RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO NA EMPRESA
LIMITADA
Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9683
Luiz Antonio Ramalho Zanoti
mestre em Direito pela Universidade de Marília – UNIMAR, área de
concentração em Empreendimentos Econômicos e Mudança Social. Advogado,
Administrador, Contador e Economista. Professor da FEMA – Fundação Educacional
do Município de Assis, das disciplinas Sistemática do Comércio Exterior e de
Técnicas e Práticas Cambiais e Direito do Trabalho. Professor substituto nas
Faculdades Integradas de Ourinhos. Pós-graduado em Didática Geral.
Pós-graduando em Direito Civil e Direito do Processo Civil Contemporâneo
André Luiz Depes Zanoti
advogado, especialista em Direito Especiais pela UNIVEM, especialista em
Política e Estratégia pela USP, mestrando em Teorias do Direito e do Estado
pela UNIVEM, professor de Direito Constitucional, Direito Internacional,
Sociologia e Teoria Geral do Estado e Ciência Política nas Faculdades
Integradas de Ourinhos (FIO)
Sumário: Introdução; 1. Sistema Tributário Nacional; 1.1
Impostos; 1.2 Taxas; 1.3 Contribuição de Melhoria; 1.4 Empréstimos
compulsórios; 1.5 Contribuições sociais; 2. Responsabilidade Tributária; 2.1
Responsabilidade Tributária por sucessão; 2.2 Responsabilidade Tributária
subsidiária; 2.3 Responsabilidade tributária por substituição; Conclusão;
Referências.
Resumo: O Estado tem a prerrogativa de efetuar o lançamento de
tributos, como forma de viabilizar as obras e os serviços públicos de que
necessita a população. A responsabilidade pelo recolhimento desses tributos
pode atingir pessoas estranhas à relação tributária direta, tais como sócios,
administradores, gerentes e sucessores.
Palavras-chave: tributo, responsabilidade tributária,
sócio, empresa.
INTRODUÇÃO
Incumbe ao Estado o direito-dever de efetuar a arrecadação de tributos,
dentre as várias opções previstas na Constituição Federal.
Esta iniciativa se faz necessária para que o Estado possa suportar os
gastos resultantes do custeio da máquina pública, bem como aqueles originários
dos serviços e dos investimentos a serem realizados em benefício da população,
alguns deles até mesmo impostos pela Carta Magna.
A rigor, a responsabilidade pelo pagamento desses tributos é dos
sujeitos passivos da relação tributária, indicados na Lei Maior, de
conformidade com cada espécie de exação.
A discussão surge, contudo, quando o agente tributário ou o Poder
Judiciário impõe essa responsabilização para pessoas que apenas indiretamente
participaram do nascimento de um determinado tributo. É o caso, por exemplo, de
se responsabilizar, pessoal e ilimitadamente, os sócios, os administradores, os
gerentes e os sucessores, por débito tributário não-adimplido.
Amplia-se essa discussão diante da crescente iniciativa do Poder Judiciário
de reconhecer a despersonalização da pessoa jurídica, sempre que a empresa se
revelar impotente para saldar os seus débitos tributários, ignorando, por
completo, as exigências jurídicas imprescindíveis para se impor medida
traumática desse jaez.
A presente discussão atinge o seu clímax diante do fato de que alguns
tribunais insistem em condenar os sócios-gerentes ou administradores por crime
de apropriação indébita, na hipótese de não-recolhimento, aos cofres da
Previdência Social, de valores descontados nas folhas de pagamentos dos
trabalhadores.
São estes tópicos que pretendemos discutir nesse breve trabalho
científico, com o objetivo de se interpretar o ordenamento jurídico pátrio de
forma sistêmica, sob uma óptica menos fazendária, menos burocrática, menos
simplista e menos preconceituosa, porém, mais realista, mais responsável e mais
social, em cujo cerne desponte a valorização da dignidade da pessoa humana, o
mais expressivo dentre todos os princípios constitucionais.
1. SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
O Sistema Tributário Nacional está contido num espectro mais amplo,
denominado de Sistema Constitucional. Esta expressão, adotada pela Constituição
Federal (Título VI, Capítulo I, Art. 145 a 162), não parece ser a mais
adequada, vez que o princípio (também constitucional) da autonomia dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, assegura a não-ingerência da Federação em
seara destes [01]. Por outro lado, a expressão em foco dá claramente
a entender que a Federação tem o condão de se sobrepor à autonomia dos
entes-menores, fato este que colide frontalmente com o princípio federativo
[02], uma vez que Estados, Distrito Federal e Municípios desfrutam de
autonomia constitucional para elaborar seus respectivos sistemas.
O núcleo desse sistema é o tributo, que o Art. 3o., do Código
Tributário Nacional, define como toda prestação pecuniária compulsória, em
moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato
ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa.
Portanto, na concepção de tributo está contida a obrigação de se
oferecer ao Estado, compulsoriamente, prestação em dinheiro ou não, de
conformidade com lei anterior que o criou, incidente sobre ato lícito ou não,
desde que não esteja embasada em sanção de ato ilícito.
Destaca-se, pois, o princípio [03] da legalidade tributária,
instituído no Art. 150, I, da Constituição Federal: É vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem
lei que o estabeleça. Vale mencionar que essa condição se constitui numa
das cláusulas pétreas da Carta Magna, eis que a teor do Art. 60, § 4o.,
IV, não pode ser alvo de emendas supressivas.
Por tradição, as arcadas sempre ensinaram a divisão clássica dos
tributos, nas seguintes espécies: impostos, taxas e contribuições de melhoria.
Todavia, a atual Constituição Federal ampliou esse universo de opções,
incluindo, dentre aquelas espécies, os empréstimos compulsórios e as
contribuições sociais [04].
