terça-feira, 28 de junho de 2011

Revista Superinteressante 024

Sem régua nem compasso

Os problemas que levaram à formulação do pi.

por Luiz Barco


Aos antigos gregos se atribuem três célebres problemas matemáticos: a trissecção do ângulo (divisão do ângulo em três ângulos da mesma medida), a duplicação do cubo e a quadratura do círculo. Durante muito tempo, eles foram responsáveis por uma mania da qual não escaparam alguns homens de ciência, prontamente acompanhados por uma multidão de insensatos e sonhadores: todos querendo achar a solução com régua e compasso. Essa busca teve sentido até que se estabeleceu uma relação que mostrava a correspondência entre as resoluções de problemas geométricos com esses instrumentos. Assim, as resoluções geométricas, baseadas no espaço físico, foram substituídas pelas soluções algébricas, resumidas a fórmulas e números, o que permite chegar a resultados impossíveis de visualização física.
Dessa maneira, os três problemas, embora de natureza ligeiramente diversa, tiveram suas chances de solução geométricas definitivamente sepultadas. O novo sistema de resolução foi reforçado graças ao trabalho de dois matemáticos: o jovem e brilhante francês Évariste Galois (1811-1832) e o alemão Ferdinand von Lindemann (1852-1939). O primeiro escreveu um trabalho revelou ser impossível executar a trissecção do ângulo e a duplicação do cubo com régua e compasso. Já o segundo demonstrou, em 1882, que o número π (pi) é irracional transcendente, descartando também a idéia da quadratura do círculo com tais instrumentos. Isso, porém, não diminuiu o ardor dos quadradores do círculo, que até hoje oferecem bizarras tentativas de soluções sempre rejeitadas por publicações matemáticas.
Assim, vi com surpresa a notícia, respaldada por uma publicação séria, sobre o trabalho do renomado matemático húngaro Miklós Laczkovich da Universidade Eotvos Loránd, de Budapeste, em que diz ser possível a quadratura do círculo.


Lackovich baseia-se na idéia de que círculo (o interior mais a borda) pode ser cortado num número finito de peças, as quais podem ser rearranjadas na forma de um quadrado com a mesma área. Assim, não apenas o círculo poderia ser enquadrado como também uma grande variedade de figuras. Por que uma idéia tão simples levou tanto tempo para ser usada, causando tanto impacto? Ocorre que as peças são teóricas e suas formulações exigem alta matemática de domínio sofisticado e restrito. A primeira versão dessa idéia foi apresentada em 1925 pelo matemático polonês Alfred Tarski (1902-1983). Um ano antes, ele e seu compatriota Stefan Banach (189-1945) provaram que existe uma forma de dividir uma esfera grande, como um planeta, em partes separadas, sem pontos em comum, a seguir, sem comprimir ou distorcer, montá-la em outra esfera do tamanho de uma bola de gude. Esse resultado, que beira o inacreditável tanto para leigos quanto para matemáticos, repousa na natureza das peças. 


Elas não são pedaços sólidos com fronteiras precisas e sim partes difusas e entrelaçadas, cujo volume individual é impossível medir. Somente quando as peças são rearranjadas é que o sólido resultante tem volume mensurável. Tal mágica não é aplicável a figuras planas e aí qualquer reorganização dessas figuras terá sempre a mesma área, já que contidas no mesmo plano. Uma das razões dessa diferença é que os objetos tridimensionais (um cubo, uma esfera) possuem muitos eixos possíveis de rotação. Faltava provar que figuras planas de mesma área podiam ser rearrumadas umas nas outras. Esse é basicamente o resultado do trabalho de Laczkovich, que não se restringe a círculos e quadrados, mas a qualquer figura que tenha fronteiras limitadas. E o mais surpreendente: as peças não precisam girar. Basta movimentá-las vertical e horizontalmente. Porém, se você está entusiasmado com o paradoxo de Banach-Tarski e pensa usá-lo para arrumar a mala na próxima viagem, ou então pegar uma tesoura para cortar as peças de uma figura usando o resultado de Laczkovich, desista. São peças teóricas e como curiosidade saiba que Laczkovich estimou em (o número 1 acompanhando de 50 zeros) o número de pedaços de círculos a ser enquadrado.




Luiz Barco é professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

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