sábado, 4 de maio de 2013

Blog do Noblat


POEMA DA NOITE

A plenos pulmões (trechos) - Vladimir Maiakovski

Caros camaradas futuros ! 
Revolvendo a merda fóssil de agora
pesquisando estes dias escuros,  
talvez perguntareis por mim.  
Ora, começará vosso homem de ciência,
afogando os porquês num banho de sabença,
Conta-se que outrora um férvido cantor 
a água sem fervura combateu com fervor.
Professor, jogue fora  as lentes – bicicleta !
A mim cabe falar de mim, de minha era.
Eu - incinerador, eu - sanitarista, 
a revolução me convoca e me alista.
Troco pelo front a horticultura airosa 
da poesia - fêmea caprichosa.
Escutai, camaradas futuros, 
o agitador, o cáustico caudilho,
o extintor de melífluos enxurros:
por cima dos opúsculos líricos eu vos falo 
-  como um vivo aos vivos.
Chego a vós, à comuna distante, 
não como Iessienin, guitarriarcaico,
mas através dos séculos em arco,
sobre os poetas e sobre os governantes.
Meu verso chegará, não como a seta 
lírico-amável que perseguia a caça,
nem como a luz  das estrelas decrépitas.
Meu verso, com labor, rompe a mole dos anos, 
e assoma a olho nu, palpável, bruto, 
como a nossos dias chega o aqueduto 
levantado por escravos romanos.
Desdobro minhas páginas  - tropas em parada, 
e passo em revista o front das palavras.
Poemas-canhões, rígida coorte, 
apontando as maiúsculas abertas.
Ei-la, a cavalaria do sarcasmo, 
minha arma favorita, alerta para a luta.
Rimas em riste, sofreando o entusiasmo, 
eriça suas lanças agudas.
E todo este exército aguerrido,
vinte anos de combates, não batido,
eu vos dôo, proletários do planeta, 
cada folha, até a última letra.
O inimigo da colossal classe obreira 
é também  meu inimigo figadal.
Anos de servidão e de miséria 
comandavam nossa bandeira vermelha.
Nós abríamos Marx, volume após volume, 
nossas janelas abertas amplamente,
Mas ainda sem ler saberíamos o rumo: 
onde combater, de que lado, em que frente.
Morre, meu verso, 
como um soldado anônimo na lufada do assalto.
Partilhemos a glória entre nós todos, 
o comum monumento : o socialismo!
- forjado na refrega e no fogo.
Vindouros, varejai vossos léxicos; 
do Letes, brotam letras como lixo: 
- tuberculose, bloqueio, meretrício.
Por vós, geração de saudáveis, 
um poeta, com a língua dos cartazes,
lambeu os escarros da tísis.
A cauda dos anos faz-me agora 
um monstro, fossilcoleante.
Camarada vida,vamos, para adiante, 
galopemos pelo quiquêniio afora.
Os versos para mim não deram rublos, 
nem mobílias de madeiras caras.
Uma camisa, lavada e clara, basta 
- para mim é tudo.
Ao Comitê Central do Futuro Ofuscante, 
sobre a malta dos vates, velhacos e falsários, 
apresento em lugar do registro partidário
todos os cem tomos dos meus livros militantes.

Vladimir Maiakovski (Bagdadi, Rússia, 19 de julho de 1893 - Moscou, 14 de abril de 1930) - Poeta e dramaturgo, considerado um dos mais influentes autores do século XX. Foi um dos fundadores do movimento artístico futurista da Rússia. Ao lado de figuras como Meyerhold, participou da criação de um novo teatro russo influenciado pela arte construtivista. As traduções foram feitas por Carrera Guerra, Boris Schneiderman, Augusto de Campos e Haroldo de Campos

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