enriquecimento sem causa é gênero do qual o pagamento indevido é espécie (artigos 876 a 873 do Código Civil).

A preocupação atende à constatação prática de que a maioria das hipóteses (ou pelo menos as mais corriqueiras) em que se pode apontar uma pretensão de ressarcimento fundada em enriquecimento sem causa, constituem, na verdade, hipóteses de pagamento indevido.

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (citado por GUSTAVO TEPEDINO Ob cit. p. 206) recorda que:

"O pagamento indevido, que cria para accipiens um enriquecimento sem causa, e, portanto, gera para osolvens uma ação de repetição - de in rem verso -, resulta desses requisitos extraídos da regra do BGB: 1º) que tenha havido uma prestação; 2º) que esta prestação tenha o caráter de um pagamento; 3º) que não exista dívida. Os mesmos requisitos poderiam ser sintetizados em dois: 1º) uma prestação a título de pagamento; e 2º) que a dívida não exista, pelo menos nas relações entre o solvens e o accipens".

17.- Considerando os contornos elásticos do instituto do enriquecimento sem causa o E. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (Projeto de Código Civil - As obrigações e os Contratos in Revista dos Tribunais nº 775.:RT, São Paulo, maio⁄2000, p. 29) consignou que ele poderia servir como uma cláusula geralestabelecida pelo Código para remediar situações concretas em que o prejuízo verificado não pudesse ser desfeito por outro meio. Confira-se:

" ...veio dispor sobre o enriquecimento sem causa, preenchendo uma lacuna no nosso ordenamento. Trata-se de cláusula geral que terá grande efeito no foro, porque permitirá reparar todas as situações de vantagem indevida. É no entanto, uma ação subsidiária, a ser usada se o lesado não tiver outros meios para se ressarcir do prejuízo"

18.- Apesar das muitas situações em que se possa identificar o enriquecimento sem causa, é preciso lembrar que o artigo 206, § 3º, IV, não impõe prazo prescricional de três anos para todas as situações em que se verificar um enriquecimento descabido. A norma alude à pretensão de "ressarcimento de enriquecimento sem causa". Uma leitura atenta do dispositivo legal revela que o substantivo "ressarcimento" desponta com importância equivalente ao do seu complemento nominal, "enriquecimentosem causa".

Dessa maneira, se a pretensão formulada pela parte em juízo não é de ressarcimento, mas de outra natureza, como, por exemplo, de cobrança, de anulação de ato jurídico, de indenização, de constituição de situação jurídica, não será o caso de aplicação de prazo trienal estabelecido pelo artigo 206, § 3º, IV.

Destarte, o prazo prescricional, invocado pela Corte local, de três anos, previsto no artigo 206, § 3º, IV, do Código Civil, é imprestável para a presente demanda, pois concerne a ações fundadas em "ressarcimento de enriquecimento sem causa", disciplinado pelos artigos 884 a 885 do mesmo Diploma.

4.2. Por relevante, anoto, ainda, que Lei 9.079⁄95 introduziu no Código de Processo Civil (artigos 1102-A, 1.102-B e 1.102-C do CPC) o procedimento monitório- há muito empregado por países europeus -, de possível utilização por aquele portador de "prova escrita" que pretenda soma em dinheiro, coisa fungível ou determinado bem móvel propiciando a célere formação do título executivo, com base em documento(s) que permita(m) exsurgir um juízo de probabilidade acerca do alegado crédito do autor.

Com efeito, a prova hábil a instruir a ação monitória, isto é, apta a ensejar a determinação, em cognição sumária, da expedição do mandado monitório, a que alude o artigo 1.102-A do Código de Processo Civil, precisa ter forma escrita e ser suficiente para, efetivamente, influir na convicção do magistrado acerca do direito alegado.

De fato, para admissibilidade da ação monitória, não é necessário que o autor instrua a ação com prova robusta, estreme de dúvida, podendo ser aparelhada por documento idôneo, contanto que, por meio do prudente exame do magistrado, exsurja juízo de probabilidade acerca do direito afirmado pelo autor.

Esta é a lição da doutrina:

A pretensão à constituição de título judicial, deduzida no monitório, há de se fundar em prova pré-constituída. Não se cuida de um documento único, nem sequer de documento emanado do próprio devedor, mas de conjunto, formado pela prova documental produzida com a inicial, que permita ao juizforma um juízo positivo liminar quanto à existência do crédito. Desse modo, admitem-se documentos forjados pelo próprio credor. Essa afirmativa deve ser entendida nos devidos termos. Logo acode à mente o documento em que o próprio credor declara que alguém se obrigou a pagar-lhe certa quantia. É claro que esse hipotético documento é inidôneo.

Mas há outros documentos que preenchem o requisito, apesar da sua origem.

[...]

Percebeu o alcance da exigência, no essencial, o seguinte julgado do STJ: "Uma das características marcantes da ação monitória é o baixo formalismo predominante na aceitação dos mais pitorescos meios documentais, inclusive daqueles que seriam naturalmente descartados em outros procedimentos. O que interessa, na monitória, é a possibilidade de formação da convicção do julgador a respeito de um crédito, e não a adequação formal da prova apresentada a um modelo pré-definido, modelo este muitas vezes adotado mais pela tradição judiciária do que por exigência legal."(ALVIM, Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2012, p. 1.560 e 1.561)

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5. Prova documental: A petição inicial deverá vir instruída com a prova documental, podendo o autor apresentar dois ou mais documentos escritos, se a insuficiência de um puder ser suprida por outro; ou até mesmo se valer de documento proveniente de terceiro, desde que este e aqueles tenham aptidão para demonstrar a existência de uma relação jurídica material que envolva autor e réu e, ainda, para atestar a exigibilidade e a liquidez da prestação. Por outras palavras, deve ser considerado documento hábil, arespaldar a pretensão à tutela monitória, aquele produzido de forma escrita e dotado de aptidão e suficiência para influir na formação do livre convencimento do juiz acerca da probabilidade do direito afirmado pelo autor, como influiria se tivesse sido utilizado no processo de cognição plena. (MARCATO, Antonio Carlos (Org.). Código de Processo Civil Interpretado. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 2.645)

Nesse diapasão, a autorizada doutrina, em lição que guarda estrita sintonia com a lei processual, propugna que, no procedimento monitório, tendo em vista o seu propósito de propiciar a celeridade na formação do título executivo judicial, a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa é feita em cognição sumária, havendo inversão da iniciativa do contraditório, cabendo ao demandado a faculdade de oporembargos suscitando toda a matéria de defesa, visto que recai sobre ele o ônus probatório.

