Não incidência de contribuições previdenciárias sobre o adicional de horas extras.
Natureza indenizatória do adicional de horas extras
http://jus.uol.com.br/revista/texto/19235
Publicado em 05/2011
Resumo: O presente artigo trata da não incidência das contribuições previdenciárias e RAT sobre os valores relativos ao adicional de horas extras. Nele se procurará demonstrar os fundamentos jurídicos com base nos quais é possível defender que o referido adicional não integra a hipótese de incidência das contribuições previdenciárias e RAT a cargo do empregador.
Sumário: 1.Considerações Iniciais; 2.Natureza Indenizatória do Adicional de Horas Extras; e 3. Não Incorporação aos Proventos de Aposentadoria.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A contribuição previdenciária a cargo da empresa e o Seguro sobre Acidente do Trabalho (SAT – atualmente denominado RAT), encontram-se previstos no artigo 22, incisos I e II, da Lei n. 8.212/91, e têm como fato gerador o pagamento de remuneração aos empregados em retribuição ao trabalho prestado, sendo sua base de cálculo o montante da remuneração, excluídos quaisquer valores que não se enquadrem neste conceito.
Remuneração, a teor do que enuncia o art. 457 da CLT, é aquele valor que o empregador paga em contraprestação do serviço que lhe foi prestado ou cuja prestação tenha estado à sua disposição.
Assim, parece ser lugar comum que a hipótese de incidência das contribuições previdenciárias é a remuneração do trabalho prestado ou posto à disposição, estando fora desta hipótese quaisquer outras rubricas cuja natureza não seja remuneratória.
Esta conclusão que ao primeiro olhar parece tão calara e simples, em que pese o seja, suscita, no dia-a-dia da relação entre fisco e contribuinte vivo e acalorado dissídio, uma vez que não costumam ser coincidentes as interpretações por um e por outro dadas à natureza jurídica das diversas verbas pagas pelo empregador ao empregado em razão da relação de emprego.
Especial controvérsia se instaura em relação à natureza jurídica do adicional que é pago ao trabalhador em razão do trabalho em jornada extraordinária, no jargão popular chamado "adicional de hora extra", uma vez que aos olhos do fisco tratar-se-ia de verba remuneratória, enquanto que, com suporte na melhor doutrina e jurisprudência, defendem os contribuintes se tratar de verba tipicamente indenizatória.
Procurar-se-á nas linhas seguintes, pois, mostrar que a razão está com os contribuintes, ou seja, que os valores pelo empregado recebidos à guisa de "adicional de horas extras" não integram a hipótese de incidência das contribuições sociais e RAT à cargo do empregador, primeiro porque sua natureza jurídica é INDENIZATÓRIA e, depois, por se tratar de parcela extraordinária, não habitual, que não se incorpora aos proventos de aposentadoria, consoante enuncia o art. 201, § 11, da Constituição Federal vigente.
2. NATUREZA JURÍDICA DO ADICIONAL DE HORAS EXTRAS
Importante de início referir que a parcela sobre a qual se defende, aqui, não devam incidir contribuições previdenciárias é aquela relativa ao adicional acrescido à hora extraordinária e não a relativa a hora trabalhada.
É de bom tom relembrar que se o trabalhador recebe ordinariamente R$ 100,00 pela hora trabalhada e R$ 150,00 pela hora extra trabalhada, a parcela que se defende não sofrer incidência das contribuições previdenciárias é a relativa ao acréscimo de R$ 50,00, uma vez que este adicional, como nas linhas seguintes se pretende demonstrar, tem por razão exatamente INDENIZAR ao trabalhador o horário de descanso e de lazer sacrificado.
Com efeito, quando o trabalhador labora durante o seu horário normal a contraprestação salarial recebida tem por natureza REMUNERAR, RETRIBUIR a força de trabalho posta à disposição do empregador, o que se dá dentro daquele valor que previamente empregado e empregador ajustaram atribuir a esta força de trabalho. A natureza da contraprestação salarial, em hipóteses tais, é incontestavelmente remuneratória.
Quando além da jornada normal o trabalhador avança com seu labor em jornada extraordinária, sua força de trabalho continua a ser remunerada pelo mesmo valor que a remunera na jornada normal, eis que se trata da mesma força de trabalho. Todavia, em razão de que o trabalhador, para empregar sua força de trabalho na jornada extraordinária, obrigatoriamente tem desacrificar o tempo que dispunha para o seu descanso, lazer e convívio familiar, em indenização a este sacrifício paga-se o adicional que a lei, previamente tarifando a indenização, estipula para as horas extraordinárias, verba esta que, por isso, ostenta nítida natureza INDENIZATÓRIA.
Mais uma vez se diz: A força de trabalho despendida na jornada extraordinária é remunerada pelo mesmo valor que remunera aquela despendida na jornada normal porque, mais uma vez se explica, se trata da mesma força de trabalho.
O adicional de hora extra, cujo percentual varia de acordo com o nível do horário de descanso sacrificado, não remunera o sacrifício, senão que o INDENIZA.
Quando o trabalhador labora em jornada normal, ele vende ao seu empregador a sua força de trabalho. Quando labora em jornada extraordinária o obreiro também vende ao empregador a sua força de trabalho. Como, para poder vender essa força em jornada extraordinária o trabalhador se vê obrigado a prejudicar o seu horário destinado ao descanso e lazer, indeniza-se o prejuízo através do adicional de horas extras.
