domingo, 20 de janeiro de 2013


Princípio da insignificância

APE­LA­ÇÃO CRI­MI­NAL N.º 7125-­CE (2007.81.00.006736-­4)
Rel.: Des. Fe­de­ral Bru­no Leo­nar­do Câ­ma­ra Car­rá (Conv.)/4.ª Tur­ma
EMEN­TA -­ Pe­nal. Apro­pria­ção in­dé­bi­ta pre­vi­den­ciá­ria, art. 168-­A, Có­di­go Pe­nal. Prin­cí­pio da in­sig­ni­fi­cân­cia. Apli­ca­bi­li­da­de. va­lor in­fe­rior ao fi­xa­do na por­ta­ria MPAS n.º 1.105/2002 pa­ra os exe­cu­ti­vos fis­cais. Pos­si­bi­li­da­de de san­ção em ou­tra es­fe­ra que não a pe­nal.
I. A ju­ris­pru­dên­cia mais re­cen­te do Su­pre­mo Tri­bu­nal Fe­de­ral, no to­can­te à apli­ca­bi­li­da­de do prin­cí­pio da in­sig­ni­fi­cân­cia, vem bus­can­do eli­mi­nar da sea­ra pe­nal con­du­tas ir­re­le­van­tes, de pou­ca ex­pres­sam ou que pos­sam, de al­gum mo­do, ser re­pas­sa­das ou san­cio­na­das por ou­tras vias me­nos gra­vo­sas, reservando-­se o di­rei­to pe­nal pa­ra os ca­sos de real gra­vi­da­de, evi­tan­do a pu­ni­ção por atos me­no­res.
II. Não ex­ce­di­do o va­lor do tri­bu­to o li­mi­te pe­lo qual o Es­ta­do ex­pres­sou seu de­sin­te­res­se pe­la co­bran­ça, em se­de de exe­cu­ti­vo fis­cal, tem-­se por apli­cá­vel o prin­cí­pio da in­sig­ni­fi­cân­cia em vis­ta da pos­si­bi­li­da­de de san­ção em ou­tra es­fe­ra que não a pe­nal, pois não há a ex­tin­ção do cré­di­to tri­bu­tá­rio, mas o me­ro não ajui­za­men­to ou ar­qui­va­men­to sem bai­xa na dis­tri­bui­ção, sen­do pos­sí­vel, ain­da, so­frer o con­tri­buin­te ou­tras san­ções de na­tu­re­za ad­mi­nis­tra­ti­va en­quan­to per­du­rar a ina­dim­plên­cia.
III. O di­rei­to pe­nal, em tem­po de Es­ta­do De­mo­crá­ti­co de Di­rei­to e da ma­xi­mi­za­ção do prin­cí­pio da dig­ni­da­de hu­ma­na, de­ve ser sem­pre a úl­ti­ma es­fe­ra de im­pu­ta­ção aos in­di­ví­duos, e não a pri­mei­ra ou a pri­mor­dial.
IV. Ape­la­ção im­pro­vi­da.
(TRF/5.ª Região, Julgado em 22/06/2010)

Concurso público

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRA­VO DE INS­TRU­MEN­TO N.º 769.433-­CE
Rel.: Min. Eros Grau/2.ª Tur­ma

EMEN­TA Agra­vo Re­gi­men­tal no Agra­vo de Ins­tru­men­to. Ad­mi­nis­tra­ti­vo. Con­cur­so pú­bli­co. De­le­ga­do de po­lí­cia ci­vil. In­qué­ri­to po­li­cial. Ex­clu­são do cer­ta­me. Vio­la­ção do prin­cí­pio da pre­sun­ção de ino­cên­cia.

O Su­pre­mo Tri­bu­nal Fe­de­ral fi­xou en­ten­di­men­to no sen­ti­do de que vio­la o prin­cí­pio cons­ti­tu­cio­nal da pre­sun­ção de ino­cên­cia a ex­clu­são de can­di­da­to de con­cur­so pú­bli­co que res­pon­de a in­qué­ri­to ou ação pe­nal sem trân­si­to em jul­ga­do da sen­ten­ça con­de­na­tó­ria. Pre­ce­den­tes. Agra­vo re­gi­men­tal a que se ne­ga pro­vi­men­to.
(STF/DJe de 12/02/2010)