Por todos, confira-se a lição de Humberto Theodoro Júnior:

Os principais Códigos europeus, diante dessa particular situação do credor munido de relativa certeza de seu direito, mas privado de título executivo extrajudicial, engedraram uma forma de summaria cognitio, sem contraditório do devedor, em que à base de prova documental do credor, ou diante de determinadas relações jurídicas materiais, se permite ao juiz "o imediato pronunciamento de uma decisão, suscetível de constituir título executivo judicial".

Ao lado do processo de execução e do processo de cognição, em sua pureza, existe, portanto, um procedimento intermediário, de larga aplicação prática e de comprovada eficiência para abreviar a solução definitiva de inúmeros litígios: trata-se do procedimento monitório ou de injunção.

[...]

Por ele, consegue o credor, sem título executivo e sem contraditório com o devedor, provocar a abertura da execução forçada, tornando o contraditório apenas uma eventualidade, cuja iniciativa, ao contrário do processo de conhecimento, será do réu, e não do autor.

Assim, de acordo com este instituto, o credor, em determinadas circunstâncias pode pedir ao juiz, ao propor a ação, não a condenação do devedor, mas desde logo a expedição de uma ordem ou mandado para que a dívida seja saldada no prazo estabelecido em lei.

Tem o procedimento monitório "uma estrutura particular em virtude da qual, se aquele contra quem se propõe a pretensão não embarga, o juiz não procede a uma cognição mais que em forma sumária, e, em virtude dela, emite um provimento que serve de título executivo à pretensão e desse modo autoriza, em sua tutela, a execução forçada".

[...]

Enquanto o processo de conhecimento puro consiste em estabelecer, originária e especificamente, o contraditório sobre a pretensão do autor, o procedimento monitório consiste em abreviar o caminho para a execução, deixando ao devedor a iniciativa do eventual contraditório.

[...]

Seu escopo especial "é de alcançar a formação de um título executivo sem que a ação de condenação seja exercitada nos moldes da cognição em contraditório".

Difere, assim, do procedimento comum de cognição pela "preordenada ausência inicial do contraditório, a qual se tende a favorecer ou preparar a formação da declaração de certeza mediante preclusão", na lição deCalamandrei.

[...]

No prazo estipulado para o pagamento, o devedor tem a opção entre embargar ou silenciar. Se adota a primeira alternativa, abre-se o contraditório, assumindo o procedimento a forma completa de cognição; caso contrário, por deliberação de plano do juiz. a ordem de pagamento se transforma em mandado executivo, com força de sentença condenatória trânsita em julgado. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Procedimentos Especiais. 43 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, ps. 329-332)

Esta é também a iterativa jurisprudência desta Corte:

AGRAVO REGIMENTAL. ÔNUS DA PROVA. DEVEDOR. AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM TÍTULO PRESCRITO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

Nos Embargos ajuizados em Ação Monitória, o ônus para desconstituir a prova apresentada pelo autor do pedido é do Embargante.

Precedentes.

Agravo Regimental improvido.

(AgRg no Ag 1361869⁄PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22⁄02⁄2011, DJe 28⁄02⁄2011)

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RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. CÓPIAS DE DUPLICATAS. PROCEDIMENTO ADEQUADO. OBRIGAÇÃO DE EMITIR TRIPLICATAS (Art. 23 da Lei 5.474⁄68). INEXISTÊNCIA. FALTA DE INTERESSE DO RÉU.

[...]

2. Cópias de duplicatas são documentos hábeis para instruir ação monitória. Não há que se falar em impropriedade do procedimento apenas porque, em tese, a lei obrigaria o credor a emitir triplicatas.

3. O réu em ação monitória não tem interesse em argüir a impropriedade do procedimento, sob a alegação de que credor pode se valer desde logo do procedimento executivo. A ninguém é dado pleitear em prejuízo próprio.

(REsp 819.329⁄RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄11⁄2006, DJ 18⁄12⁄2006, p. 391)

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5. Feitas as necessárias ponderações acerca das peculiaridades do procedimento monitório e afastado o prazo prescricional aplicado ao caso pelas instâncias ordinárias - visto ser imprestável para a cobrança de crédito oriundo da afirmada relação fundamental existente entre as partes, que ensejou a emissão do títulode crédito -, é bem de ver que a duplicata é título de crédito denominado "causal", isto é, na verdade, deve corresponder a uma efetiva operação de compra e venda mercantil ou a prestação de serviços, só podendo a duplicata ser emitida para "a cobrança do preço de mercadorias vendidas ou serviços prestados".

Confira-se:

A duplicata mercantil é um título causal. Não no sentido que alguma doutrina empresta esta expressão, segundo a qual a duplicata se encontra vinculada à relação jurídica que lhe dá origem de uma forma diferente da que vincula os demais títulos de crédito às respectivas relações fundamentais. Não há estadiferença. A duplicata mercantil encontra-se tão vinculada à compra e venda mercantil da qual se origina quanto a letra de câmbio, a nota promissória ou o cheque se encontram em relação à obrigação originária que representam.

[...]

A duplicata mercantil é um título causal em outro sentido. No sentido de que a sua emissão somente é possível para representar crédito decorrente de uma determinada causa prevista por lei. Ao contrário dos títulos não-causais (que alguns também chama de abstratos, mas cuja abstração nada tem que ver com a vinculação maior ou menor à relação fundamental), a duplicata não pode ser sacada em qualquer hipótese segundo a vontade das partes interessadas. Somente quando o pressuposto de fato escolhido pelolegislador - a compra e venda mercantil - se encontra presente, é que se autoriza a emissão do título. Este é o único sentido útil que se pode emprestar à causalidade da duplicata mercantil. . (COELHO, Fábio Ulhoa.Manual de Direito Comercial. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 285)

Assim, o prazo prescricional para a ação monitória baseada em duplicatas sem executividade, é o de cinco anos previsto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil⁄2002:

Sem correspondência no Código anterior. Pelo atual Código, qualquer dívida resultante de documento público ou particular, tenha ou não força executiva, submete-se à prescrição quinquenal, contando-se do respectivo vencimento.

É necessário, porém, que a dívida seja líquida, cuja definição a lei não repetiu, mas vinha, com propriedade, definida no art. 1.533 do Código de 1916: "Considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada, quanto ao seu objeto". Sendo ilíquida a obrigação, não se aplica essa regra; porém, não se considera ilíquida a dívida cuja importância, para ser determinada, depende apenas de operação aritmética. (PELUSO, Cezar (coord.). Código Civil Comentado. 6 ed. Barueri: Manole, 2012, p. 163)

E o prazo conta-se da data de vencimento estampada nas cártulas, pois, por se tratar de direito subjetivo, é com a verificação de sua violação que exsurge para o titular a faculdade (poder) de exigir de outrem a prestação positiva, poder este tradicionalmente nomeado de pretensão.

RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APRECIAÇÃO, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL, DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS, PORABANDONO AFETIVO E ALEGADAS OFENSAS. DECISÃO QUE JULGA ANTECIPADAMENTE O FEITO PARA, SEM EMISSÃO DE JUÍZO ACERCA DO SEU CABIMENTO, RECONHECER A PRESCRIÇÃO. PATERNIDADE CONHECIDA PELO AUTOR, QUE AJUIZOU A AÇÃO COM 51 ANOS DE IDADE, DESDE A SUA INFÂNCIA. FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL A CONTAR DA MAIORIDADE, QUANDO CESSOU O PODER FAMILIAR DO RÉU.

[...]

2. Os direitos subjetivos estão sujeitos à violações, e quando verificadas, nasce para o titular do direito subjetivo a faculdade (poder) de exigir de outrem uma ação ou omissão (prestação positiva ou negativa), poder este tradicionalmente nomeado de pretensão.

[...]

5. Recurso especial não provido.

(REsp 1298576⁄RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21⁄08⁄2012, DJe 06⁄09⁄2012)

Essa é também a lição da doutrina de nomeada:

Posto que a inércia e o tempo sejam elementos comuns à decadência e à prescrição, diferem, contudo, relativamente ao seu objeto e momento de atuação, por isso que, na decadência, a ineficácia diz respeito ao exercício do direito e o tempo opera os seus efeitos desde o nascimento deste, ao passo que, na prescrição, a inércia diz respeito ao exercício da ação e o tempo opera os seus efeitos desde o nascimento desta, que, em regra, é posterior ao nascimento do direito por ela protegido. (CAMARA LEAL, A. L. da.Da prescrição e da decadência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 115)

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Em primeiro lugar, porque as prescrições e as decadências visam a punir a inércia de um titular. Alguém tem um direito, mas não o usa; pode cobrar a dívida, mas não a cobra; pode anular o casamento, mas não o anula; quer dizer, a faculdade que a lei põe nas mãos do titular é, então, atingida pela prescrição ou pela decadência, o que os antigos exprimiam num brocardo: juge silentium diuturnum silentium, jugis taciturnitas".

A essa razão acrescenta-se uma outra que é, talvez, a razão fundamental em que se amparam os nossos dois institutos. Esta influência do tempo consumido pelo direito pela inércia do titular serve a uma das finalidades supremas da ordem jurídica que é estabelecer a segurança das relações sociais. Tenho eu o direito de anular o meu matrimônio, mas não o faço. Passam-se anos e anos e a situação jurídica contrária ao meu direito se mantém, sem que eu me abalance a praticar os atos capazes de corrigi-la. Então, para que a insegurança não reine na sociedade, para que nós não estejamos expostos, a cada dia, à discussão de certas situações que o tempo já se incumbiu de consagrar, vem a prescrição considerar desaparecidostodos os defeitos e estender sua anistia sobre os defeitos porventura existentes nas relações entre os indivíduos.

Como se passou muito tempo sem se modificar o atual estado de coisas, não é justo que continuemos a expor as pessoas à insegurança que o nosso direito de reclamar mantém sobre todos, como uma espada de Dámocles. Então, a prescrição vem e diz: daqui em diante o inseguro é seguro, quem podia reclamar não o pode mais. De modo que, vêem os senhores, o instituto da prescrição tem suas raízes numa das razões de ser da ordem jurídica: distribuir a justiça - dar a cada um o que é seu - e estabelecer a segurança nas relações sociais - fazer com que o homem possa saber com o quê conta e com o quê não conta.

[...]

Os senhores compreenderão completa e definitivamente esta matéria se reportarem ao que estudamos há duas aulas atrás a respeito da lesão do direito. O que é lesão do direito? A lesão do direito é aquele momento em que o nosso direito subjetivo vem a ser negado pelo não-cumprimento do dever jurídico que a ele corresponde. Sabem os senhores que da lesão do direito nascem dois efeitos: em primeiro lugar, um novo dever jurídico, que a responsabilidade, o dever de ressarcir o dano; e, em segundo lugar, a ação, o direito de invocar a tutela do Estado para corrigir a lesão do direito. Pois bem, a prescrição nós a devemosconceituar em íntima ligação com a lesão do direito. No momento em que surge a lesão do direito e, com ela, aquela sua primeira conseqüência, que é o dever de ressarcir o dano, aí é que se coloca pela primeira vez o problema da prescrição. Se o tempo decorrer longamente sem que o dever secundário, a responsabilidade, seja cumprida, então não será mais possível invocar a proteção do Estado, porque a lesão do direito estaria curada.

[...]

Nasce da lesão do direito o dever de ressarcir e, para mim, o direito de propor uma ação para obter o ressarcimento. Se, porém, deixo que passe o tempo sem fazer valer o meu direito de ação, o que acontece? A lesão do direito se cura, convalesce, a situação que era antijurídica torna-se jurídica; o direito anistia a lesão anterior e já não se pode mais pretender que eu faça valer nenhuma ação. Esta é a conceituação da prescrição que mais nos defende das dificuldades da matéria.

[...]

Se conceituarmos a prescrição a partir da lesão de direitos, já se está vendo que só há prescrição dos direitos subjetivos. Quer dizer: é preciso que ao direito do titular corresponda um dever jurídico, para que, pela violação deste dever jurídico, surja a lesão e, por conseguinte, prescrição.

[...]

Quer dizer que a prescrição conta-se sempre da data em que se verificou a lesão do direito.

[...]

Todos os autores sustentam isto e o fundamento desta contagem está na própria definição de prescrição que estabelecemos.

[...]

Quer dizer que o que ela faz realmente é exonerar o dever jurídico e não extinguir o direito subjetivo a ele correspondente. Sobre mim cais o dever; eu, por conseguinte, é que me exonero com a prescrição. (DANTAS, San Tiago. Programa de Direito Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, ps. 342-349)

Tomando em consideração que o cheque é uma ordem de pagamento à vista, fica nítido que, no supramencionado REsp 1.339.874⁄RS, a Terceira Turma também perfilhou o mesmo entendimento, haja vista o relator, Ministro Sidnei Beneti, em seu Voto, ter feito a seguinte ponderação:

Quando se fala que o prazo prescricional para a propositura da ação monitória é este ou aquele deve-se ter em conta a existência de uma "dívida líquida constante de instrumento público ou particular" (artigo 205, § 5º, "I" ), nada mais.