1.1.IMPOSTOS
É um dos mecanismos de que se vale o Estado para realizar o seu
direito-dever de exação, necessário para fomentar o custeio da administração
pública, financiamento de obras, bem como amortização ou liquidação de
empréstimos contraídos por esta, e os seus respectivos serviços.
Com efeito, o pagamento do imposto se constitui numa das alternativas de
se promover um maior equilíbrio na distribuição de rendas de um país, pois é
uma oportunidade de tratar os desiguais, economicamente, com desigualdade, na
medida de suas desigualdades. Isto é, com estrita observância do princípio da
capacidade contributiva de cada cidadão, cada um destes contribui com uma
parcela de suas potencialidades econômicas, se enquadrados nas espécies
positivadas, e transfere ao Estado, para que este atinja o seu desiderato.
Essa transferência poderá ser materializada por meio do próprio
contribuinte atingido pela incidência tributária, ou, indiretamente, pelo
consumidor final, a quem foi repassado tal ônus no momento em que adquiriu
determinado produto ou serviço.
Para a mensuração do valor do imposto poderão ser utilizadas três
estratégias: quantias fixas, que independem dos valores dos produtos, serviços
e de avaliação dos bens sobre os quais ele incidiu; pode ser, também,
proporcional, ou seja, fixa-se uma alíquota que incidirá sobre as bases de
cálculos, independentemente das dimensões destas; há, finalmente, a
possibilidade de se estabelecer alíquotas variadas, que evoluem, cada uma
delas, à medida que a base de cálculo do imposto se eleve em níveis
pré-concebidos em lei.
Mister se faz frisar que o lançamento do imposto não exige uma
automática e específica contrapartida do Estado. É nesse ponto que reside a
principal diferença entre imposto e taxa, como ver-se-á a seguir.
1.2.TAXAS
O Estado tem o poder de efetuar o lançamento de taxas, como forma de ser
reembolsado pelo fato de ter disponibilizado serviços públicos aos
contribuintes. Há que se notar, com efeito, que ao contrário do que ocorre com
o imposto, o lançamento da taxa impõe a prestação de serviço específico que
beneficia o cidadão.
A taxa emerge, obrigatoriamente, a uma atuação do Estado, mediante a
contraprestação do exercício do seu poder de polícia ou a prestação de serviço
público específico e indivisível (Art. 145, II, da Constituição Federal). No
momento em que o serviço público é colocado à disposição do contribuinte, nasce
a obrigação tributária, independentemente da utilização ou não por parte
daquele.
A base de cálculo da taxa difere daquela que se leva em consideração
para delimitação do imposto (Art. 145, § 2o., da Constituição
Federal). Com efeito, é inconstitucional a base de cálculo das taxas, de
limpeza pública e de conservação de vias e logradouros públicos, que se leve em
consideração a área de imóvel e a extensão deste no seu limite com o logradouro
público [05]. E isso se deve ao fato de que tais elementos se
constituem em parâmetros para o cálculo do IPTU.
O STF vem entendendo que é constitucional a cobrança de taxa de coleta
de lixo domiciliar, desde que não vinculada à prestação de outros serviços de
caráter universal e indivisível, como a limpeza de logradouros públicos,
varrição de vias públicas, limpeza de bueiros, de bocas-de-lobo e de galerias
de águas pluviais, capina periódica e outros [06]. (HARARA, 2006, p.
330)
Para a definição do valor da taxa há que se considerar a relação
custo/benefício para o contribuinte, muito embora a Constituição Federal e o
Código Tributário Nacional não exijam perfeito equilíbrio desse binômio.
Desta forma, são inconstitucionais as leis promulgadas pelos
Estados-membros, que instituem as taxas judiciárias, eis que estas incidem
sobre o valor atribuído à causa, sem guardar qualquer tipo de relação com o
custo do serviço público específico e divisível prestado pelo Estado ao
contribuinte. Isso é facilmente perceptível porque o custo que o Estado tem
para gerenciar um processo judicial, em todas as suas fases, não é maior e nem
menor em função do valor atribuído à causa.
Desta forma, a via tributária para se fixar exações maiores para as
causas de maior valor econômico – como acontece hodiernamente -- é o imposto, e
não a taxa. Assim, é possível afirmar que as taxas judiciais, da forma que são
repetidamente cobradas em diversas fases do processo, podem ferir o princípio
da capacidade contributiva, além de se constituírem numa barreira que dificulta
o acesso à justiça, o que contraria os dispostos nos Art. 145, § 1o.
e 5o., XXXV, da Constituição Federal [07].
1.3 CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA
É um mecanismo de exação de que se utiliza o Estado, incidente sobre a
valorização de imóvel do contribuinte, em decorrência de obra realizada pelo
próprio Estado. Está prevista no Art. 145, III, da Constituição Federal e
disposição pormenorizada representada pelos Art. 81 e 82, do Código Tributário
Nacional.
A sua geração leva em conta o princípio da eqüidade, vez que toda a
comunidade contribui, com o recolhimento de seus tributos, para com o
financiamento da obra em questão, com benefício direto para poucos. Vale dizer
que não mais se exige que o montante a ser arrecadado, sob esta rubrica, seja
idêntico ao do valor total da obra pública em foco.
O inconveniente, para o lançamento da contribuição de melhoria, é
circunscrever quais foram os bens que efetivamente sofreram valorização
imobiliária por conta da obra pública realizada pelo Estado, fato este que
inibe, muitas vezes, a iniciativa das prefeituras municipais de recorrer a este
tipo de exação.
1.4 EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS
A União, e somente ela, pode instituir o empréstimo compulsório,
mediante lei complementar, como forma de otimização de suas receitas, somente
na hipótese de o ente estatal tiver que suportar despesas extraordinárias
advindas de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência, ou na hipótese
de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional
(Art. 148, I e II, da Constituição Federal).