Dano moral sofrido pela vítima pode atingir terceiros

Por Flavia Romano

Há na jurisprudência dos tribunais do país consenso acerca da legitimidade para ação indenizatória àquele que tiver sofrido um dano. Indaga-se, todavia, se haveria uma limitação quanto aos ofendidos para pleitearem um ressarcimento por dano reflexo ou indireto. No julgamento do REsp 1208949, do qual foi relatora a eminente ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que os pais têm legitimidade para pleitear indenização por dano moral concorrentemente com a filha: “Reconhece-se a legitimidade ativa dos pais de vítima direta para, conjuntamente com essa, pleitear a compensação por dano moral por ricochete, porquanto experimentaram, comprovadamente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa”.
Na motivação do voto a ministra fez constar que “são perfeitamente plausíveis situações nas quais o dano moral sofrido pela vitima principal do ato lesivo atinja, por via reflexa, terceiros, como seus familiares diretos, por lhes provocarem sentimento de dor, impotência e instabilidade emocional.”
Com efeito, apesar de o legislador de 2002, no artigo 948, na hipótese de homicídio, não excluir o pagamento de indenização devido a “outras reparações”, manteve aberto o impasse acerca da legitimidade para a indenização a terceiros por danos morais. A dificuldade da reparação por dano moral, que assume também o caráter de pena privativa, advém da necessária ponderação da intensidade do vínculo afetivo entre vítima direta e terceiro. Em se tratando de pais, cônjuges, filhos e avós, o vínculo afetivo se verifica com relativa segurança, mormente se nada existir que possa afastar esta presunção. A preocupação, ao revés, se intensifica quando o pleito decorre de parentes distantes, amigos íntimos, noivos ou namorados.
O professor Sérgio Cavalieri Filho adverte quanto à impossibilidade de adoção de critérios absolutos para se determinar de antemão a legitimidade ativa no dano moral indireto: ”Um parente próximo pode sentir-se feliz pela morte da vítima, enquanto o amigo pode sofrer intensamente.”
Nesse sentido, apenas o caso concreto poderá revelar com alguma margem de certeza se o demandante realmente sofreu o dano e qual o vínculo afetivo existente.
Registre-se o julgamento dos Embargos Infringentes 0133034-93.2005.8.19.0001, da qual foi relatora a eminente Desembargadora Letícia Sardas, 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no qual se decidiu pelo provimento do pedido indenizatório dos tios da vítima por danos morais: “Embargos Infringentes. Ação indenizatória. “Chacina da Baixada”. Ponto Controverso apenas com relação à existência de dano moral em face do tio e da tia da Vítima. Indenização Devida. Desprovimento dos Embargos Infringentes. “... 3. Ocorre o dano em ricochete toda vez que outra pessoa é atingida indiretamente pelo ato ilícito causador do dano. 4. Os tios da vítima pleiteiam apenas os danos morais e não há como aderir à tese dos presentes embargos infringentes da inexistência de maior vínculo afetivo entre eles.”
Há ainda diversos julgados reconhecendo a legitimidade ativa de irmãos da vítima quanto ao pleito indenizatório. Neste sentido, acórdão recente de relatoria da eminente Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves, na Apelação Cível 0061604-42.2009.8.19.0001, do TJ-RJ: “O dano moral é direito personalíssimo, inserido na esfera individual de cada titular. O evento danoso é único, porém o dano que este causa repercute na esfera de vida de uma gama de pessoas eventualmente envolvidas ou ligadas àquela vítima. Dano Ricochete. Não podem os irmãos ser considerados ilegítimos titulares do dano sofrido com a morte precoce, violenta e inesperada do outro irmão, tão-somente porque outros parentes foram indenizados. Caberá ao julgador equilibrar a quantificação do dano quando do arbitramento do valor indenizatório e não afastar friamente o dano efetivamente sofrido com a trágica morte de um ente amado”.
Por derradeiro, apesar de vozes dissonantes na doutrina, a tendência jurisprudencial, especialmente em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana - artigo 3º, inciso III, da Constituição de 1988 -, é a de considerar desnecessária a prova do dano moral diante da presunção lógica de ligação afetiva intensa entre a vítima direta e o parente próximo. Como é cediço, o dano moral, enquanto mecanismo de reparação de lesão a direitos da personalidade, não se substitui pela equivalência monetária da dor ou do sofrimento causado – o que nem mesmo faria sentido -, mas aparece como um meio de atenuar o prejuízo imaterial constatado no caso concreto, aferido por parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem-se firmando, todavia, no sentido de estabelecer um limite para a indenização por danos morais nos casos de morte de pessoa da família, em cerca de 500 salários mínimos (RESP 278885 / SP; RESP 139779 / RS; RECURSO ESPECIAL 1997/0047933-1; RECURSO ESPECIAL 1993/0034264-9). Mas, sem embargo das referidas decisões, a doutrina vem se posicionando no sentido de exigir cautela às circunstâncias individuais que reclama o caso concreto. In casu, o professor Gustavo Tepedino aduz em Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República que o “parâmetro, todavia, deve ser flexibilizado de acordo com as circunstâncias concretas do caso e as condições pessoais daquele que pleiteia a indenização – não a sua capacidade econômica, mas a natureza da sua relação com o de cujus”.
Finalmente, no tocante à limitação do número de legitimados ativos para a demanda, o eminente Desembargador André Gustavo C. de Andrade da 7ª Câmara Cível do TJ-RJ in "Estudo Sobre a Evolução do Dano Moral", publicado na Revista da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro 24/141, acrescentou que “a cada legitimado à indenização por dano moral deverá tocar uma verba independente, correspondente à dor e à perda de cada um para a obtenção de reparação pelo dano moral sofrido. Não há, em tal situação, um único direito à postulação da reparação pelo dano moral, mas tantos direitos quantos forem aqueles que tiveram a sua esfera moral ou ideal atingida reflexamente pela morte do ser querido”.
Diante do que aqui se expôs, pode-se afirmar a necessidade da proteção de um invólucro fundamental da dignidade humana, vigiada pelos contornos do caso concreto, conquanto se exteriorize a lesão reflexa entre a vítima direta e a indireta.