31.- Pode, atualmente, não mais haver utilidade prática em saber se prazo prescricional da ação monitória fundada em cheque emitido para pagamento de prestação escolar deve coincidir ou não com o prazo da ação ordinária de cobrança equivalente. Na linha dos precedentes desta Corte, a ação de cobrança de mensalidades escolares vencidas após o advento do Código Civil de 2002 também prescreve em 5 (cinco) anos, consoante disposto no artigo 206, § 5º, I, do Código (quando houver contrato, pelo menos).

32.- O artigo 178, § 6º, VII, do Código Civil de 1916, estabelecia, porém, prazo prescricional de 1 (um) ano para "a ação dos donos de casa de pensão, educação, ou ensino, pelas prestações dos seus pensionistas,alunos ou aprendizes; contado o prazo do vencimento de cada uma". Nessa situação, como é patente, havia, uma nítida diferença entre se considerar o prazo prescricional referente à relação jurídica subjacente (prestação de serviços educacionais) ou o prazo prescricional relativo à monitória (com abstração da relação jurídica subjacente).

Desse modo, tendo em vista que, no procedimento monitório há inversão do contraditório, como bem alinhavado pelo Ministro Sidnei Beneti, no citado REsp 1.339.874⁄RS, "não faz sentido exigir que o prazo prescricional da ação monitória seja definido a partir da natureza dessa causa debendi".

Esta é a jurisprudência do STJ, no que tange ao prazo para ajuizamento de ação monitória fundada em cheque e nota promissória:

DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA EMBASADA EM CHEQUE PRESCRITO. VIABILIDADE. MENÇÃO AO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. DESNECESSIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À MONITÓRIA DISCUTINDO O NEGÓCIO QUE ENSEJOU A EMISSÃO DO CHEQUE. POSSIBILIDADE.

1. O cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação, que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora.

2. Se ocorreu a prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito que, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente. Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo Diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação de cobrança fundada na relação causal.

3. No entanto, caso o portador do cheque opte pela ação monitória, como no caso em julgamento, o prazo prescricional será quinquenal, conforme disposto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil e não haverá necessidade de descrição da causa debendi

4. Registre-se que, nesta hipótese, nada impede que o requerido oponha embargos à monitória, discutindo o negócio jurídico subjacente, inclusive a sua eventual prescrição, pois o cheque, em decorrência do lapso temporal, já não mais ostenta os caracteres cambiários inerentes ao título de crédito.

5. Recurso especial provido.

(REsp 926.312⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20⁄9⁄2011, DJe 17⁄10⁄2011)

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AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. NOTAS PROMISSÓRIAS PRESCRITAS. AÇÃO MONITÓRIA. PRAZO PARA AJUIZAMENTO.

1. A ação monitória fundada em notas promissórias prescritas está subordinada ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos de que trata o artigo 206, § 5º, I, do Código Civil.

2. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

(AgRg nos EDcl no REsp 1197943⁄RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20⁄11⁄2012, DJe 23⁄11⁄2012)

6. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para anular a sentença e o acórdão recorrido, dando por superado o entendimento de ser de três anos o prazo prescricional para ajuizamento da ação monitória fundada em duplicatas prescritas.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2008⁄0196351-9
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.088.046 ⁄ MS

Números Origem: 01071331132 1071331132 20080062798 20080062798000100

PAUTA: 12⁄03⁄2013 JULGADO: 12⁄03⁄2013

Relator

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. EDILSON ALVES DE FRANÇA

Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : BERNARDO QUÍMICA S⁄A
ADVOGADO : RITA DE CÁSSIA MESQUITA TALIBA
RECORRIDO : PATAS E PÊLOS PRODUTOS VETERINÁRIOS LTDA - MICROEMPRESA
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

ASSUNTO: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.


JURISPRUDÊNCIA

TJSC. Art. 20 do CC/2002. Limitações do direito à imagem. Quando há dispensa para a sua divulgação

Data: 02/12/2014

"Sobre as limitações do direito à imagem, Maria Helena Diniz sublinha que há dispensa para a sua divulgação quando: a) se tratar de pessoa notória, mas isso não constitui uma permissão para devassar a sua privacidade, pois sua vida íntima deve ser preservada. A pessoa que se torna de interesse público pela fama ou significação intelectual, moral, artística ou política não poderá alegar ofensa a seu direito à imagem se sua divulgação estiver ligada à ciência, às letras, à moral, à arte e à política. Isto é assim porque a difusão de sua imagem sem seu consenso deve estar relacionada com sua atividade ou com o direito à informação; b) se se referir a exercício de cargo público, pois quem tiver função pública de destaque não pode impedir que, no exercício de sua atividade, seja filmada ou fotografada, salvo na intimidade; c) se procura atender à administração ou serviço da justiça ou de polícia, desde que a pessoa não sofra dano à sua privacidade; d) se tiver de garantir a segurança pública, em que prevalece o interesse social sobre o particular, requerendo a divulgação da imagem, por exemplo, de um procurado pela polícia ou a manipulação de arquivos fotográficos de departamentos policiais para a identificação de delinquente. Urge não olvidar que o civilmente identificado não pode ser submetido a identificação criminal, salvo nos casos autorizados legalmente (CF, art. 5°, LVIII); e) se busca atender ao interesse público, aos fins culturais, científicos e didáticos. Quem foi atingido por uma doença rara não pode impedir, para esclarecimento de cientistas, a divulgação de sua imagem em cirurgia, desde que se preserve seu anonimato, evitando focalizar sua fisionomia; f) houver necessidade de resguardar a saúde pública. Assim portador de moléstia grave e contagiosa não pode evitar que se noticie o fato; g) se obtiver imagem em que a figura é tão-somente parte do cenário (congresso, enchente, praia, tumulto, show, desfile, festa carnavalesca) [...], sem que se a destaque, pois se pretende divulgar o acontecimento e não a pessoa que integra a cena; e h) se tratar de identificação compulsória ou imprescindível a algum ato de direito público ou privado; deveras, ninguém pode se opor a que se coloque sua fotografia em carteira de identidade ou em outro documento de identificação, nem que a polícia tire sua foto para serviço de identificação (Código Civil Anotado. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 67)".

Íntegra do v. acórdão:

Acórdão: Apelação Cível n. 2012.042073-5, de Criciúma.
Relator: Des. Luiz Fernando Boller.
Data da decisão: 16.08.2012.

APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO INDENIZATÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE - USO INDEVIDO DE IMAGEM -RETRATO DE FISICULTURISTA EMPREGADO EM CAMPANHA PUBLICITÁRIA DE SUPLEMENTO ALIMENTAR - ALEGAÇÃO DA INSURGENTE NO SENTIDO DE QUE OS RESULTADOS OBTIDOS COM O DESENVOLVIMENTO DEMASSA MUSCULAR E RESPECTIVA TONIFICAÇÃO NÃO TÊM QUALQUER RELAÇÃO COM O CONSUMO DO PRODUTO - EMPRESA RESPONSÁVEL PELA DIVULGAÇÃO DO MATERIAL QUE RECONHECEU TER EXTRAÍDO A FOTOGRAFIA DE UM SITE DA INTERNET, CONTRATANDO A RESPECTIVA PUBLICAÇÃO DO COMERCIAL EM PERIÓDICO ESPECIALIZADO EM SUPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR - AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DA ATLETA, QUE É CAMPEÃ MUNDIAL DE 'BODYBUILDING´ - USO INDEVIDO DE IMAGEM QUE, POR SI SÓ, ENSEJA REPARAÇÃO - ATO ILÍCITO CONFIGURADO - INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS) - SENTENÇA REFORMADA, COM A CONSEQUENTE INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.042073-5, da comarca de Criciúma (3ª Vara Cível), em que é apelante Anne Luise Becke Machado Freitas, e apelado Neonutri Suplementos Nutricionais Ltda:

A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Victor Ferreira, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Jorge Luís Costa Beber.

Florianópolis, 16 de agosto de 2012.

Luiz Fernando Boller

Relator

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação cível interposta por Anne Luise Becke Machado Freitas, contra decisão prolatada pelo juízo da 3ª Vara Cível da comarca de Criciúma, que julgou improcedente o pedido deduzido nos autos da ação de Reparação de Danos n° 020.11.001592-4 (disponível em <http://esaj.tjsc.jus. br/cpo/pg/search.do;jsessionid=81463ED4B939BAFB4C6AAC9648F8F714.cpo1?paginaConsulta=1&localPesquisa.cdLocal=1&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=SAJ&numeroDigitoAnoUnificado=&foroNumeroUnificado=&dePesquisaNuUnificado=&dePesquisa=+020110015924> acesso nesta data), ajuizada em 27/01/2011 (fl. 02 vº) contra a Neonutri Suplementos Nutricionais Ltda., condenando a autora/apelante a honrar o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais), equivalentes a 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa (fls. 107/110).

Malcontente, a insurgente alega que a empresa recorrida auferiu lucro ao utilizar a imagem do seu corpo para dar publicidade a suplementos alimentares que, segundo refere, não teriam qualquer relação com os resultados por si obtidos com a prática de fisiculturismo, os quais atribui à sua dedicação aos exercícios e treinamentos, que, inclusive, lhe conferiram títulos de campeã mundial.

Salientou, mais, que seus recursos financeiros provém exclusivamente da exibição de seus músculos em campeonatos e outros eventos, sendo que a divulgação da fotografia do seu abdome, relacionada ao consumo de determinado produto - que alega jamais ter feito uso -, inviabilizou a sua contratação por eventuais patrocinadores, além de frustrar a obtenção de renda com a respectiva cessão do direito de imagem.

Asseverou que a própria Neonutri Suplementos Nutricionais Ltda. confessou ter extraído sua fotografia de um site na Internet, o que, em seu entender, seria suficiente para ensejar a procedência do pedido reparatório, já que com isto estaria evidenciado o ato ilícito indenizável, avultando, de outro vértice, que a sua imagem foi publicada em revista especialista em fisiculturismo, sendo, portanto, facilmente reconhecida pelos respectivos leitores, já que neste tipo de atividade, por sua condição, possui destaque, tendo, inclusive, recentemente participado do programa 'Pânico na TV´, transmitido pela Rede Bandeirantes de Televisão, motivo pelo qual pugnou pelo conhecimento e provimento do reclamo, com a reforma da sentença vergastada, fixando-se a pretendida indenização pelo dano moral infligido (fls. 114/124).

O recurso foi recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo (fl. 126)

Em sede de contrarrazões, a Neonutri Suplementos Nutricionais Ltda. argumentou não haver prova dos prejuízos sofridos pela autora, tampouco do aludido abalo anímico em virtude do uso não-autorizado da sua imagem em campanha publicitária, destacando o fato de que as revistas acostadas aos autos circularam em janeiro de 2010, ao passo que a demanda subjacente somente foi ajuizada em fevereiro de 2011, tendo transcorrido lapso temporal a indicar que a fama de Anne Luise Becke Machado Freitas não seria tão evidente, já que ela própria apenas teve conhecimento das fotos um ano após a respectiva veiculação.

Dessarte, exaltando a conveniência do entendimento firmado pelo magistrado singular, bradou pelo desprovimento do reclamo, mantendo inalterada a sentença objurgada (fls. 134/134).

Ascendendo a esta Corte, os autos foram a mim distribuídos em 20/06/2012 (fl. 136).

Este é o relatório.

VOTO

Conheço da presente insurgência, pois demonstrados os respectivos pressupostos de admissibilidade.

Num primeiro momento, convém ressaltar que a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5°, inc. V, assegura a indenização por dano material, moral ou à imagem, ao passo que o art. 927 do Código Civil disciplina que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Ao tratar do assunto, Adauto de Almeida Tomaszewski salienta que "imputar a responsabilidade a alguém, é considerar-lhe responsável por alguma coisa, fazendo-o responder pelas conseqüências de uma conduta contrária ao dever, sendo responsável aquele indivíduo que podia e devia ter agido de outro modo" (Separação, violência e danos morais - a tutela da personalidade dos filhos. São Paulo: Editora Paulistana Jur, 2004. p. 245).

Rui Stoco, por sua vez, sustenta que a responsabilidade civil é a retratação de um conflito, pois, para o referido doutrinador, "toda vez que alguém sofrer um detrimento qualquer, que for ofendido física ou moralmente, que for desrespeitado em seus direitos, que não obtiver tanto quanto foi avençado, certamente lançará mão da responsabilidade civil para ver-se ressarcido" (Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 112).

Neste tocante, o notável Aguiar Dias avulta que

A responsabilidade pode resultar da violação, a um tempo, das normas, tanto morais, como jurídicas, isto é, o fato em que se concretiza a infração participa de caráter múltiplo, podendo ser, por exemplo, proibido pela lei moral, religiosa, de costumes ou pelo direito. Isto põe de manifesto que não há reparação estanque entre as duas disciplinas. Seria infundado sustentar uma teoria do direito estranha à moral. Entretanto, é evidente que o domínio da moral é muito mais amplo que o do direito, a este escapando muitos problemas subordinados àquele, porque a finalidade da regra jurídica se esgota com manter a paz social, e esta só é atingida quando a violação se traduz em prejuízo (Da responsabilidade civil. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 5).