Os valores obtidos a título de empréstimo compulsório deverão ser total
e obrigatoriamente canalizados para as rubricas orçamentárias que o originou,
constituindo-se, pois, uma receita vinculada.
1.5 CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS
A natureza jurídica das contribuições sociais é cercada de polêmica,
pois para alguns doutrinadores elas são rotuladas de impostos; para outros, de
taxas; outros, ainda, não identificam natureza tributária alguma.
O STF – Supremo Tribunal Federal já decidiu que as
contribuições sociais constituem uma espécie própria de tributo ao lado dos
impostos e das taxas, na linha, aliás, da lição de Rubens Gomes de Souza
(‘Natureza tributária da contribuição do FGTS’), RDA 112/27, RDP 17/305). Quer
dizer, as contribuições não são somente as de melhoria. Essas são uma espécie
do gênero contribuição; ou uma subespécie da espécie contribuição [08].
No mesmo diapasão, o STF – Supremo Tribunal Federal
decidiu que sendo, pois, a contribuição instituída pela Lei 7.689/88
verdadeiramente contribuição social destinada ao financiamento da seguridade
social, com base no inciso I, do artigo 195, da Carta Magna [...] No
tocante às contribuições sociais [...] não só as referidas no Art. 149 [...]
têm natureza tributária, [...] mas também as relativas à seguridade
social previstas no Art. 195 [...] [09].
Entendemos que a contribuição social é espécie
tributária vinculada à atuação indireta do Estado. Tem como fato gerador uma
atuação indireta do Poder Público mediatamente referida ao sujeito passivo da
obrigação tributária. (HARADA, 2006, p. 333)
Elas têm a sua origem no fato de o Estado ter que suportar despesas de
amplo espectro social, as quais vão de encontro às necessidades de uma grande
maioria de contribuintes considerados hipossuficientes, economicamente falando.
Elas estão previstas nos Art. 149 e 195, da Constituição Federal.
Também os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir
contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes,
de sistemas de previdência e assistência social, conforme dispõe o Art. 149, §
1o.
Por outro lado, compete exclusivamente à União instituir contribuições
sociais de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias
profissionais ou econômicas, de conformidade com o que dispõe o Art. 149, da
Constituição Federal.
2. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
Os Art. 128 e seguintes, do Código Tributário Nacional, estendem a
responsabilidade tributária mesmo para as pessoas que não participam
diretamente das circunstâncias positivadas na regra matriz da incidência
tributária. É o caso, portanto, de incidência tributária indireta, que pode ser
dos tipos por transferência ou por substituição
Ocorre a responsabilidade tributária indireta por transferência somente
depois de configurado o fato gerador da incidência tributária, em caso de
sucessão que evidencie a solidariedade entre os responsáveis diretos anterior
(sujeito passivo natural) e o atual, como disciplina o Art. 134, do Código
Tributário Nacional. Mister se faz ressaltar que essa atribuição de
responsabilidade tributária para terceiro deve ser efetuada em consonância com
o que dispõe o Art. 121, II, do Código Tributário Nacional, para que não se
constitua em medida arbitrária.
Por sua vez, a responsabilidade tributária indireta por substituição
surge antes do nascimento do fato gerador.
Estamos, portanto, diante de um quadro no qual o fisco atribui
responsabilidade tributária a quem originalmente não a teria. Isso, contudo, é
possível, se presentes todas as seguintes condições: previsão legal; que o
terceiro tenha vinculação com o fato gerador da obrigação tributária; que essa
responsabilidade se limite tão somente à obrigação principal (Art. 121, do
Código Tributário Nacional).
A sucessão empresarial dar-se-á por atos inter vivos ou causa
mortis. É sucessor quem, numa dessas duas circunstâncias, assume o
patrimônio do devedor natural, deste próprio ou de seus herdeiros ou
legatários, com o ônus de solver débitos tributários inadimplidos, conforme
preceituam os Art. 129 a 133, do Código Tributário Nacional.
É importante destacar, porém, que essa responsabilidade se estende até o
limite do quinhão, do legado ou da meação (Art. 130, II, do Código Tributário
Nacional). Inicia-se depois da abertura da sucessão, pois antes desta cabe ao
espólio a responsabilidade pela sucessão tributária (Art. 131, III, do Código
Tributário Nacional).
Na hipótese de fusão, transformação ou incorporação de empresas, a
corporação emergente responde pelos tributos vencidos e não-adimplidos até a
data daquelas operações (Art. 132, do Código Tributário Nacional).
Com efeito, a responsabilidade tributária do sucessor alcança os
créditos tributários já constituídos, aqueles que estão em fase de constituição
e os constituídos posteriormente, desde que o fato gerador da incidência
tributária tenha ocorrido antes da sucessão.
Qualquer avença entre as partes, verbal ou expressa, que limite a
responsabilidade tributária do sucessor, não prevalece contra os créditos de
que é titular a Fazenda Pública, por força do Art. 132, do Código Tributário
Nacional.
2.1 Responsabilidade tributária por sucessão
Os adquirentes ou remitentes [10] de imóveis respondem também
pela sucessão tributária, no que concerne aos impostos que tenham como fato
gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis. Respondem,
inclusive, pela taxas de serviço e pela contribuição de melhoria lançadas sobre
o imóvel transmitido, tudo como determina o Art. 130, do Código Tributário Nacional.
Em caso de aquisição de fundo ou de estabelecimento empresarial, a
pessoa física ou jurídica adquirente responde por todas as dívidas fiscais da
empresa adquirida, conhecidas ou não, ainda que a nova empresa atue sob outra
razão social (Art. 133, do Código Tributário Nacional). Essa responsabilidade é
total se o alienante interromper a exploração empresarial daquele
estabelecimento (inciso I). Se, contudo, a atividade do alienante não sofrer
solução de continuidade – ou ainda que sofra, se restaurada num prazo inferior
a seis meses, naquele mesmo ou em outra empresa – essa responsabilidade passa a
ser subsidiária com o alienante insolvente (inciso II).
