A TODA PROVA
Normas de repetição obrigatória e de imitação
Por Aldo de Campos Costa
O preâmbulo da Constituição Federal não é uma
norma de reprodução obrigatória nas Constituições Estaduais (Prova objetiva
seletiva do concurso público para provimento cargos de Auditor Federal de
Controle Externo do Tribunal de Contas da União).
O processo objetivo de fiscalização normativa
abstrata, quando instaurado perante os Tribunais de Justiça, somente pode ter
por objeto leis ou atos normativos municipais, estaduais ou distritais, desde
que contestados em face da própria Constituição Estadual, ou, sendo o caso, da
Lei Orgânica do Distrito Federal, que representam, nesse contexto, o único
parâmetro de controle admitido pela Constituição Federal (STF Rcl-MC 3.436). Em
outros dizeres, os Tribunais de Justiça não podem, no âmbito do controle
concentrado, declarar a inconstitucionalidade tomando como parâmetro de
controle a Constituição da República, tarefa incumbida exclusivamente ao
Supremo Tribunal Federal[1].
Em se tratando de reprodução, pelo
constituinte decorrente, de normas da Constituição da República de observância
compulsória por parte das unidades federadas, a jurisprudência constitucional
admite a utilização da ação direta de inconstitucionalidade estadual para
efeito de fiscalização concentrada de constitucionalidade de leis ou atos
normativos locais. Ressalva-se, porém, a possibilidade de interposição de
recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, se a interpretação da
norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de
observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta
(STF Rcl 383).
Note-se que somente a questão de
interpretação de normas centrais da Constituição da República, de repetição
obrigatória na Constituição Estadual, é que autoriza a admissão do recurso
extraordinário (STF AgR-RE 353.350), pois, independentemente de estarem ou não
reproduzidas na Carta Estadual, incidem na ordem local. O mesmo não se dá com
as normas de imitação, atinentes a determinadas matérias em que o constituinte
estadual poderia inovar, adotando solução própria, mas prefere ele copiar
disposição da Constituição da República, que, não fora isto, não incidiria na
ordem local (STF Rcl 370).
Admite-se arguição incidente de
inconstitucionalidade em face da Constituição da República no curso de ação direta
proposta no Tribunal de Justiça com a arguição de ofensa à Constituição
Estadual, dando margem a que a decisão tomada na ação direta seja atacada por
meio de recurso extraordinário, a fim de que a questão incidente, em que está
em causa a Constituição da República, venha a ser examinada pelo Supremo (STF
Rcl 526).
Em não havendo a interposição do recurso
extraordinário ou de não oferecimento de reclamação, duas são as situações
possíveis: 1ª) o Tribunal afirmará a improcedência da arguição de inconstitucionalidade,
declarando, com eficácia erga omnes, que a lei estadual ou municipal é
compatível com a Constituição Estadual; 2ª) o Tribunal afirmará a procedência
da arguição, reconhecendo a inconstitucionalidade da lei estadual ou municipal,
com eficácia geral.
Na primeira hipótese, isto é, no caso em que
a lei municipal ou estadual foi tida como constitucional pelo Tribunal de
Justiça, a eficácia erga omnes da decisão ficará restrita ao âmbito da
Constituição Estadual, não impedindo, portanto, a declaração de sua
inconstitucionalidade, em controle difuso ou em controle concentrado, em face
da Constituição da República, inclusive com base nos mesmos princípios que
serviram para a reprodução[2]. Se,
porém, a decisão do Tribunal de Justiça, na ação direta, declara a nulidade da
norma municipal ou estadual impugnada, com trânsito em julgado, não haverá
objeto para a arguição de inconstitucionalidade no âmbito do Supremo, por haver
a norma deixado de existir na esfera do ordenamento que integrava[3].
Registre-se, por oportuno, que o Supremo pode
limitar, no âmbito do controle difuso, os efeitos (ex nunc, ex tunc, ou pro
futurum) da declaração de inconstitucionalidade proferida por Tribunal de
Justiça em ação direta (STF Pet-MC segunda 2859), sendo-lhe facultado, assim,
emprestar efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto contra acórdão
de Tribunal de Justiça que julga procedente arguição de inconstitucionalidade
de norma de repetição obrigatória.