Responsabilização dos sócios da pessoa jurídica e quais os meios de defesa cabíveis em caso de propositura de execução fiscal

Thales de Melo Brito Correia

É cediço, no que tange à matéria tributária, que a Certidão de Dívida Ativa (CDA), instrumento hábil para consubstanciar a exação fiscal proposta pela Fazenda Publica (após encerramento da fase administrativa), deve apresentar, dentre outros requisitos, 'o nome do devedor e, em sendo o caso, o dos co-responsáveis, o domicílio ou a residência de um e de outros' (art. 202, I do Código Tributário Nacional).

Muitos entendem que tal responsabilização, poderia caracterizar uma injustiça, tendo em vista, que o próprio devedor/contribuinte deveria ser responsável, unicamente, pela possível exação proposta contra si, contudo, resta patente, que se a Execução somente pudesse ser proposta em face do devedor, no presente caso, a pessoa jurídica, poderiam ocorrer fraudes, desvio de patrimônios, tudo, no intuito de burlar o sistema, vale dizer, constrição de bens, e, assim, gerar o caos, prejudicando a arrecadação do Fisco.

Assim, o Código Tributário Nacional, de forma taxativa, já antevendo tal situação, explicita, por exemplo, no seu art. 134, III, VII, que:

"Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis
Art. 134, III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
Art. 134, VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas."

Outrossim, em complementação ao citado dispositivo, no que se refere à Responsabilidade de Terceiros, preleciona o art. 135 do referido diploma que:

"Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes OU infração de lei, contrato social OU estatutos
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - OS DIRETORES, GERENTES OU REPRESENTANTES DE PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO." (Grifou-se)

Nesse sentido, amparo judicial existe para responsabilização dos ADMINISTRADORES, SÓCIOS (na liquidação de sociedades de pessoas), nos casos, de impossibilidade no cumprimento das obrigações principais (pagamento do tributo) e, dos DIRETORES, GERENTES OU REPRESENTANTES DE PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO, quando COMPROVADO, que estes atuaram, na forma descrita pelo supracitado dispositivo (art. 135 CTN), vale dizer, uma responsabilização pessoal, subjetiva.

Ocorre, que o grande problema verificado nos casos de Responsabilização de Terceiros, é a abusividade do Fisco, que de maneira desregrada insere tais pessoas nas exações fiscais, sem qualquer fundamento plausível, o que gera, um grande prejuízo, para esses representantes legais das pessoas jurídicas executadas. É nessa linha de raciocínio, que surge um questionamento: Até que ponto pode ser legal a responsabilização desses terceiros, na relação tributária e como fica o ônus da prova?

A Certidão de Dívida Ativa apresenta presunção juris tantum, vale dizer, relativa, gozando, assim, de presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.

Nessa diretriz, é assente, em posição consolidada no Superior Tribunal de Justiça, que: A) se a execução fiscal foi ajuizada somente contra a pessoa jurídica e, após o ajuizamento, foi requerido o seu redirecionamento contra o sócio-gerente, incumbe ao Fisco a prova da ocorrência de alguns dos requisitos do art. 135, do CTN: quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa; B) constando o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário na CDA cabe a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN, independentemente se a ação executiva foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio ou somente contra a empresa, tendo em vista que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza.

