A ilegalidade da alteração de critério jurídico pela Fazenda Pública como fato gerador do crédito tributário
http://jus.uol.com.br/revista/texto/19239
Publicado em 06/2011
Dentre as já conhecidas arbitrariedades perpetradas pela Fazenda Pública no desenvolvimento da relação com o contribuinte, tem-se verificado mais uma atitude ilegal. Isto é, constantemente o Fisco tem realizado de forma compulsória a alteração do critério jurídico anteriormente adotado em relação a fatos geradores pretéritos, os quais entendia o contribuinte estarem em consonância com a autorização administrativa tributária, revisando a Fazenda os lançamento relativos a tais fatos geradores e impondo ao contribuinte obrigação tributária com base em seu novo posicionamento.
Tal situação se apresenta, por exemplo, quando a Fazenda Pública analisa os requisitos legais para concessão de regime tributário diferenciado, deferindo ao contribuinte o recolhimento de tributos com base em alíquota fixa, nos casos de tributos constantes de Imposto sobre Serviços (ISS). Em seguida, de forma unilateral e arbitrária a Fazenda revê seu posicionamento, desconstitui o ato jurídico de concessão por ela praticado e impõe ao contribuinte obrigação tributária decorrente de fatos geradores anteriores, que após a concessão de autorização entendia o contribuinte haver praticado em harmonia com a legislação tributária vigente.
Nessas ocasiões, a Fazenda Pública Municipal, após análise do preenchimento dos requisitos legais, autoriza a determinado contribuinte que recolha o ISS (Imposto sobre Serviços) sob a modalidade de alíquota fixa, contudo, tempos depois, o Órgão Fiscal revê seu entendimento, desconstitui os recolhimentos praticados pelo contribuinte sob a modalidade fixa, e impõe obrigação tributária decorrente dos mesmos fatos geradores, com base nesse novo entendimento. Frise-se, sem a alteração de quaisquer requisitos por parte do contribuinte, apenas em razão de modificação de critério jurídico anteriormente adotado.
Ressalta-se que além de alterar seu entendimento, a Fazenda Pública também tem revisado os fatos geradores praticados anteriormente à essa modificação de critério, autuando o contribuinte e impondo-lhe obrigação tributária flagrantemente indevida.
Como expressamente determina a legislação tributária, a alteração do posicionamento da Fazenda Pública deveria somente albergar fatos geradores posteriores à essa modificação de critério, conforme dispõe o Código Tributário Nacional, em seu art. 146, senão vejamos:
Conforme se verifica nitidamente da leitura do dispositivo legal acima, a alteração de posicionamento jurídico deve abarcar somente fatos geradores posteriores ao novo entendimento, no entanto, a Fazenda Pública não tem respeitado tal previsão, exercendo de modo despótico sua competência fiscalizatória.
Tal situação, não obstante demonstre mais uma vez a arbitrariedade da Fazenda Pública, afronta diretamente princípios que permeiam as relações jurídicas, mormente a relação existente entre o Fisco e o contribuinte, precisamente os princípios constitucionais da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, e ainda, aplicando de forma retroativa a legislação tributária, em detrimento ao contribuinte.
Atuar desse modo é violar diretamente a segurança jurídica e o princípio da boa-fé objetiva que regulam as relações jurídicas, mormente as relações entre o contribuinte e o Fisco. Agir nesse sentido é permitir a aplicação retroativa da lei em prejuízo ao contribuinte, contrariando dispositivo de cunho constitucional, precisamente expresso no art. 5°, inciso XL da Constituição Federal.
Não há dúvida, outrossim, que os princípios da segurança jurídica e boa-fé objetiva possuem observância estrita nas relações entre Fazenda Pública e contribuinte, servindo de instrumento indispensável para salvaguardar direitos fundamentais do cidadão ante às constantes investidas Estatais, conforme lição do eminente professor Roque Antonio Carrazza [01]:
E, constatada a insegurança jurídica tem-se necessariamente que o princípio da boa-fé objetiva também se encontra violado, eis que intimamente ligados, capazes de cingir ao contribuinte a certeza, previsibilidade, lealdade e celeridade dos atos do Poder Público, segundo ensinamento de Roque Antonio Carrazza [02]:
Agir desse modo representa flagrante imposição de insegurança jurídica aos contribuintes, impedindo-lhe de efetuar suas relações com o Fisco de forma confiável, vez que a qualquer momento podem ser surpreendidos por autuações fiscais relativas a fatos geradores pretéritos, alcançados e tributados com base em posicionamento já adotado e regularmente deferido pela Fazenda Pública. E, imposta a insegurança jurídica ao contribuinte, tem-se que a boa-fé que deve permear sua relação com o Fisco também se encontra prejudicada, acarretando flagrantes prejuízos à parte hipossuficiente da relação, isto é, o contribuinte.
Nas palavras do professor Kyioshi Harada [03]:
E no mesmo sentido, conclui Antonio Roque Carrazza [04]:
Ora, ao alterar posicionamento sobre situação jurídica antes deferida, a Fazenda Pública impõe total insegurança jurídica aos contribuintes, os quais se encontram sob o constante risco de no transcorrer de sua vida ou no desenvolvimento de sua atividade serem surpreendidos por um novo entendimento do Órgão Fiscal, imputando-lhe obrigações tributárias mesmo após ter acolhido posicionamento em sentido contrário, expresso por ato administrativo editado pela própria Fazenda Pública. E, ante tal atuação, resta totalmente rompida a boa-fé que deve prevalecer na relação entre contribuinte e Fisco.