Já Darcy Arruda Miranda, citado por Rolf Madaleno - de quem fui colega na Faculdade de Direito na UFRS-Universidade Federal do Rio Grande do Sul -, verbera que "todo homem tem um valor moral próprio dentro do seu círculo social e esse conceito passa a integrar a sua personalidade, e sua aceitação social depende da preservação desses valores éticos, desse seu prestígio moral inalienável, violável e invulnerável", porquanto "o dano moral respeita uma lesão aos sentimentos afeições legítimas de uma pessoa, ou quando lhe ocasionam prejuízos que se traduzem em padecimentos físicos, ou que de uma maneira ou outra perturbam a tranquilidade e o ritmo de vida normal da pessoa ofendida" (Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 338).

De destacar, a propósito, o preconizado no art. 20 do Código Civil:

Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais (grifei).

Ao comentar suso mencionado dispositivo, Theotônio Negrão registra que "em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano" (Código Civil e legislação civil em vigor. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 48).

Sobre as limitações do direito à imagem, Maria Helena Diniz sublinha que há dispensa para a sua divulgação quando:

a) se tratar de pessoa notória, mas isso não constitui uma permissão para devassar a sua privacidade, pois sua vida íntima deve ser preservada. A pessoa que se torna de interesse público pela fama ou significação intelectual, moral, artística ou política não poderá alegar ofensa a seu direito à imagem se sua divulgação estiver ligada à ciência, às letras, à moral, à arte e à política. Isto é assim porque a difusão de sua imagem sem seu consenso deve estar relacionada com sua atividade ou com o direito à informação;

b) se se referir a exercício de cargo público, pois quem tiver função pública de destaque não pode impedir que, no exercício de sua atividade, seja filmada ou fotografada, salvo na intimidade;

c) se procura atender à administração ou serviço da justiça ou de polícia, desde que a pessoa não sofra dano à sua privacidade;

d) se tiver de garantir a segurança pública, em que prevalece o interesse social sobre o particular, requerendo a divulgação da imagem, por exemplo, de um procurado pela polícia ou a manipulação de arquivos fotográficos de departamentos policiais para a identificação de delinquente. Urge não olvidar que o civilmente identificado não pode ser submetido a identificação criminal, salvo nos casos autorizados legalmente (CF, art. 5°, LVIII);

e) se busca atender ao interesse público, aos fins culturais, científicos e didáticos. Quem foi atingido por uma doença rara não pode impedir, para esclarecimento de cientistas, a divulgação de sua imagem em cirurgia, desde que se preserve seu anonimato, evitando focalizar sua fisionomia;

f) houver necessidade de resguardar a saúde pública. Assim portador de moléstia grave e contagiosa não pode evitar que se noticie o fato;

g) se obtiver imagem em que a figura é tão-somente parte do cenário (congresso, enchente, praia, tumulto, show, desfile, festa carnavalesca) [...], sem que se a destaque, pois se pretende divulgar o acontecimento e não a pessoa que integra a cena; e

h) se tratar de identificação compulsória ou imprescindível a algum ato de direito público ou privado; deveras, ninguém pode se opor a que se coloque sua fotografia em carteira de identidade ou em outro documento de identificação, nem que a polícia tire sua foto para serviço de identificação (Código Civil Anotado. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 67).

Além disso, a referida jurista ressalta que o lesado pode pleitear a reparação de cunho indenizatório pelo dano moral e patrimonial provocado por violação à sua honra, imagem-retrato ou imagem-atributo, bem como pela divulgação não autorizada de escritos ou de declarações feitas, salvo se se tratar de interesse coletivo (op. cit. p. 67-68).

Neste rumo, o Enunciado da Súmula n° 403 do Superior Tribunal de Justiça disciplina que "independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais", destacando-se, ainda, o seguinte precedente:

O direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia. Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano, nem a consequência do uso, se ofensiva ou não (E.D. no Resp. n° 230.268. Relator: Min. Sálvio de Figueiredo. j. 11/12/2002).

No mesmo sentido, da jurisprudência dos Tribunais pátrios amealha-se:

[...] a proteção constitucional da imagem encerra dois aspectos: o primeiro, relativo à imagem física do cidadão (imagem-retrato), e o segundo, referente à condição social da pessoa (imagem-atributo). No caso dos autos, a veiculação da imagem do autor não foi desonrosa, razão porque não há falar em dano à imagem-atributo. Entretanto, violada está a imagem-retrato, pois restou divulgada a fotografia do autor [...] sem que tenha havido a necessária autorização prévia (RJTJERGS 268/145: A.P. 70021337100).

Na espécie, restou bem demonstrada a violação do direito de imagem, visto que a fotografia da autora foi parcialmente exposta - sem a devida autorização -, nas revistas Suplementação (disponível em <www.revistasuplementacao. com.br> acesso nesta data) e Combat Sport (disponível em <www.combatsport.com.br> acesso nesta data), periódicos técnicos de circulação nacional, promovendo a publicidade realizada pela Neonutri Suplementos Nutricionais Ltda. (disponível em <http://www.neonutri.com.br/> acesso nesta data).

De acordo com a prefacial, Anne Luise Becke Machado Freitas é atleta profissional, praticante de fisiculturismo (disponível em <http://www.google. com.br/search?q=%22ANNE+LUISE+BECKE+MACHADO+FREITAS%22&hl=pt-BR&prmd=imvnso&source= lnms&tbm=isch&sa=X&ei=XF8uUK2HG4i08ASEk4DAAg&ved=0CDYQ_AUoAQ&biw=1440&bih=798#q=%22ANNE+LUISE+BECKE+MACHADO+FREITAS%22&hl=pt-BR&sa=X&tbm=isch&prmd=imvnso&bav=on.2,o r.r_gc.r_pw.r_qf.&fp=1&biw=1032&bih=468> acesso nesta data), tendo obtido o título de Campeã Mundial na modalidade Overall IFBB de bodybuilding (disponível em <http://www.annefreitas.com.br/campeonatomundial09/campeonatomundial09.html> acesso nesta data), além de ter logrado êxito em diversas outras competições, vitórias que atribui exclusivamente aos treinamentos e preparo físico, sendo que a vinculação da sua imagem ao produto 'Thermo Cuts X´ensejou prejuízos à sua carreira, visto que - ao contrário do que tenta fazer crer a Neonutri Suplementos Nutricionais Ltda. -, os resultados estéticos obtidos não foram influenciados, absolutamente, pelo consumo de tal suplemento alimentar.