Ainda nessa área, festeja-se o teor da Lei n. 11.101/2005 – Lei de
Falência e de Recuperação de Empresas --, que combinada com a Lei Complementar
n. 118/2005, exclui a responsabilidade pela sucessão tributária na hipótese de
alienação judicial de empresa que seja alvo de processo de falência, bem como
de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial
(Art. 133, incisos I e II, do Código Tributário Nacional).
Esse benefício não alcança o sócio da empresa falida ou em recuperação
judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação
judicial (inciso I), nem parentes, em linha reta ou colateral até o 4o.
grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de
qualquer de seus sócios (inciso II). Estão, também, excluídos desse benefício
os agentes do falido ou do devedor em recuperação judicial, se constatada a
iniciativa de se fraudar a sucessão tributária (inciso III).
Vale dizer que o produto da alienação de empresas que enfrentam processo
de falência ou de recuperação judicial deverá ser colocado à disposição dos
respectivos juízos, o qual será utilizado para liquidar ou amortizar créditos
extraconcursais e as demais categorias hierárquicas de créditos (§ 3o.,
do Artigo 133, do Código Tributário Nacional).
Há que se faz ressaltar que essa ausência de responsabilidade pela
sucessão tributária se deve ao cumprimento de diretriz maior contida na Lei de
Falência e de Recuperação de Empresas, que privilegia a função social das
organizações produtivas, as quais se constituem em bens sociais, haja vista a
sua imensa importância no contexto da sociedade. Agindo desta forma, o
legislador deu uma significativa cota de contribuição, da parte do Estado, para
que ocorra a restauração da saúde econômica e financeira de empresas
alquebradas por débitos sociais inadministráveis.
Com essa redação, o Art. 133, do Código Tributário Nacional, passou a se
constituir num importante incentivo para que pessoas ou grupos adquiram e
revitalizem empresas insolventes, de forma que estas recuperem a sua
capacidade-dever de cumprir a sua função social, com a geração de empregos,
respeito para com os consumidores, meio ambiente, comunidade,
acionistas/cotistas e o próprio Estado [11].
2.2 Responsabilidade tributária subsidiária
Terceiros também poderão ser responsabilizados por obrigação tributária
principal, se for impossível cobrá-la do contribuinte, desde que esta seja
resultante de ação ou omissão na qual aqueles tenham intervindo (Art. 134, do
Código Tributário Nacional).
Dentre esses terceiros responsáveis pela sucessão tributária estão
elencados os pais, pelos tributos devidos pelos filhos menores (inciso I); os
tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados
(inciso II); os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos
por estes (inciso III); o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio
(inciso IV); o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida
ou pela empresa em recuperação (inciso V); os tabeliães, escrivães e demais
serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles,
ou perante eles, em razão do seu ofício (inciso VI); os sócios, no caso de
liquidação de sociedade de pessoas (inciso VII).
Embora o Art. 134, do Código Tributário Nacional, imponha que essa
responsabilidade seja solidária, na verdade o próprio dispositivo legal se
contradiz. Não há dúvida de que se trata, sim, de responsabilidade subsidiária,
eis que ela somente passa a ser exigida nos casos de impossibilidade de
exigência do cumprimento da obrigação tributária principal pelo contribuinte. Portanto,
não há dúvida alguma que o terceiro somente poderá ser acionado na hipótese de
o contribuinte não adimplir o débito tributário.
A responsabilidade tributária atinge, subsidiariamente, as pessoas
indicadas nos incisos I a VII, bem como os mandatários, prepostos, empregados,
diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado,
se tais créditos forem resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou
infração de lei, contrato social ou estatutos (Art. 135, incisos I a III)
[12]. Portanto, não se trata de todo e qualquer sócio, mas daquelas que
detinham poder decisório no âmbito da empresa. Ou seja, é em citado
dispositivo que reside a grande invocação fazendária para as execuções fiscais,
inicialmente promovidas em relação à pessoa jurídica privada. (SILVA NETO,
2006, p. 331)
2.3. Responsabilidade tributária por substituição
A dedução lógica que sobressai é que os créditos tributários
regularmente constituídos não se enquadram na hipótese prevista no Art. 135,
III, do Código Tributário Nacional, eis que não são resultantes de excesso de
poder, ou de infração legal, contratual ou estatutária, que refogem à regular
gestão da sociedade. Nesse sentido, o STJ – Superior Tribunal de Justiça já
decidiu que o simples atraso no pagamento de tributo não se constitui na
infração prevista no artigo em comento [13].
Trata-se, pois, de responsabilidade por substituição, que abrange
inclusive as obrigações acessórias, que parte do princípio de quem tem poderes,
tem, também, responsabilidade, na mesma proporção.
É importante ressaltar que o excesso de poder se configura quando pelo
menos um dos seguintes requisitos se fizer presente, como indica o Art. 1.015,
§ único, do Código Civil [14]: que a limitação de poderes esteja
inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; que fique provado que
era conhecida de terceiros; que se trate de operação evidentemente estranha aos
negócios da sociedade. A responsabilidade do sócio-gerente deflui não só da
impossibilidade de a sociedade pagar o credor, mas da ilegalidade ou fraude que
o sócio praticar na gerência. Essa é a doutrina dominante. (REQUIÃO, 2006,
p. 527)
Digno de nota, também, é o fato de que os tribunais têm entendido, de
forma pacífica, que os atos praticados com excesso de poderes, pelos sócios das
empresas, vinculam as sociedades aos efeitos dessas condutas, dada à celeridade
e intensidade com que hodiernamente se processam as operações mercantis, o que
tornariam impossível a prévia detecção de tais irregularidades por terceiros de
boa-fé [15]. Essa interpretação foi consolidada em homenagem à
‘teoria da aparência’, que conduz ao seio social a solução de impasses dessa
natureza. (GONÇALVES NETO, 2002, p. 207)
Contudo, o ponto nevrálgico de qualquer discussão em torno da
responsabilidade do sócio da empresa está em estabelecer se ele [sócio] também
responde, com o seu patrimônio pessoal, de forma solidária e ilimitada, em caso
de insolvência de débitos tributários.