Outrossim, a desconstituição de ato administrativo concessivo editado pela própria Fazenda, com a consequente revisão dos fatos geradores pretéritos, acaba por empregar condição atípica e ilegal no ato administrativo de lançamento, atribuindo critérios de oportunidade e conveniência a esse ato, que deve necessariamente apresentar caráter vinculado.
Ao revisar o posicionamento jurídico adotado pela Fazenda Pública emprega-se ao ato de lançamento tributário caráter nitidamente discricionário, pois, o Órgão Fiscal altera seu entendimento jurídico por motivos de conveniência ou oportunidade, condição vedada pela legislação tributária vigente, consoante dispõe o art. 142, Parágrafo único do Código Tributário Nacional:
Nesse caminho, a atividade de revisar critérios jurídicos adotados com base em fatos geradores pretéritos, os quais foram lançados sob posicionamento distinto, é valorar tais fatos geradores, de acordo com a conveniência ou oportunidade da Fazenda Pública, dispensando ao ato administrativo de lançamento condição que não lhe é peculiar, violando nitidamente dispositivo do Código Tributário Nacional. Nesse caminho, cumpre apontar as palavras de Láudio Camargo Fabretti [05]:
Não podem ser penalizados, portanto, os contribuintes ante à alteração de posicionamento do órgão fiscalizador em relação à fatos geradores anteriores os quais o mesmo órgão assumiu estarem corretos.
Isto é, a Fazenda Publica inicialmente entende que o contribuinte encontra-se sujeito a determinado tratamento, contudo, após transcurso de tempo submetido ao referido tratamento privilegiado, vem o Órgão Fiscal e de forma arbitrária altera seu entendimento a respeito da legislação, desenquadrando compulsoriamente o contribuinte, imputando-lhe obrigações tributárias decorrentes de fatos geradores pretéritos.
Nessas situações, as obrigações tributárias decorrentes encontram-se carentes de legalidade e legitimidade, merecendo serem plenamente desconstituídas, anulando-se os autos de infração lavrados nesse sentido, conforme tem entendido pacificamente nossos Tribunais:
No mesmo sentido tem se posicionado o Superior Tribunal de Justiça:
Esse também era o entendimento pacificado no extinto Tribunal Federal de Recursos (TRF), consagrado por meio da Súmula 227:
E, com base na Súmula acima exposta o Superior Tribunal de Justiça manteve seu posicionamento:
Desse modo, alterado o critério jurídico pelo Órgão Fazendário, resta impossível sua extensão e revisão de lançamentos anteriores à essa alteração, de forma que somente serão alcançados os fatos geradores posteriores à modificação do critério, sob pena de violar princípios constitucionais da segurança jurídica, boa-fé objetiva e retroatividade da legislação tributária em detrimento ao contribuinte.
E, sendo autuado o contribuinte e lavrado respectivo Auto de Infração com base em fatos geradores pretéritos, tendo como fundamento novo posicionamento jurídico adotado pela Fazenda Pública, tem-se que o referido Auto merece ser totalmente desconstituído, por carecer de legalidade quanto à discricionariedade do ato administrativo de lançamento, e, mormente, por desrespeitar flagrantemente princípios da ordem jurídica vigente.
Bibliografia Consultada:
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - Apelação Cível, nº 70027516210, 22.° Câmara Cível - Rel. Des. Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 18/12/2008. Disponível em http://www.tjrs.jus.br> Acesso em 11/04/2011.
_______, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - Apelação Cível Nº 70016552598, 1.° Câmara Cível, Rel. Des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, Julgado em 18/10/2006. Disponível em http://www.tjrs.jus.br> Acesso em 11/04/2011.
_______, Superior Tribunal de Justiça – Resp n.° 200702427888, Min. Rel. José Delgado – 1.° Turma, Julgado em 21/05/2008. Disponível em http://www.stj.jus.br> Acesso em 19/04/2011.
_______, Superior Tribunal de Justiça – Resp n.° 200601339600, Min. Rel. Castro Meira – 2.° Turma, Julgado em 02/03/2007. Disponível em http://www.stj.jus.br> Acesso em 19/04/2011.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. rev. amp. e atual. até a EC n.° 052/2006 – São Paulo : Malheiros Editores, 2006. pg 423.
FABRETTI, Láudio Camargo. Código Tributário Nacional Comentado. 8. ed. rev. atual. com a LC n.º 118/05 – São Paulo : Atlas, 2008.
HARADA, Kiyoshi. Alteração do critério jurídico de interpretação. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 71, 01/12/2009. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br> Acesso em 19/04/2011.
Notas
- CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. rev. amp. e atual. até a EC n.° 052/2006 – São Paulo : Malheiros Editores, 2006. pg 423.
- CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. rev. amp. e atual. até a EC n.° 052/2006 – São Paulo : Malheiros Editores, 2006. pg 424.
- HARADA, Kiyoshi. Alteração do critério jurídico de interpretação. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 71, 01/12/2009 [Internet].
- CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. rev. amp. e atual. até a EC n.° 052/2006 – São Paulo : Malheiros Editores, 2006. pg 425.
- FABRETTI, Láudio Camargo. Código Tributário Nacional Comentado. 8. ed. rev. atual. com a LC n.º 118/05 – São Paulo : Atlas, 2008. pg. 184.
Autor
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
CAMPOS, Diogo Fantinatti de. A ilegalidade da alteração de critério jurídico pela Fazenda Pública como fato gerador do crédito tributário. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2891, 1 jun. 2011. Disponível em:<http://jus.uol.com.br/revista/texto/19239>. Acesso em: 1 jun. 2011.
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