No intuito de demonstrar tal entendimento, vale trazer à baila, Jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça, que corrobora os argumentos supramencionados:

"TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. OFENSA AOS ARTS. 124 E 135 DO CTN. VERIFICADA. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO QUOTISTA. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA PELA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. CDA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE CERTEZA E LIQUIDEZ. NOME DO SÓCIO. REDIRECIONAMENTO. CABIMENTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ARTIGO 543-C, DO CPC. RESOLUÇÃO STJ 8/2008. ARTIGO 557, DO CPC. APLICAÇÃO.
1. A responsabilidade patrimonial secundária do sócio, na jurisprudência do E. STJ, funda-se na regra de que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa.
2. Todavia, em recente julgado, a Primeira Seção desta Corte Superior, concluiu, no julgamento do ERESP nº 702.232/RS, da relatoria do e. Ministro Castro Meira, publicado no DJ de 26.09.2005, que: a) se a execução fiscal foi ajuizada somente contra a pessoa jurídica e, após o ajuizamento, foi requerido o seu redirecionamento contra o sócio-gerente, incumbe ao Fisco a prova da ocorrência de alguns dos requisitos do art. 135, do CTN: quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa; b) constando o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário na CDA cabe a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN, independentemente se a ação executiva foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio ou somente contra a empresa, tendo em vista que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei nº 6.830/80.
3. "A orientação da Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos 'com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos'." Precedente: REsp. 1.104.900/ES, Primeira Seção, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJU 01.04.09 (...)
5. In casu, consta da CDA o nome dos representantes legais da empresa como co-responsáveis pela dívida tributária (fls. 23/24), motivo pelo qual, independente da demonstração da ocorrência de que os sócios agiram com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa, cabe o redirecionamento da execução.
(AgRg no AgRg no REsp 881.911/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 06/05/2009) (Grifou-se)

TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - REDIRECIONAMENTO - NOME DO SÓCIO NA CDA - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO NOS AUTOS.
1. A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que é caso de redirecionamento quando a ação já é proposta contra a pessoa jurídica e os sócios, cujos nomes se apresentam na CDA, hipótese na qual se inverte o ônus da prova.
2. In casu, a execução fiscal foi movida contra a sociedade e o sócio-gerente, cabendo a este o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN.
3. A alegação de que não há prova nos autos da atuação contrária às normas tributárias ou aos limites do estatuto só reforça a tese de que caberá aos sócios demonstrar a ausência de responsabilidade, o que, até agora, não ocorreu.
(...)
(AgRg no AgRg no REsp 1096874/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/10/2009, DJe 14/10/2009) (Grifou-se)

EXECUÇÃO FISCAL - REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO - FALTA DE PAGAMENTO DO TRIBUTO - AUSÊNCIA DE BENS - NÃO-CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS SÓCIOS - PRECEDENTES.
(...)
3. Conforme jurisprudência pacífica desta Corte Superior, o mero inadimplemento ou a não-localização de bens NÃO justificam a responsabilização tributária dos sócios, sendo necessário a comprovação de ter agido com excesso de poderes ou infração de lei.
(...)
(EDcl no AgRg no REsp 1095672/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/06/2009, DJe 25/06/2009)" (Grifou-se)

Por outro lado, vale ressaltar, que a própria Fazenda Nacional (PGFN), na tentativa de afunilar a inserção dos nomes dos representantes da pessoa jurídica na CDA (pois é cristalina a ilegalidade exacerbada relativa a tais inserções) publicou no último dia 26.02.2010, a Portaria nº 180/2010, a qual, estabelece, em linhas gerais, que a inclusão de um responsável na Certidão de Dívida Ativa da União Federal - CDA somente ocorrerá após a declaração fundamentada de autoridade competente da Receita Federal ou da própria PGFN acerca da ocorrência, de ao menos uma das seguintes situações em relação à sócio-gerente ou terceiro não sócio com poderes de gerência (administrador), quais sejam: a) ato praticado com excesso de poderes; b) ato praticado em infração à lei; c) ato praticado em infração ao contrato social ou estatuto; d) dissolução irregular da pessoa jurídica.

Os artigos, 1º e 2º da referida Portaria explicitam que:

Art. 1º Para fins de responsabilização com base no inciso III do art. 135 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, entende-se como responsável solidário o sócio, pessoa física ou jurídica, ou o terceiro não sócio, que possua poderes de gerência sobre a pessoa jurídica, independentemente da denominação conferida, à época da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária objeto de cobrança judicial.
Art. 2º A inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir:
I - excesso de poderes;
II - infração à lei;
III - infração ao contrato social ou estatuto;
IV - dissolução irregular da pessoa jurídica.
Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução, bem como do fato gerador, deverão ser considerados responsáveis solidários.