A decisão tomada em recurso extraordinário
interposto em ação direta de inconstitucionalidade estadual, por se tratar de
controle concentrado, tem os efeitos que teria a decisão recorrida, e,
portanto, eficácia erga omnes, que não se limitará apenas ao Estado, mas se
estenderá a todo o país, porquanto emanada de julgado do Supremo. Não há,
portanto, necessidade de comunicação ao Senado Federal dessa decisão, ainda que
esteja em causa norma constitucional estadual que reproduz norma da
Constituição da República (STF RE 187.142).
É possível ocorrer a propositura simultânea
de ação direta de inconstitucionalidade contra lei estadual perante o Supremo e
o Tribunal de Justiça. Em uma tal situação, dar-se-á a suspensão do processo no
Tribunal de Justiça, até a decisão final do Supremo. A interpretação pelo
Supremo da norma constitucional federal reproduzida na Constituição Estadual
vincula erga omnes, restando prejudicada, no tribunal local, a ação direta de
inconstitucionalidade nele ajuizada, por ofensa à regra constitucional
estadual, que reproduza dispositivo constitucional estadual. Julgada procedente
a ação direta, por ofensa à regra reproduzida no âmbito estadual, a ação ficará
prejudicada no Tribunal de Justiça por este fundamento. Se, no entanto, a ação
direta de inconstitucionalidade no âmbito do tribunal local estiver baseada em
outros fundamentos, além da alegação de ofensa de normas reproduzidas e a
decisão do Supremo, na ação perante ele ajuizada, simultaneamente, der pela
improcedência da demanda, a ação, no Tribunal de Justiça, prosseguirá por esses
outros fundamentos (STF AgR-Rcl 425 e STF ADI 2.361).
Indaga-se, por fim, se os Estados membros
podem instituir a ação declaratória de constitucionalidade no âmbito da unidade
federada com objetivo de afirmar a legitimidade de atos normativos estaduais e
municipais em face da Constituição Estadual. Não obstante a EC 3/93 tenha se
silenciado a respeito do tema, a melhor doutrina constitucionalista é no
sentido de que na autorização para que os Estados instituam a representação de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da
Carta Estadual (C.R., artigo 125, parágrafo 2º), resta implícita a
possibilidade de criação da própria ação declaratória de constitucionalidade,
por simetria ao modelo federal, desde que feita por meio de emenda à
Constituição Estadual[4].
[1] Cf. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição
Federal Anotada. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1.113.
[2] A questão foi posta à apreciação do
Supremo na Rcl nº 370. Um partido político aforara, perante o Tribunal de
Justiça do Estado do Mato Grosso, ação direta, contestando a
constitucionalidade de determinadas leis frente à Constituição do Estado. A
Assembleia Legislativa, então, interpôs a mencionada reclamação, sustentando
que o processamento da ação direta, no Tribunal Estadual, implicaria usurpação
da competência do Supremo, dado que a Constituição Estadual limitara-se a
reproduzir normas da Constituição Federal. O Tribunal Pleno, por unanimidade,
julgou procedente a reclamação, para avocar o conhecimento do processo ao Supremo
Tribunal Federal. Destaco do voto do ministro Carlos Velloso o seguinte
excerto: “Se o Tribunal de Justiça estadual, decidindo a ação direta que lhe
foi apresentada, expede uma certa decisão a respeito, com efeito erga omnes,
haverá de cercear a competência do Supremo Tribunal Federal, porque, no fundo,
o conflito é o mesmo com a Constituição Federal. E o Supremo Tribunal Federal
haverá, nesse ponto, de construir, sob pena de a Constituição Federal receber,
indiretamente, reflexamente, diversas interpretações nos diversos
Estados-membro, de forma definitiva”.
[3] Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. O Controle
de Constitucionalidade do Direito Estadual e Municipal na Constituição Federal
de 1988. In: Revista Jurídica Virtual. Brasília, vol. 1, n. 3, julho 1999.
[4] Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. O Controle
de Constitucionalidade do Direito Estadual e Municipal na Constituição Federal
de 1988. In: Revista Jurídica Virtual. Brasília, vol. 1, n. 3, julho 1999.
Aldo de Campos Costa exerce o cargo de
assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi professor substituto da
Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 8 de maio de 2013
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