Não vemos motivo para essa celeuma, pois em se tratando de empresa de
responsabilidade limitada, a responsabilidade de cada um dos sócios está
adstrita à plena integração do capital social. Ou seja, cada um dos sócios é
responsável pela integralização de 100% do capital social. A conclusão natural
a que se chega é que, integralizado totalmente o capital social, nenhuma
responsabilidade pessoal atingirá os sócios, na hipótese destes terem
desempenhado as suas funções com boa-fé. Logo, inadimplente a empresa, eles não
poderão ser atingidos por débitos sociais de qualquer espécie, inclusive os de
natureza tributária, mesmo que subsidiariamente.
Com efeito, o simples inadimplemento tributário não caracteriza infração
legal, a ponto de se impor a responsabilização do sócio ou do administrador,
por substituição, pelos créditos decorrentes de obrigações tributárias. É
possível fazer tal afirmação porque não seria crível imaginar que a
administração de uma sociedade, diante de ausência de liquidez a curto prazo,
preferisse recolher os tributos devidos, a efetuar o pagamento regular dos
salários de seus empregados. Da mesma forma não seria crível crer que, em
idênticas condições financeiras, os administradores optassem por recolher,
pontualmente, os tributos devidos, ao invés de pagar os seus credores pelo
fornecimento de produtos e/ou serviços indispensáveis ao funcionamento normal
da empresa.
Nas sociedades por ações, a condição do acionista é ainda mais
confortável, pois este responde, pessoalmente, apenas e tão somente pela
integralização das ações que subscreveu.
O mesmo não se pode dizer das sociedades não-personificadas (ou
sociedades em comum) e daquelas constituídas sob a égide das em nome coletivo,
ou dos sócios comanditados nas comanditas simples e por ações, os quais
respondem, subsidiária e ilimitadamente, pela totalidade dos débitos sociais
não-adimplidos. (NEGRÃO, 2005, p. 283)
Novo conflito interpretativo surge quando se aborda a responsabilidade
do sócio pelo não-recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas dos
empregados. É verdade que os tribunais têm, vez ou outra, entendido que o
sócio, nessas condições, é pessoal e ilimitadamente responsável por esse tipo
de inadimplência, com base no entendimento de que teria ocorrido a apropriação
indébita de valores que deveriam ter sido carreados, em tempo hábil, para a
Previdência Social [16].
A Lei n. 8.620, de 05/01/93 estabelece, no Art. 13, que são responsáveis
solidários pelo cumprimento da obrigação previdenciária principal, o titular de
firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade
limitada, com a firma individual e a sociedade, respectivamente. Desta forma,
os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores
respondem solidária e subsidiariamente, com os seus bens pessoais, quanto ao
inadimplemento das obrigações para com a Previdência Social, por dolo ou culpa.
Requião chega até mesmo a afirmar que a sociedade tinha meios de
pagar, pois descontou dos salários dos empregados as contribuições
previdenciárias destes. Todavia, [...] por fraude ou desídia, não
importa, descumpriu a lei. E, complementa: A sociedade, nesse meio de
tempo, tornou-se insolvável [...] (REQUIÂO, 2006, p. 528).
Ousamos discordar desse entendimento, eis que ele se reveste do
excessivo e cômodo apego ao formalismo, privilegiando a interpretação insólita,
própria de quem nunca administrou uma quitanda sequer.
É pueril imaginar que a empresa que desconta contribuições sociais dos
salários dos seus empregados tenha, naturalmente, condição financeira de, logo
a seguir, em data estipulada em lei, capacidade financeira para promover o
devido recolhimento aos cofres públicos, do respectivo montante. Está aí
havendo uma inexplicável confusão entre descontar do trabalhador e, por
outro lado, capacidade para o recolhimento. Em primeiro lugar, a empresa
não efetua desconto, mas, na verdade, deixa de pagar ao empregado a importância
que deverá ser canalizada à Previdência Social. Para quem tem uma visão
puramente formalista, isso não passa de um simples jogo de palavras, que tenta
encobrir um ato desidioso do sócio (ou é da empresa?). Contudo, quem se
envolve, no dia-a-dia, no centro nevrálgico da administração de uma empresa,
sabe, perfeitamente, que é impossível fazer a devida e automática destinação de
determinadas somas de dinheiro (mesmo porque "dinheiro não tem cor"),
especialmente nas empresas que enfrentam dificuldades para solver os seus
compromissos financeiros de curto prazo.
Poder-se-ia, então, indagar: um sócio (ou mesmo aqueles que defendem a
responsabilização do sócio nessas circunstâncias), tendo em mãos recursos
financeiros, na época oportuna, apenas e tão somente para promover o seu
recolhimento à Previdência Social e não possuindo dinheiro em caixa para
efetuar o pagamento simultâneo de faturas de energia elétrica (apenas para
citar um único exemplo), faria opção pela liquidação de qual das duas
responsabilidades? Se, embasado num raciocínio meramente burocrata, optasse
pela satisfação do débito tributário, sua empresa ficaria sem energia elétrica,
o que inviabilizaria os negócios sociais, trazendo transtornos para os
empregados, para o exercício da salutar concorrência. Poderia, se for o caso,
culminar com a inibição das exportações do País, bem como redução das
atividades econômicas da cidade ou da região. Estar-se-ia adimplente perante o
Estado, porém, como conseqüência, instalar-se-ia um caos social e econômico.