Inobstante tais esclarecimentos, vale ressaltar, que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, pacificando entendimento sobre a matéria em comento (em complemento ao entendimento esposado nas jurisprudências supra transcritas), fulminando as arbitrariedades cometidas pelo fisco (mesmo diante das diretrizes da supramencionada Portaria), aprovou, no último dia 24.03 do corrente, a Súmula Persuasiva nº 430, a qual, explicita que:

"Súmula 430: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente"

Doravante, conforme preleciona a Lei de Execução Fiscal (Lei 6830/80), proposta a Execução, e, inseridos os representantes da pessoa jurídica no pólo passivo da demanda, caso, não paguem o montante executado em 05 (cinco) dias ou garantam a Execução no mesmo prazo, poderão ter seus bens penhorados ou arrestados.

Com efeito, para apresentação de defesa, poderá ser oposta Exceção de Pré-Executividade, contudo, não comporta dilação probatória (será por meio de prova pré-constituída, quando por exemplo, as pessoas indicadas na Execução não eram representantes da pessoa jurídica à época da infração), ou apresentação dos Embargos à Execução (meio mais seguro e eficaz), devendo ser garantida a dívida, no montante executado, sendo, que nestes podem ocorrer a dilação de prova (perícias, dentre outras).

Opostos os Embargos à Execução, a defesa será apresentada, dentre outros argumentos, no intuito de apurar a existência ou não do excesso no poder de gestão da empresa, bem como a existência de atos que materializem a incidência da norma de responsabilidade de terceiros, sendo importante que o quadro de diretores/representantes legais apresentem provas da regularidade de sua gestão, no intuito de elidir a pretensão do Fisco.

Portanto, possível é a propositura de Execução em face dos representantes legais da pessoa jurídica, e lacunas existem, quando do ajuizamento de Execução em face dos sócios, diretores, representantes legais da pessoa jurídica, podendo, ser apresentada a defesa cabível, no momento oportuno, comprovando a ineficácia da pretensão do Fisco, ou até mesmo, a nulidade das alegações esposadas, no que tange à matéria supramencionada.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Frases de Nelson Rodrigues


1. Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.
2. Toda unanimidade é burra.
3. Toda mulher bonita tem um pouco de namorada lésbica em si mesmo.
4. Está se deteriorando a bondade brasileira. De quinze em quinze minutos, aumenta o desgaste da nossa delicadeza.
5. Um povo que ri da própria desgraça pode ser miserável. Mas jamais derrotado.
6. Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.
7. Nem toda mulher gosta de apanhar. Só as normais.
8. A liberdade é mais importante do que o pão.
9. Só o cinismo redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de ouro.
10. O dinheiro compra tudo, até o amor verdadeiro.
11. Os homens mentiriam menos se as mulheres fizessem menos perguntas.
12. Só o inimigo não trai nunca.
13. Invejo a burrice, porque é eterna.
14. O pudor é a mais afrodisíaca das virtudes.
15. Só o rosto é indecente. Do pescoço para baixo, podia-se andar nu.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013


Tia Peregrina
17 de janeiro de 2013

Luis Fernando Verissimo - O Estado de S. Paulo


Velha piada: qual é a diferença entre um visitante francês e um visitante judeu? O visitante francês vai embora sem se despedir, o judeu se despede mas não vai embora. Nós tínhamos uma tia - a famosa tia Peregrina - que seguia o método judeu. Quando a tia Peregrina começava a se preparar para sair, sabíamos que aquilo era apenas o início de uma longa retirada, prolongada por assuntos que ainda não tinham sido tratados. A tia Peregrina podia ficar em silêncio durante toda a visita mas na sua saída começavam a brotar assuntos e fofocas e revelações que tinham ficado esquecidas, todas lembradas pela tia Peregrina. A migração da tia Peregrina da sua cadeira até a calçada, que era onde a conversa ficava mais animada, podia levar horas. E se alguém sugerisse que voltassem para a sala e se sentassem de novo para continuar a conversa, a tia Peregrina era a primeira a protestar:

- Não, não. Estou indo embora. Já me despedi de todo o mundo

E não ia embora.

Durante muitos anos a tia Peregrina fez parte do folclore da família. Quando alguém se atrasava para sair de casa, ouvia:

- Vamos, tia Peregrina!.