Em contrapartida, a requerida reconheceu que a fotografia da autora - utilizada na campanha publicitária -, foi retirada de um site na Internet, tendo sido divulgada apenas a imagem do seu abdome, inviabilizando a identificação da atleta, motivo porque, segundo alega, não haveria que se falar em pretensão reparatória, já que não estariam evidenciados os aludidos prejuízos materiais.

Entretanto, constato efetiva violação de direito personalíssimo da autora, que deixou de auferir qualquer vantagem com a divulgação não-autorizada de parte do seu corpo, destinada a personificar resultados obtidos através do consumo do suplemento alimentar 'Thermo Cuts X´ (fls. 34 e 60).

Gize-se, neste tocante, que o próprio fabricante de suplementos nutricionais admitiu ter extraído a fotografia de site na Internet, sem obter a autorização da autora para utilização da sua imagem-retrato, o que, nos termos do já referido Enunciado da Súmula n° 403 do Superior Tribunal de Justiça, enseja, sim, indenização, independente da prova do respectivo prejuízo econômico.

E nem se diga que foi despropositado o uso da imagem de Anne Luise Becke Machado Freitas, visto que - por se cuidar de revista técnica justamente relacionada ao cultivo e cuidado específico com a massa corporal -, a exibição parcial do corpo da campeã mundial de fisiculturismo certamente conferiu vantagens financeiras, comerciais e imateriais à Neonutri Suplementos Nutricionais Ltda., que poderia ter contratado para a propaganda quaisquer dos atletas e modelos que aparecem em seu site da Internet como consumidores de seus produtos (disponível em <http://www.neonutri.com.br/atletas.asp> acesso nesta data).

Gize-se, a propósito, que a utilização da imagem-retrato da autora para comercialização de suplemento alimentar, in casu, mostra-se extremamente prejudicial à sua carreira, especialmente porque em sua composição existem substâncias proibidas pelos comitês de julgamento dos eventos e competições dos quais participa, sendo, pois, absolutamente indispensável a expressa anuência da atleta para a utilização de sua figura em campanhas publicitárias desta natureza.

Portanto, a reforma do decisum hostilizado - com a instituição da pretendida reparação -, constitui medida consentânea à situação jurídica subjacente, onde o ato ilícito ensejador da pretendida indenização resta bem evidenciado.

Aliás, neste sentido, do acervo de julgados deste pretório, destacam-se os seguintes precedentes:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. USO DE IMAGEM EM ENCARTE PUBLICITÁRIO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO EXTRAPATRIMONIAL OU ABALO PSÍQUICO. DANOS MORAIS AFASTADOS. REPARAÇÃO MATERIAL. NECESSIDADE. UTILIZAÇÃO DA FOTOGRAFIA COM FINS COMERCIAIS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

[...] Ante a utilização dado autor para fins publicitários, que inegavelmente tem o intuito de atrair o consumidor e aumentar as vendas da empresa, mesmo que não se possa dimensionar a lucratividade que da propaganda decorreu, porque vedado o locupletamento às custas de outrem, afigura-se necessária a compensação pecuniária do uso comercial da fotografia do postulante. (Apelação Cível n° 2007.027968-2, de São José. Relator: Juiz Henry Petry Junior. j. 29/01/2008).

E, mais,

CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. USO NÃO AUTORIZADO DE IMAGEM DA AUTORA EM MATERIAL PROPAGANDÍSTICO DE ESTÚDIO FOTOGRÁFICO. INFRAÇÃO AO ART. 5º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIREITO DE IMAGEM. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. CRITÉRIOS PARA O ARBITRAMENTO DA VERBA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE E ATENÇÃO ÀS PARTICULARIDADES DA ESPÉCIE. RECURSO PROVIDO.

A publicação não autorizada de fotografia de criança em material promocional de estabelecimento fotográfico configura lesão ao direito de imagem, dando ensejo ao reconhecimento de danos morais presumidos.

A indenização por danos morais será sempre fixada de modo a servir, a um só tempo, de abrandamento para a dor experimentada pelo ofendido e de exemplo dirigido ao ofensor para que não torne a reincidir, razão por que conterá, em si mesma, a força de uma séria reprimenda. (Apelação Cível n° 2011.056361-6, de Criciúma. Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. 24/01/2012).

Também:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - USO PROPOSITAL DA IMAGEM DA AUTORA EM CAMPANHA PUBLICITÁRIA DO MUNICÍPIO RÉU - AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO - SENTENÇA QUE AFASTOU PREJUDICIAL DE MÉRITO E JULGOU PROCEDENTE O PLEITO - ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM REITERADA EM SEDE RECURSAL - IMPROPRIEDADE DA TESE - INTERPRETAÇÃO DOS PEDIDOS CONFORME A INTENÇÃO DA LITIGANTE, EM ESTRITA OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE - MERITUM CAUSE - VIOLAÇÃO AO DIREITO À INTIMIDADE - GARANTIA EXPRESSAMENTE PREVISTA NO ART. 5º, X, DA CF - ABALO ANÍMICO CONFIGURADO - DEVER DE INDENIZAR INABALÁVEL - DECISUM DE PRIMEIRO GRAU IRREPROCHÁVEL - RECURSO DESPROVIDO.

"Ao examinar o pedido contido na inicial, o juiz deve fazer um exame sistemático, não se limitando a uma ou outra frase isolada, que pode não representar a real intenção do litigante." (Apelação Cível n° 2004.034063-8, Relator: juiz Jânio Machado, j. 20/10/09).

"Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral. [...]" (Apelação Cível n° 2010.005864-8, da Capital. Relator: Juiz Rodrigo Collaço, j. 13/01/2012).

