quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013


Enviado por Ricardo Noblat - 
20.2.2013
 | 15h03m
TEXTOS NOTÁVEIS

Machado de Assis: Memórias Póstumas de Brás Cubas

Pela imensa admiração, a justificada timidez em resumirMachado de Assis. Mas é impossível termos uma seção chamada 'Textos Notáveis' sem falar em Machado, o mais notável dos escritores brasileiros. E falar em Machado sem citar, mesmo resumido, Memórias Póstumas de Brás Cubas, seria simplesmente uma heresia.

Publicado em folhetins na Revista Brasileira de 15 de março a 15 de dezembro de 1880, e como livro em 1881, é a obra que define sua carreira literária.
Narrado na primeira pessoa pelo falecido Brás Cubas, o livro abre com esta “Dedicatória”: Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas.  Para só depois se dirigir ao Leitor.
Foi traduzido em muitas línguas, mas tem, em sua tradução para o inglês, um título que considero brilhante: Epitaph of a small winner
Todos os 160 capítulos são magníficos. Escolhi dois que, a meu ver, retratam bem o “defunto-autor” da autobiografia:

Capítulo 51 (resumido)
Brás Cubas volta de uma festa em casa dos Lobo Neves, onde fora recebido pela dona da casa, sua antiga namorada Virgília, com esta saudação:
"O senhor hoje há de valsar comigo.
Em verdade, eu tinha fama e era valsista emérito; não admira que ela me preferisse. Valsamos uma vez, e mais outra vez. Um livro perdeu Francesca; cá foi a valsa que nos perdeu". 
Ele sai da festa com uma certeza absoluta: que a teria em seus braços quando quisesse. E só pensava nisso “É minha! É minha!”.
No caminho vê algo brilhar no chão, examina, vê que é uma moeda de ouro e a põe no bolso não sem antes se certificar que ninguém notara.
No dia seguinte sua consciência lhe dá alguns repelões e ele pensa que a moeda pode ser de alguém necessitado. Resolve devolvê-la e o faz através de uma carta ao chefe de polícia.
“Mandei a carta e almocei tranqüilo, posso até dizer que jubiloso. Minha consciência valsara tanto na véspera, que chegou a ficar sufocada, sem respiração; mas a restituição da meia dobra foi uma janela que se abriu para o outro lado da moral; entrou uma onda de ar puro, e a pobre dama respirou à larga”.
Segue-se um diálogo entre ele e sua consciência, que ele chama de ‘minha dama interior’ e esta lhe diz:
“— Fizeste bem, Cubas; andaste perfeitamente. Este ar não é só puro, é balsâmico, é uma transpiração dos eternos jardins. Queres ver o que fizeste, Cubas?
E a boa dama sacou um espelho e abriu-mo diante dos olhos. Vi, claramente vista, a meia dobra da véspera, redonda, brilhante, nítida, multiplicando-se por si mesma, — ser dez — depois trinta — depois quinhentas, — exprimindo assim o benefício que me daria na vida e na morte o simples ato da restituição.
E eu espraiava todo o meu ser na contemplação daquele ato, revia-me nele, achava-me bom, talvez grande. Uma simples moeda, hem? Vejam o que é ter valsado um pouquinho mais.
Assim, eu, Brás Cubas, descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.
Talvez não entendas o que aí fica; talvez queiras uma coisa mais concreta, um embrulho, por exemplo, um embrulho misterioso. Pois toma lá o embrulho misterioso”.

Capítulo 52
O embrulho misterioso
Foi o caso que, alguns dias depois, indo eu a Botafogo, tropecei num embrulho, que estava na praia. Não digo bem; houve menos tropeção que pontapé. Vendo um embrulho, não grande, mas limpo e corretamente feito, atado com um barbante rijo, uma coisa que parecia alguma coisa, lembrou-me bater-lhe com o pé, assim por experiência, e bati, e o embrulho resistiu.
Relanceei os olhos em volta de mim; a praia estava deserta; ao longe uns meninos brincavam, — um pescador curava as redes ainda mais longe, — ninguém que pudesse ver a minha ação; inclinei-me, apanhei o embrulho e segui.
Segui, mas não sem receio. Podia ser uma pulha de rapazes. Tive idéia de devolver o achado à praia, mas apalpei-o e rejeitei a idéia. Um pouco adiante, desandei o caminho e guiei para casa.
— Vejamos, disse eu ao entrar no gabinete.
Leia a íntegra do capítulo 52 em O embrulho misterioso

Joaquim Maria Machado de Assisjornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 21 de junho de 1839, e faleceu também no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1908. É o fundador da Cadeira nº. 23 da Academia Brasileira de Letras. Ocupou por mais de dez anos a presidência da Academia, que passou a ser chamada também de Casa de Machado de Assis.

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