Até amigos que nunca conheceram a tia Peregrina, mas conheciam sua fama, a evocavam para desculpar um atraso.

- Epa, desculpe. Dei uma de tia Peregrina.

Confesso que não sei qual era o parentesco dela conosco, nem que fim levou. Parte do seu hábitat, a calçada onde todas as conversas terminavam, ficou inabitável. Mas duvido que assaltantes e balas perdidas fossem impedi-la de contar a última. Sempre imagino a tia Peregrina sendo velada, e no momento em que vão tampar o caixão, levantando o dedo e dizendo:

- Esperem, tem uma que eu não contei.



Professores analfabetos digitais?


LUÍS ANTÔNIO GIRON
Luís Antônio Giron Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV (Foto: ÉPOCA)



O ministro da Educação Aloizio Mercadante anda tão encantado pela alta tecnologia, que pode colocar os alunos brasileiros em risco de completa imbecilização.
A tecnologia é obviamente fascinante e tem o poder de hipnotizar as multidões, quanto mais seus autoassumidos líderes. Mercadante, cuja formação não é em Pedagogia e sim em Economia (seria, então, um "ignorante pedagógico"?), parece ser mais uma presa da narcose e a alienação tecnológicas que assolam o Brasil e o mundo. Isso tem sido rotina no campo das artes e dos espetáculos: ninguém escapa de usar os novos aparelhos e de mergulhar nos smartphones, feito o personagem Gollum eletrizado (e destruído) pelo precioso anel que achou por acaso. No entanto, quando se trata da formação de jovens, eleger a tecnologia como a panaceia universal afigura-se como o mais deprimente desastre.
Vou tentar analisar as novas ideias do ministro e assim demonstrar que ele está fadado a cometer o maior equívoco de sua carreira: tomar os professores por ignorantes e jogar os alunos no poço dos leões da tecnologia da informação, confundindo-a com a solução final da educação. Por fim, vou aconselhar o ministro (que pretensão, mas não posso evitar) a adotar uma estratégia menos devastadora para capacitar os professores e seus alunos. Não que isso pareça preocupar o ministro. Ele, pelo jeito, só quer brilhar com um discurso que pensa ser “inovador”. 
Comecemos pelo discurso que Mercadante fez na terça-feira em São Paulo. Ele afirmou que os professores brasileiros não passam de “analfabetos digitais”. Ele argumenta que os professores precisam aprender o abecedário da informática para acompanhar a nova geração - esta, sim. formada em tecnologia da informação e, por conseguinte, mais apta a conhecer e interpretar o mundo contemporâneo. Baseado nessa “verdade”, anunciou que, para começar o processo, seu ministério irá distribuir dezenas de milhares de tablets aos professores da rede pública de todo o Brasil para solucionar o “déficit digital” das hordas autóctones de educadores que infelizmente povoam o Brasil com sua falta de conhecimento.  
Ou bem Mercadante está sendo um inocente útil, ou tem coisa aí. Ele proferiu seu discurso ao lado do professor americano Salman Khan, fundador da Khan Academy, que oferece pelo site YouTube aulas em cinco idiomas, inclusive em português e estava no evento para divulgar sua instituição. É o que Khan denomina “a maior sala de aula do mundo”. No seu livro recém-lançado no Brasil, Um mundo, uma escola – a educação reinventada (Intrínseca, 256 páginas, R$ 24,90, e-book: 19,90), Khan faz uma afirmação sedutora. Diz que não vê motivo econômico “para que estudantes do mundo inteiro não tenham acesso às mesmas lições que os filhos de Bill Gates”. Diz além: “Quando se trata de educação, nãos e deve temer a tecnologia, mas acolhê-la. Usadas com sabedoria e sensibilidade, aulas com auxílio de computadores podem realmente dar oportunidade aos professores de ensinarem mais e permitir que a sala de aula se torne uma oficina de ajuda mútua, em vez de escuta passiva”.
