CESSAÇÃO DE PRÁTICA
Confissão em infração concorrencial
é inconstitucional
Por José Luis Oliveira Lima e
Rodrigo Dall'Acqua
[Artigo publicado originalmente no
jornal Valor Econômico desta terça-feira (9/4)]
O Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) aprovou, em março, uma resolução que modifica as regras para
celebração do Termo de Compromisso de Cessação de Prática (TCC). Em um breve
resumo, o TCC é um acordo celebrado entre o Cade e a pessoa jurídica ou física
investigada por uma suposta infração concorrencial, pondo fim ao inquérito ou
processo administrativo mediante o cumprimento de certas obrigações, como o
pagamento de multa. Dentre as mudanças, destaca-se o texto do artigo 185, que
prevê, em caso de "investigação de acordo, combinação, manipulação ou
ajuste entre concorrentes, o compromisso de cessação deverá, necessariamente,
conter reconhecimento de participação na conduta investigada por parte do
compromissário". Ou seja, agora, nas investigações de cartel, o TCC
somente poderá ser celebrado se houver confissão.
A exigência de admissão de culpa é
um enorme obstáculo à assinatura do termo de compromisso, uma vez que a
infração administrativa que pune o acordo de concorrentes corresponde perfeitamente
ao delito de formação de cartel, punido com penas de dois a cinco anos de
reclusão. Neste caso, confessar a prática de uma conduta anticoncorrencial
significa também reconhecer ter cometido um crime. A confissão da prática de
formação de cartel já está prevista no acordo de leniência, mas com uma
diferença fundamental: o leniente confessa o delito, auxilia nas investigações
e recebe, em contrapartida, a imunidade criminal para os crime cometidos. Quem
celebra um acordo de leniência pode reconhecer a prática do ilícito penal com a
certeza de que não será punido; tratando-se de TCC, ao contrário, a confissão
não vem acompanhada de nenhuma espécie de benefício criminal.
Hoje, portanto, aquele que assinar
um Termo de Compromisso de Cessação de Prática e confessar sua participação na
formação de um cartel também estará assumindo a autoria e reconhecendo a
materialidade de um crime punido com reclusão. Para a Justiça criminal essa
admissão de culpa poderá atenuar a pena, mas, sem dúvida, facilitará em muito o
trabalho da acusação na busca por uma sentença condenatória. Nesse cenário, é
importante lembrar que a Lei 12.529, de 2011, que instituiu o
"SuperCade", alterou minimamente a pena para o crime de formação de
cartel, mas o bastante para subtrair um relevante benefício processual-penal: a
suspensão condicional do processo. Graças à aplicação desse instituto, também
conhecido como sursis processual, as ações penais por formação de cartel podiam
ser suspensas mediante a submissão dos acusados a um período de prova, com
comparecimento regular ao fórum e pagamento de multas. Ocorre que atualmente a
suspensão condicional do processo, benefício que impediu inúmeros processos e
condenações em rumorosos casos de cartel, não é mais aplicável. Com as regras
processuais mais rígidas, evidentemente não será um bom negócio para o
averiguado confessar que celebrou acordo com seus concorrentes. Sem imunidade e
sem a suspensão condicional do processo, a condenação criminal será
praticamente certa.
Muito além de um criar um péssimo
acordo para o cidadão investigado, a resolução do Cade também é
inconstitucional. Ao exigir a confissão como condição para assinatura do TCC,
erigiu um enorme obstáculo que não havia sido previsto pelo legislador. Feriu a
nossa Constituição Federal ao criar, por meio de uma resolução, uma obrigação
não contida na lei. O princípio constitucional da legalidade impede que a norma
regulamentadora altere os limites da norma regulamentada. A única obrigação
contida na Lei 12.529, especificamente sobre "hard core" cartel, está
no paragrafo 2º do artigo 85, que não exige confissão de culpa, mas sim a
obrigação de recolher determinado valor ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
A inovação trazida pelo Cade alterou
substancialmente o objetivo da lei (possibilitar acordos de cessação de
prática) e atentou contra o princípio constitucional da não autoincriminação. A
validade dessa garantia não se restringe ao âmbito criminal, mas se aplica em
outros juízos e certamente também em procedimentos administrativos. O cidadão
não pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo, confessando ou
colaborando com a investigação. A resolução do Cade criou uma obrigação não
contida na lei e que ainda por cima atenta contra o direito ao silêncio, sendo
difícil não vislumbrar sua inconstitucionalidade.
Como efeito imediato da nova
resolução do Cade teremos o afastamento de eventuais interessados em celebrar o
TCC, já que a admissão de participação na prática da infração concorrencial
implicará em verdadeiro esboço de sentença condenatória criminal por formação
de cartel, sem qualquer imunidade ou benefício processual. O questionamento da
legalidade desta restrição também poderá ocorrer, já que maculados os
princípios constitucionais da legalidade e da garantia contra a autoincriminação.
José Luis Oliveira Lima é advogado,
sócio do Oliveira Lima, Hungria, Dall"Acqua e Furrier Advogados.
Rodrigo Dall'Acqua é advogado, sócio
do Oliveira Lima, Hungria, Dall"Acqua e Furrier Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 9 de
abril de 2013
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