Com efeito, se nessas exatas circunstâncias o sócio-gerente preterir os débitos
tributários, é de se indagar, então: onde está alojada a desídia, a fraude, a
imprudência, a violação ao contrato/estatuto social ou às leis?
Mais do que isso: dificuldades socioeconômicas, tão comuns na vida das
empresas, inclusive dentre as gigantes multinacionais [17], ainda
que geradas por imprecisões administrativas, não tornam ilimitada, por si só, a
responsabilidade pessoal do sócio que, originalmente, tem responsabilidade
limitada.
Como se isso não bastasse, o STF – Supremo Tribunal Federal já decidiu
que em se tratando de sociedades cujos sócios têm responsabilidade limitada, os
bens particulares destes não podem ser penhorados, em caso de dívida fiscal
contraída pela empresa dissolvida [18].
Apenas para argumentar, no caso da hipótese de aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, esta iniciativa
extravagante deve ser precedida de estudo de alta indagação, de cuidadosa e
aprofundada pesquisa de fatos concretos, respeitando o devido processo legal,
para ficar cabalmente comprovado que ocorreu desvio malicioso da finalidade
social da pessoa jurídica, com proveito ilícito dos sócios. Assim, por ser uma
medida excepcional, não pode se basear em meros indícios ou presunções,
exigindo-se, pois, provas incontestes. Desta forma, a invasão dos limites do
Art. 20, do Código Civil, não é meta que se viabiliza mediante um singelo e superficial
despacho judicial, sob pena de se aplicar duros tratos à hermenêutica, com a
conseqüente destruição dos princípios seculares que nortearam a constituição do
instituto da pessoa jurídica [19].
Com efeito, há que se localizar o autor da ilegalidade, comprovar a sua
responsabilidade e trazê-lo à tela da lide. Atitudes generalistas de operadores
de direito, de quem pede decisões traumáticas desse jaez e de quem as concede,
sem as devidas cautelas de estilo – vício que tem permeado decisões em nossos tribunais
--, constituem-se numa afronta aos princípios jurídicos mais elementares,
dentre os quais se destacam o respeito à dignidade da pessoa humana.
Em seara trabalhista, por exemplo, é muito comum o advogado do
reclamante pedir, e o juiz conceder, a desconsideração da pessoa jurídica, com
a conseqüente penhora ou arresto de bens dos sócios da reclamada – mesmo
daqueles minoritários e dos que jamais exerceram qualquer papel administrativo
--, a partir do momento em que se comprove que esta [empresa] não reúna plena
condição para solver o crédito pretendido. Não se cuida das necessárias
cautelas para se comprovar que realmente se trata de caso que tenha perfeito
enquadramento no direito positivado (abuso de poder, ofensa à lei ou ao
contrato ou dissolução irregular da sociedade). É a completa banalização de um
instituto que fora criado apenas e tão somente para impedir o acobertamento de
práticas ilegais dos sócios, sob o manto protetor da pessoa jurídica, mas que
na verdade tem sido utilizado como forma de alavancar o recebimento de
créditos. Há que se perquirir se essas atitudes insensatas são frutos da
ignorância jurídica ou da má-fé dos operadores de direito, pois a hermenêutica
filosófica não dá liberdade para o intérprete se afastar da norma interpretada.
Não temos a menor pretensão de fazer apologia à consumação da
inadimplência tributária. Trata-se, tão somente, de buscar uma opção menos
traumática, para a empresa e para a sociedade como um todo, diante da crise
economia e financeira daquela.
Vê-se, pois, que o sócio não agiu com desídia, ao preterir o
recolhimento das contribuições previdenciárias já descontadas dos empregados,
em benefício da quitação de outros débitos. Assim, a tese esposada por Requião
e por alguns tribunais somente teria racional aplicabilidade em caso de empresa
que goza de plena saúde financeira, que prefere distribuir dividendos ou
aplicar recursos financeiros no mercado de capitais ou, ainda, realizar
investimentos perfeitamente postergáveis, a adimplir seus débitos tributários.
Além do mais, é imprescindível acrescentar que a teor do Art. 20, do
Código Civil, o sócio e a empresa da qual ele participa são pessoas distintas,
o que nos conduz ao raciocínio natural de que um não responde pelas obrigações
assumidas pelo outro.
Defui-se, pois, que nenhuma responsabilidade poderá recair sobre a
pessoa do sócio de empresa de responsabilidade limitada, se a sua atuação
administrativa estiver de conformidade com a lei, com o contrato ou estatuto
[20] e na busca do interesse social, e se a sua organização tiver o
capital social plenamente integralizado. E, frise-se, se o capital social da
empresa não estiver totalmente integralizado, aos sócios compete, única e
solidariamente, a responsabilização para fazê-la. Nada mais do que isso
[21].
Esses argumentos que trazemos à lume são resultados de interpretação
sistêmica do ordenamento jurídico. Nesse sentido, o Art. 1.072, § 5º., do
Código Civil, dispõe que as deliberações dos sócios, tomadas de conformidade
com a lei e o contrato, vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou
dissidentes, desde que não infrinjam os termos do Art. 1.080; ou seja, desde
que não violem contrato ou a lei. Somente nesta última circunstância (violação
ao contrato ou lei) é que resulta na responsabilização ilimitada dos sócios que
a aprovaram. Exceder-se a esses limites e praticar atos abusivos, ferindo
normas de interpretação fundamentais da Constituição Federal do Direito
Tributário, o que proporciona insegurança jurídica [22].
