Entre
os olhos e o coração
Mentir
a aparência na internet afasta no mundo real
IVAN
MARTINS
Em tempos de
internet e redes sociais estamos fadados a nos envolver com desconhecidos. O
garoto acha bonita a foto da garota no Twitter e faz um elogio. Pronto. A
mulher gosta das palavras do homem no Facebook e curte. Começou. Um não sabe
nada sobre outro, mas, rapidamente, dois estranhos se tornam íntimos. Às vezes,
apaixonadamente. Então acontecem os problemas.
Outro dia, me
contaram uma história triste de desencontro digital.
Uma moça conheceu
um rapaz pela internet e se encantou pela conversa dele. Passaram a se falar
por telefone e o entusiasmo cresceu. Finalmente, marcaram um encontro, e aí se
deu o desastre: ele não era como na foto. Apesar de sentir-se culpada e até
mesmo envergonhada, ela não conseguiu superar a decepção. Reconhecia o rapaz
que a fascinara quando ele falava, mas não conseguia sentir o que sentira antes
de vê-lo. Os olhos falaram mais alto que o coração.
O manual de conduta
moral recomenda que, nessas ocasiões, a gente critique a moça que julga as
pessoas pela aparência e não é capaz de reconhecer um homem interessante por
trás de um rosto menos atraente. Mas eu, pessoalmente, não farei isso. Acho que
só poderia julgá-la com rispidez quem nunca se deixou atrair (ou repelir) pela
aparência dos outros. Quantos de nós somos capazes de observar apenas a
personalidade das pessoas que nos cercam, sem se importar com a beleza ou a
feiúra delas? Bem poucos, eu suponho.
Entre os homens, a
decisão baseada em beleza é regra, não exceção. Ouvi falar de caras que marcam
encontros pela internet e, antes de se aproximar, espiam de longe para ter
certeza de que a moça é mesmo bonita como imaginavam. Se não for, vão embora e
telefonam desmarcando, com uma desculpa qualquer. Talvez mulheres façam o
mesmo. Ninguém quer ser “passado para trás” nesse tipo de situação.
Acho que esses
desencontros evidenciam dois tipos de problemas.
O primeiro, antigo
como a espécie humana, mas piorando acentuadamente, diz respeito aos nossos
valores. Somos, cada vez mais, um bando de idiotas que julga a si mesmo e aos
outros pela simetria facial, a circunferência da cintura e a rigidez dos
glúteos. Essa não é a receita da felicidade universal, nem mesmo a fórmula para
uma vida mentalmente saudável. Há sociedades mais modernas e bem-sucedidas que
a nossa em que a aparência é um aspecto menos importante das relações
interpessoais. Gente bonita leva vantagem em qualquer parte do mundo, mas isso
não significa que pessoas comuns sejam discriminadas. Ou discriminem a si
mesmas, o que é ainda pior.
O outro problema é
a internet e os engodos que ela propicia.
Nas redes sociais e
sites de relacionamentos todo mundo é lindo. As fotos são escolhidas com
esmero, ou meticulosamente photoshopadas para impressionar e seduzir. O truque
funciona. Qualquer foto sexy e bonita faz crescer o número de amigos e
seguidores nas redes sociais. O problema é que o objetivo final dessa
publicidade enganosa é um encontro frente a frente. De que adianta colocar
fotos de tirar o fôlego na internet e aparecer depois, pessoalmente, com a
carinha sem graça que Deus lhe deu? O desapontamento que isso provoca é
devastador.
No mundo real,
quando uma pessoa sem atrativos se aproxima para conversar, a expectativa que
ela provoca é baixa. Mas o grau de interesse do outro sobe rapidamente de
acordo com a qualidade do papo e a empatia que ele produz. A atenção cresce à
medida que se manifestam o humor, o charme e a personalidade. Pode acontecer
que em meia hora ou em duas semanas a outra pessoa esteja totalmente seduzida.
Todos conhecem esse tipo de história. Acontece o tempo todo.
Com o encontro
antecedido de fraude na internet ocorre o contrário. O interesse do outro
começa lá em cima, em 100, mas, assim que a pessoa se mostra de verdade, como
realmente é, ele vai caindo para 70, 60, 40... É difícil conter uma derrocada
dessas. O desapontamento e a sensação de logro são muito fortes. Quem esperava
pela beleza não aceita receber outra mercadoria. Sente-se injustiçado.
Se eu pudesse mudar
as coisas num passe de mágica, faria com que nós, todos nós, fôssemos menos
preocupados com a aparência. Quando se trata de relacionamentos, ela, sabidamente,
não nos leva além da página 2. É apenas um bom começo. Se não houver outras
razões para atrair interesse, o fascínio da beleza evapora como éter – deixando
no ar um cheirinho enjoativo.
Como eu não acho
que a obsessão coletiva com a beleza vá desaparecer tão cedo do nosso meio,
recomendo respeitá-la. Não tente se fingir de galã na internet se você não é.
Não tente parecer uma gata sedutora se não for o caso. Uma foto boa, mas
honesta, e intervenções online inteligentes, podem levar mais longe. Outra
coisa importante e que precisa ser lembrada: cada um de nós é mais bonito do
que imagina ser.
A história que abre
esta coluna é verdadeira e sugere que enganar as pessoas na internet não é uma
alternativa se você pretende aproximar-se delas. Melhor mostrar-se como é,
ainda que não pareça o Brad Pitty ou a Halle Barry. Assim, quando estiver
frente a frente com a pessoa que seduziu à distância, a impressão só tende a
melhorar. Com sorte, logo no primeiro encontro você passará da página 2 e
entrará no território da sensibilidade e dos sentimentos. Nesse terreno, graça,
caráter e sensualidade conduzem o processo. E a aparência conta muito menos.
Para a sorte de todos nós.
van Martins é
editor-executivo da revista Época, autor do livro Alguém especial e escreve em
epoca.com.br todas as quartas-feiras
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