São ideias razoáveis, mas soam superficiais, boas demais para ser verdade. A impressão é de que Khan atua como um daqueles vendedores de xarope do Velho Sul (ele é da Louisiana), prometendo milagres aos indígenas e aos broncos dos vilarejos. E que usa Mercadante para vender seu sistema de ensino, como qualquer outro representante comercial de editora didática ou de cursinho. Se ele conseguir um contrato do governo, vai ficar mais rico que o ilustrador e escritor Ziraldo (cujos cartuns infantojuvenis são adotados do Oiapoque ao Chuí como de fossem obras didática), distribuindo seu produto miraculoso para centenas de milhões de escolas. Mas pode ser impressão.   
Nosso ministro da Educação está embarcando no conto de Khan. Tomara que ele esteja certo e aconteça uma revolução educacional – e cultural – no Brasil. Não acredito em milagres. Os grandes projetos estruturais de educação nas nações mais desenvolvidas – como Estados Unidos, Inglaterra, Suécia e França – se constroem a partir de bases sólidas de pesquisa e desenvolvimento das várias disciplinas. Contam com o apoio governamental para formar educadores e dar oportunidade aos alunos. Reúnem corpos docentes e dicentes em ambientes de interação e toca de ideias e pesquisas.
Não há, portanto, segredo para um projeto de educação eficiente: trata-se de consolidar o conhecimento com todos os meios disponíveis, inclusive os digitais. É nisso que Mercadante poderia pensar. Mas ele parece ter pressa em distribuir tablets para os que ele chama de “analfabetos”. Dessa forma, mesmo sem querer e com a melhor das intenções, poderá transformar transformar a rede pública de ensino em um gigantesco centro de diversões eletrônicas, em uma mega-lan-house. Tenho experiência nos efeitos que o uso dos gadgets digitais – como smartphones, laptops e tablets – provocam nos jovens: em vez de virar ferramentas de aprendizado, tornam-se veículos de fuga, distração e diversão. Em vez de estudo, videogames e redes sociais. Basta experimentar ler um livro em um tablet: a tentação é de fazer tudo menos ler. Os aparelhos digitais de ponta, até hoje, só arrancaram os estudantes de suas tarefas. Não conheço solução para isso até este momento. E agora os professores vão se converter em consumidores de aplicativos. Vão se viciar em joguinhos eletrônicos, em pesquisar qualquer coisa no Google e em atualizar seus status no Facebook – alguns já fazem isso há algum tempo. Um dia teremos saudades dos tempos em que eram “analfabetos digitais”, mas alfabetizados no conhecimento.
Espero que Mercadante desperte de seu estado de torpor informacional. Tenho vontade de sussurrar ao seu ouvido: “Ministro, acorde!” De uma vez por todas, não são os tablets, os celulares e outras traquitanas digitais que vão alfabetizar e transformar alguém. A solução será promover uma revolução nos currículos, na formação e nos sistemas e no modo como encaramos o conhecimento. Antes de combater o tal “analfabetismo digital”, é preciso erradicar o escandaloso analfabetismo funcional de muitos brasileiros. O resto é enganação. Meus queridos mestres, continuem assim, analógicos e offline. É melhor ser ignorante digital que geek idiota.
(Luís Antônio Giron escreve às quintas-feiras.) 