É com base nesses argumentos que o STJ – Superior Tribunal de Justiça
tem sistematicamente decidido que a circunstância de a sociedade estar em
débito com obrigações fiscais não autoriza o Estado a recusar certidão negativa
aos sócios da pessoa jurídica, justamente pelo absoluto grau de independência
que há entre as duas personalidades [23].
CONCLUSÃO
Não resta a menor dúvida que ímpeto estatal arrecadatório de tributos,
neste País, atinge a níveis estratosféricos, a ponto de consumir de 38 a 40% do
PIB – Produto Interno Bruto. Embora não seja este o foco da presente pesquisa,
é imprescindível fixar este marco fático, pois ele revela com que entusiasmo o
Estado cumpre o seu dever-poder de arrecadar tributos, como forma de satisfazer
as necessidades de custeio da máquina pública, de geração de serviços e de
investimentos que satisfaçam as necessidades da população.
E, essa carga tributária se mostra em constante evolução, em níveis de
países escandinavos, enquanto que os serviços prestados e os investimentos
realizados estão quase que no patamar de países africanos. Esta é uma prova
inequívoca de que estamos diante de um Estado insaciável em sua fúria
arrecadatória, e insensível diante do fato de que os tributos arrecadados não
têm, há muito tempo, cumprido a sua função social, pois contabilizamos uma das
piores distribuições de renda do mundo.
A história tem revelado que, diante de um Estado insensato -- que é
habilidoso e criativo quando exerce o seu poder arrecadatório, mas que não se
compadece diante do sofrimento de aproximadamente sessenta milhões de pessoas
que sobrevivem abaixo da linha da pobreza --, os mecanismos de que muitas vezes
se vale ferem princípios constitucionais consagrados, inclusive aqueles
rotulados de cláusulas pétreas. É o caso, por exemplo, do respeito à dignidade
da pessoa humana.
Para conseguir os seus intentos perversos, o Estado conta, em algumas
oportunidades, com o apoio ostensivo do Poder Judiciário, que lhe dá amplo
respaldo quando ele pretende responsabilizar terceiros por obrigações
tributárias, chamadas de indiretas. Até mesmo consagrados doutrinadores, mas
que não têm nenhuma experiência administrativa à frente de uma empresa, não
conseguem perceber a oceânica diferença entre descontar do trabalhador um
determinado valor para ser recolhido à Previdência Social e, por outro lado, capacidade
para o recolhimento daquela importância.
Na verdade, a empresa não efetua desconto, mas tão somente, deixa de
pagar ao empregado a importância que deverá ser canalizada à Previdência
Social. Pode parecer a mesma coisa, mas não é. Melhor explicando, se uma
empresa desfruta de excelente condição socioeconômica, nada mais simples do
que, na data fixada em lei, recolher os seus tributos devidos, bem como aqueles
que reteve de seus empregados. Há que se reconhecer que, nessas condições, a
eventual inadimplência pode ser creditada à conduta desidiosa.
Contudo, o pomo da discussão não reside aí [na empresa saudável], mas
naquela que tem um montante de receitas muito inferior ao das despesas, não
obstante todos os esforços empreendidos pelos seus administradores para buscar
ao menos um equilíbrio entre essas duas fontes.
Logo, diante de uma incontornável crise de liquidez de curto prazo, o
sócio-gerente ou o administrador se vê obrigado a hierarquizar os seus
pagamentos, preferindo manter pontuais os de natureza trabalhista, bem como
aqueles decorrentes do fornecimento de energia elétrica, de matérias-primas e
produtos essenciais à sua atividade produtiva, a adimplir os tributos dos quais
a sua empresa é responsável.
Portanto, nessa autêntica ginástica financeira não se vislumbra má-fé ou
desídia, mesmo porque grande parte das causas que originaram as dificuldades
socioeconômicas foi gerada, ainda que indiretamente, pelo próprio Estado, pela
fixação de juros em níveis astronômicos, pela escolha de uma política cambial
desastrosa, pelo controle da inflação mediante a aplicação de medidas
recessivas, pelo modesto crescimento da economia, pela imensa carga tributária,
dentre outras.
Da mesma forma são inaceitáveis as decisões do Poder Judiciário que
decretam a desconsideração da personalidade jurídica, como se fosse um ato de
somenos importância, expondo o patrimônio pessoal dos sócios à penhora ou o
arresto. Essas medidas são ainda mais traumáticas quando atingem pessoas que,
comprovadamente, nunca participaram da gestão da empresa.
São iniciativas que têm por escopo alavancar o recebimento de créditos
tributários, sem atentar para os rigores da lei, que exige, por ser
extravagante, farta e prévia comprovação de que os dirigentes teriam promovido
o desvio malicioso da finalidade social da pessoa jurídica, com proveito para
si ou para grupos.
Destarte, conclui-se, pois, que o Estado-exator e o Poder Judiciário não
podem violentar o ordenamento jurídico pátrio, impondo responsabilização
tributária para sócios que, sob a óptica legal, não se enquadram nas condições
impostas pelo direito positivado.
O sócio de uma empresa de responsabilidade limitada tem o compromisso de
integralizar a totalidade do capital social, de atuar com observância às regras
contidas no contrato que a constituiu, e de promover o regular encerramento da
sociedade, quando este for o caso. Qualquer outra responsabilidade que for
acrescentada fere o ordenamento jurídico, gera insegurança jurídica,
congestiona ainda mais os tribunais com medidas que buscam a tutela
jurisdicional para se proteger dessas ilicitudes e, o que é pior, afronta o
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
A violação de um princípio, especialmente o mais importante dentre
todos, constitui-se na mais grave forma de inconstitucionalidade, vez que
representa uma agressão a todo o sistema, pois despreza a hierarquia dos
mandamentos jurídicos, com a conseqüente subversão dos valores fundamentais.