Na mesma senda, por ocasião do julgamento da Apelação Cível n° 2008.068325-5, de minha relatoria, este órgão julgador fracionário decidiu, por votação unânime, na sessão de 15/03/2012 - presidida pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Eládio Torret Rocha, com voto do Excelentíssimo Senhor Desembargador Ronaldo Moritz Martins da Silva -, conceder indenização por dano moral em decorrência do uso não-autorizado de imagem para campanha publicitária:

APELAÇÕES CÍVEIS RECIPROCAMENTE INTERPOSTAS - INDENIZAÇÃO POR USO INDEVIDO DE IMAGEM EM CAMPANHA PUBLICITÁRIA - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - REPARAÇÃO FIXADA NA IMPORTÂNCIA CORRESPONDENTE A 15 (QUINZE) SALÁRIOS MÍNIMOS DE REFERÊNCIA - RECURSO DA EMPRESA RESPONSÁVEL PELA DIVULGAÇÃO DO MATERIAL - ALEGAÇÃO QUE DE QUE O AUTOR TERIA AUTORIZADO, EM UMA OUTRA OPORTUNIDADE, A UTILIZAÇÃO DA SUA FOTOGRAFIA NO FOLDER DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO, CONSENTIMENTO QUE PERSISTIRIA MESMO APÓS O DESLIGAMENTO DO ESTUDANTE - FIGURA NÃO EXPOSTA DE MANEIRA PEJORATIVA - ENTENDIMENTO DESTE SODALÍCIO E DO STJ NO SENTIDO DE QUE O USO INDEVIDO DE IMAGEM, POR SI SÓ, ENSEJA REPARAÇÃO À VÍTIMA - SENTENÇA MANTIDA NESTE PONTO.

INSURGÊNCIA DO DEMANDANTE, REFERINDO QUE O MAGISTRADO SINGULAR NÃO FIXOU A INCIDÊNCIA DE JUROS E, TAMPOUCO, CONDENOU AS REQUERIDAS A SUPORTAR OS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA - PRETENDIDA MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO PARA O EQUIVALENTE A 100 (CEM) SALÁRIOS MÍNIMOS DE REFERÊNCIA - FOTOGRAFIA E OPINIÃO DO AUTOR EXPOSTAS EM PROSPECTO DE EMPRESA CONCORRENTE - REPERCUSSÃO NEGATIVA NA CARREIRA DO APELANTE - MATERIAL PUBLICITÁRIO DE CIRCULAÇÃO NACIONAL - NECESSIDADE DE MAJORAÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA PARA O CORRESPONDENTE A 25 (VINTE E CINCO) SALÁRIOS MÍNIMOS - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA DEVIDOS A PARTIR DO ARBITRAMENTO DEFINITIVO - SENTENÇA QUE NÃO CONDENOU AS VENCIDAS AO PAGAMENTO DA VERBA HONORÁRIA ADVOCATÍCIA - DECISÃO REFORMADA NESTE SENTIDO - RECURSOS CONHECIDOS - PROVIMENTO PARCIAL, APENAS, DA INSURGÊNCIA DO DEMANDANTE.

No mesmo sentido, da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça colhe-se que

DIREITO CIVIL. USO DE IMAGEM NÃO AUTORIZADO. FINALIDADE COMERCIAL. AUSÊNCIA DE DANO MORAL. IRRELEVÂNCIA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. JULGAMENTO ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA.

Cuidando-se de uso não autorizado de fotografias do autor para fins comerciais ou publicitários, mesmo sendo o fotografado funcionário da primeira ré, o direito à imagem exsurge como direito autônomo em relação a outros do mesmo jaez, como honra e intimidade, sendo cabível a indenização independentemente de dano moral.

Por outro lado, os "fins comerciais" colimados com a publicação devem ser analisados de forma ampla, descabendo perquirir se o veículo publicitário em si era ou não lucrativo. Desde que a publicação integre, direta ou indiretamente, a estratégia comercial ou publicitária da empresa, é de se presumir a existência de vantagem comercial, ainda que indireta, sendo desimportante o fato de a revista ser distribuída de forma graciosa. [...] (Resp n° 711.644/SP, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, j. 15/12/2009).

E, para a fixação do valor da respectiva reparação, tenho reiteradamente manifestado o entendimento de que é necessário estabelecer um parâmetro que, conquanto seja suficiente para compensar o dano sofrido pela vítima - sem enriquecê-la indevidamente -, também possua caráter repreensivo, para que possa induzir o autor do ato ilícito a refletir sobre seu comportamento e as conseqüências negativas de sua conduta.

Portanto, tal juízo de valor deve ser realizado consoante os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sopesando as condições financeiras das partes e a reprovabilidade do ato a que se visa repelir.

A fim de legitimar este entendimento, do corpo de paradigmático acórdão de lavra do Desembargador Fernando Carioni, extrai-se que:

O dano moral é o prejuízo de natureza não patrimonial que afeta o estado anímico da vítima, seja relacionado à honra, à paz interior, à liberdade, à imagem, à intimidade, à vida ou à incolumidade física e psíquica. Assim, para que se encontre um valor significativo a compensar este estado, deve o magistrado orientar-se por parâmetros ligados à proporcionalidade e à razoabilidade, ou seja, deve analisar as condições financeiras das partes envolvidas, as circunstâncias que geraram o dano e a amplitude do abalo experimentado, a fim de encontrar um valor que não seja exorbitante o suficiente para gerar enriquecimento ilícito, nem irrisório a ponto de dar azo à renitência delitiva (Apelação Cível n° 2010.005026-4, j. 26/04/2010).

Em que pese seja indiscutível a dificultosa fixação do valor adequado à amenização do sofrimento da vítima, tenho para mim que a questão, neste ponto, deve ser examinada sob a ótica preponderante do caráter punitivo da conduta reprovável.

Assim, norteado pelos elementos postos, após compulsar detidamente os autos, entendo plausível fixar a indenização por dano moral em R$ 10.000,00 (dez mil reais), quantia que se revela suficiente para a compensação do dano infligido a Anne Luise Becke Machado Freitas, Campeã Mundial na modalidade Overall IFBB de bodybuilding (disponível em <http://www.annefreitas.com.br/campeonatomundial09/campeonatomundial09.html> acesso nesta data).

Dessarte, voto no sentido de se conhecer e dar provimento ao recurso, com a reforma da sentença combatida, condenando a Neonutri Suplementos Nutricionais Ltda. ao pagamento de indenização por uso indevido de imagem, fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), monetariamente corrigidos segundo o INPC-Índice Nacional de Preços ao Consumidor do IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e acrescidos dos juros de mora à razão de 1% (hum por cento) ao mês, a contar deste julgamento.

Como consequência lógica da solução aplicada, nos termos do disposto no art. 20 do Código de Processo Civil, atribuo à apelada o dever de honrar o pagamento das custas do processo e dos honorários advocatícios devidos aos patronos da oponente, estes no equivalente a 15% (quinze por cento) do valor da condenação.

Este é o voto.

Por derradeiro, determino seja remetida cópia fotostática autêntica e integral dos presentes autos ao Ministério Público, para apuração de prática contrária aos direitos do consumidor, especialmente a preconizada no art. 37, § 1°, da Lei n° 8.078/90 (publicidade enganosa ou abusiva).