Professores analfabetos digitais?


LUÍS ANTÔNIO GIRON
Luís Antônio Giron Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV (Foto: ÉPOCA)



O ministro da Educação Aloizio Mercadante anda tão encantado pela alta tecnologia, que pode colocar os alunos brasileiros em risco de completa imbecilização.
A tecnologia é obviamente fascinante e tem o poder de hipnotizar as multidões, quanto mais seus autoassumidos líderes. Mercadante, cuja formação não é em Pedagogia e sim em Economia (seria, então, um "ignorante pedagógico"?), parece ser mais uma presa da narcose e a alienação tecnológicas que assolam o Brasil e o mundo. Isso tem sido rotina no campo das artes e dos espetáculos: ninguém escapa de usar os novos aparelhos e de mergulhar nos smartphones, feito o personagem Gollum eletrizado (e destruído) pelo precioso anel que achou por acaso. No entanto, quando se trata da formação de jovens, eleger a tecnologia como a panaceia universal afigura-se como o mais deprimente desastre.
Vou tentar analisar as novas ideias do ministro e assim demonstrar que ele está fadado a cometer o maior equívoco de sua carreira: tomar os professores por ignorantes e jogar os alunos no poço dos leões da tecnologia da informação, confundindo-a com a solução final da educação. Por fim, vou aconselhar o ministro (que pretensão, mas não posso evitar) a adotar uma estratégia menos devastadora para capacitar os professores e seus alunos. Não que isso pareça preocupar o ministro. Ele, pelo jeito, só quer brilhar com um discurso que pensa ser “inovador”. 
Comecemos pelo discurso que Mercadante fez na terça-feira em São Paulo. Ele afirmou que os professores brasileiros não passam de “analfabetos digitais”. Ele argumenta que os professores precisam aprender o abecedário da informática para acompanhar a nova geração - esta, sim. formada em tecnologia da informação e, por conseguinte, mais apta a conhecer e interpretar o mundo contemporâneo. Baseado nessa “verdade”, anunciou que, para começar o processo, seu ministério irá distribuir dezenas de milhares de tablets aos professores da rede pública de todo o Brasil para solucionar o “déficit digital” das hordas autóctones de educadores que infelizmente povoam o Brasil com sua falta de conhecimento.  
Ou bem Mercadante está sendo um inocente útil, ou tem coisa aí. Ele proferiu seu discurso ao lado do professor americano Salman Khan, fundador da Khan Academy, que oferece pelo site YouTube aulas em cinco idiomas, inclusive em português e estava no evento para divulgar sua instituição. É o que Khan denomina “a maior sala de aula do mundo”. No seu livro recém-lançado no Brasil, Um mundo, uma escola – a educação reinventada (Intrínseca, 256 páginas, R$ 24,90, e-book: 19,90), Khan faz uma afirmação sedutora. Diz que não vê motivo econômico “para que estudantes do mundo inteiro não tenham acesso às mesmas lições que os filhos de Bill Gates”. Diz além: “Quando se trata de educação, nãos e deve temer a tecnologia, mas acolhê-la. Usadas com sabedoria e sensibilidade, aulas com auxílio de computadores podem realmente dar oportunidade aos professores de ensinarem mais e permitir que a sala de aula se torne uma oficina de ajuda mútua, em vez de escuta passiva”.
São ideias razoáveis, mas soam superficiais, boas demais para ser verdade. A impressão é de que Khan atua como um daqueles vendedores de xarope do Velho Sul (ele é da Louisiana), prometendo milagres aos indígenas e aos broncos dos vilarejos. E que usa Mercadante para vender seu sistema de ensino, como qualquer outro representante comercial de editora didática ou de cursinho. Se ele conseguir um contrato do governo, vai ficar mais rico que o ilustrador e escritor Ziraldo (cujos cartuns infantojuvenis são adotados do Oiapoque ao Chuí como de fossem obras didática), distribuindo seu produto miraculoso para centenas de milhões de escolas. Mas pode ser impressão.   
Nosso ministro da Educação está embarcando no conto de Khan. Tomara que ele esteja certo e aconteça uma revolução educacional – e cultural – no Brasil. Não acredito em milagres. Os grandes projetos estruturais de educação nas nações mais desenvolvidas – como Estados Unidos, Inglaterra, Suécia e França – se constroem a partir de bases sólidas de pesquisa e desenvolvimento das várias disciplinas. Contam com o apoio governamental para formar educadores e dar oportunidade aos alunos. Reúnem corpos docentes e dicentes em ambientes de interação e toca de ideias e pesquisas.
Não há, portanto, segredo para um projeto de educação eficiente: trata-se de consolidar o conhecimento com todos os meios disponíveis, inclusive os digitais. É nisso que Mercadante poderia pensar. Mas ele parece ter pressa em distribuir tablets para os que ele chama de “analfabetos”. Dessa forma, mesmo sem querer e com a melhor das intenções, poderá transformar transformar a rede pública de ensino em um gigantesco centro de diversões eletrônicas, em uma mega-lan-house. Tenho experiência nos efeitos que o uso dos gadgets digitais – como smartphones, laptops e tablets – provocam nos jovens: em vez de virar ferramentas de aprendizado, tornam-se veículos de fuga, distração e diversão. Em vez de estudo, videogames e redes sociais. Basta experimentar ler um livro em um tablet: a tentação é de fazer tudo menos ler. Os aparelhos digitais de ponta, até hoje, só arrancaram os estudantes de suas tarefas. Não conheço solução para isso até este momento. E agora os professores vão se converter em consumidores de aplicativos. Vão se viciar em joguinhos eletrônicos, em pesquisar qualquer coisa no Google e em atualizar seus status no Facebook – alguns já fazem isso há algum tempo. Um dia teremos saudades dos tempos em que eram “analfabetos digitais”, mas alfabetizados no conhecimento.
Espero que Mercadante desperte de seu estado de torpor informacional. Tenho vontade de sussurrar ao seu ouvido: “Ministro, acorde!” De uma vez por todas, não são os tablets, os celulares e outras traquitanas digitais que vão alfabetizar e transformar alguém. A solução será promover uma revolução nos currículos, na formação e nos sistemas e no modo como encaramos o conhecimento. Antes de combater o tal “analfabetismo digital”, é preciso erradicar o escandaloso analfabetismo funcional de muitos brasileiros. O resto é enganação. Meus queridos mestres, continuem assim, analógicos e offline. É melhor ser ignorante digital que geek idiota.
(Luís Antônio Giron escreve às quintas-feiras.)