É de alçada do Estado, por intermédio do Poder Judiciário, prestar a
tutela jurisdicional necessária e eficaz, para socorrer aqueles que se sentem
lesados por não ter a sua dignidade pessoal valorizada, ainda que o agente
agressor seja o próprio Estado.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 8.
ed., São Paulo: Malheiros, 1996.
BRASIL. Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006.
________. Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2006.
________. Constituição da República Federativa do Brasil.São
Paulo: Saraiva, 2006.
________. Código de Processo Civil.São Paulo: Saraiva, 2006.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 14.
ed. revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2000.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração
Tributária. 3. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário. 1.
ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 15. ed. revista
e ampliada. São Paulo: Atlas, 2006.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2. ed., v. II, Trad. de
João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado Editor, Sucessor, 1962.
MACHADO, Hugo de Brito. Cadernos de pesquisas tributárias. São Paulo:
Resenha Tributária, 1980.
MARTINS, Ives Gandra da Silva Martins. Cadernos de Pesquisas
Tributárias. v. 4, São Paulo: Resenha Tributária, 1979.
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. vol.
1, São Paulo: Saraiva, 2005.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 26. ed. atualizada
por Rubens Edmundo Requião. 1º. vol., São Paulo: Saraiva, 2006.
SILVA NETO, José Francisco da. Apontamentos de Direito Tributário. 3.
ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006.
TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito
Tributário. 1. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
Notas
01 Não é por outras razões
que, na análise de qualquer problema jurídico – por mais trivial que seja (ou
que pareça ser) --, o cultor do Direito deve, antes de mais nada, alçar-se ao
altiplano dos princípios constitucionais, a fim de verificar em que sentido
eles apontam. Nenhuma interpretação poderá ser havida por boa (e, portanto, por
jurídica) se, direta ou indiretamente, vier a afrontar um princípio
jurídico-constitucional. (CARRAZZA, 2000, p. 33)
02 Violar um princípio é
muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio
implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o
sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque
representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua
estrutura mestra. Isto porque, ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e
alui-se toda a estrutura nelas esforçada. (BANDEIRA DE MELLO, 1996, p. 546)
03 Introduzida, na Filosofia, por Anaximandro, a palavra
foi utilizada por Platão, no sentido de fundamento do raciocínio (Teeteto,
155d), e por Aristóteles, como a premissa maior de uma demonstração (Metafísica,
V. 1, 1.012 b 32 – 1.013 a 19). Nesta mesma linha, Kant deixou consignado
que "princípio é toda proposição geral que pode servir como premissa maior
num silogismo" (Crítica à Razão Pura, Dialética, II. A). (CARRAZZA,
2000, p. 30).
04 Contidas nos Art. 149 e 195, da Constituição Federal.
05 Cf. RE n.
204.827/SP.
06 Cf. RE n.
245.539-RJ e 361.437-MG.
07 Cf. Súmula 667, do STF.
08 Cf. RE n. 138.284-8-CE.
09 Cf. RE n. 146.733-9-SP.
10 Do latim redimere, ou seja, aquele que resgata
o bem onerado.
11 São os chamados stakeholders.
12 Cf. AC 0103623700 – (8175) – 4ª. CCív. – Rel. Juiz
Ruy Cunha Sobrinho – DJPR 16.05.1997.
Para MARTINS, não há Direito Penal Tributário e nem Direito Tributário
Penal, mas tão somente Direito Tributário. (MARTINS, Ives Gandra da Silva
Martins. Cadernos de Pesquisas Tributárias. v. 4, São Paulo:
Resenha Tributária, 1979, p. 261-283.
13 Ag. 59.361-SP, Rel. Min. Bilac Pinto, Resenha
Tributária. p. 497, seção 1.2, 1975. No mesmo sentido, REsp. 174.532/PR e
AgRg no REsp 500.007-MG, DJU de 15/09/2003.
14 Os sócios-gerentes devem agir, no desempenho de suas
funções, com o zelo que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração de seu próprio negócio. (Art. 153, da Lei n. 6.404/76 – Lei das
Sociedades por Ações, e Art. 1.011, do Código Civil).
15 Cf. RT-707/175.
Se a irregularidade era conhecida de terceiros, não se aplica a
responsabilidade social (Art. 1.015, III, do Código Civil).
16 Cf. Rec. Extr. N. 76.289-SP, in DJU em 02/01/74 e
Anuário de Jurisprudência Íncola, 1974, p. 196.
17 Vejam-se os casos recentes de todas as montadoras de
automóveis do ocidente.
18 Cf. Rec. Extr. n. 36.488, 2. Turma, em 21/08/1968, in
RTJ 48/87.
19 Cf. RT-657/120 e RT-673/160 (Tribunal de Justiça de
São Paulo); RT-736/315 (Tribunal de Justiça da Bahia); RT-690/103 e RT-708/116
(1º. Tribunal de Alçada Cível de São Paulo); RT-659/154 (Tribunal de Justiça de
Minas Gerais); RT-792/318 (2º. Tribunal de Alçada Cível de São Paulo).
20 Cf. Art. 16, do Decreto n. 3.708, de 1919.
21 Cf. Ag. No Resp. 433.227/DF, DJU de 16/06/2003. No
mesmo sentido REsp. 496.306/RS, DJU de 22/03/2004; REsp 474.105/SP, DJU de
19/12/2003 e REsp. 117.359/ES, DJU de 11/09/2000.
22 E não são poucos os órgãos judiciais que têm
interpretação eminentemente fazendária, ao arrepio do ordenamento jurídico
pátrio.
23 Cf. Agr. Instr.
n. 152.191-SC (97/0045461-4), Rel. Min. Humberto Gomes de
Barros, DJU em 12/11/1997.
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