Diga-se, em prol da tese aqui advogada, que a limitação legal (art. 59 da CLT) à quantidade de horas extras que o empregado pode laborar se dá exatamente em face da natureza prejudicial que o labor em jornada extraordinária representa ao direito de o obreiro repousar e estabelecer o seu convívio social e familiar, tanto que a prorrogação da jornada extraordinária além do limite legal é considerada infração que não se elide nem com o pagamento da hora trabalhada e seu respectivo adicional.
Em suma: O labor em jornada extraordinária causa dano ao trabalhador e, por isso, o adicional que legalmente é assegurado àquele que trabalha em jornada extraordinária tem nítida NATUREZA INDENIZATÓRIA.
Enfatiza-se que tal é a natureza indenizatória do adicional de horas extras que quanto mais importante o período de descanso e de lazer sacrificado, maior o percentual do adicional de horas extras. Se o labor extraordinário foi prestado, por exemplo, no domingo ou dia feriado, o adicional, em regra, é bem maior do que aquele que incide na jornada extra desenvolvida em dia útil, pois o sacrifício do convívio familiar no dia de domingo ou feriado representa dano maior, demandando, por isso, indenização maior.
A jornada extraordinária noturna, por representar sacrifício ao direito de repouso preferencial à noite, gera dano maior e, por isso, o adicional em hipóteses tais é mais elevado do que aquele previsto para o trabalho extraordinário em horário diurno, também em razão de que, pelo princípio da indenização justa, a reparação deve ser proporcional ao direito sacrificado.
Não se tem dúvida, pois, que quando o trabalhador labora em jornada extraordinária ele lança mão de um direito, sacrificando-o e, por isso, por este sacrifício faz jus à devida indenização, a qual se dá pela incidência do adicional de horas extras, já que se trata de indenização pré-tarifada em lei.
Aliás, hipótese em tudo análoga ao adicional de horas extras é a do abono de férias previsto nos arts. 143 e 144 da CLT, verba sobre a qual, por expressa previsão contida no item nº 6, da alínea "e", do § 9º, do art. 28 da Lei nº 8.212/91, não incidem as contribuições previdenciárias.
O abono de férias – que é a conversão em pecúnia de 1/3 do período de férias – popularmente chamado de "férias vendidas" é legalmente isento das contribuições previdenciáriasporque, nada obstante recebido em razão do trabalho que o obreiro prestou durante o período que por direito poderia ter gozado férias, se destina a indenizar o período de descanso e lazer que o trabalhador sacrificou ao vender uma parte de suas férias.
Ora, quando o trabalhador labora em jornada extraordinária, tal qual como o faz quando trabalha em período em que deveria estar gozando suas férias, sacrifica seu período de descanso, lazer e convívio social e familiar. Logo, se no caso do abono pecuniário das férias o valor por tal sacrifico recebido é pela lei reconhecido como INDENIZATÓRIO, porque o mesmo não ocorreria com o adicional de horas extras, que é o acréscimo pago ao trabalhador pelo mesmo sacrifício?
A resposta é simples: Não há motivo para dar à hipóteses análogas tratamento diferenciado. O adicional de horas extras tem natureza indenizatória como também o tem o abono pecuniário, uma vez que ambos, sem distinção alguma, visam compensar pecuniariamente a perda de um direito, qual seja, o direito ao descanso, ao lazer, ao convívio familiar e social, perda esta que se opera quando num e noutro caso o obreiro labora durante o período que por força de lei lhe era lícito estar descansando.
Ressalta-se que, como bem citado por Ives Gandra Martins em artigo de sua autoria intitulado "A Natureza Não Salarial do Adicional de Horas Extras: Caráter Indenizatório e Não Sujeição à Incidência do Imposto Sobre a Renda e das Contribuições Sociais", in http://www.fiscolex.com.br/doc_6224320:
Do mesmo artigo acima citado, destaca-se:
Como se vê, é incontestável a natureza indenizatória do adicional de horas extras, o que, salienta-se, é questão que o Excelso STF vem reconhecendo e pacificando, conforme se pode verificar no julgado cuja ementa abaixo se transcreve:
(Grifo nosso)
O caráter indenizatório das horas extras está explícito no voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes, vejamos:
Ora, não resta dúvida quanto à natureza indenizatória do "adicional de horas extras", o que bem demonstra o abuso e ilegalidade da posição que tem sido defendida pelo Fisco ao atribuir ao referido adicional caráter remuneratório, sobre ele defendendo incidir as contribuições previdenciárias a cargo do empregador.
De enfatizar que não soa pertinente a alegação costumeiramente esgrimida pelo fisco de que por força da dicção "... demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título ..." constante da alínea "a" do inciso I do art. 195 da CF/88, o adicional de horas extras deva integrar a hipótese de incidência das contribuições previdenciárias.
Como antes se disse, o referido adicional NÃO É RENDIMENTO DO TRABALHO senão que INDENIZAÇÃO, COMPENSAÇÃO, REPARAÇÃO PECUNIÁRIA DO SACRIFÍCIO DO DIREITO AO DESCANSO E AO LAZER.
Ora, se o adicional de horas extras não é RENDIMENTO RECEBIDO POR CONTA DO TRABALHO, porquanto o conceito de indenização não se confunde com o conceito de renda, uma vez que enquanto esta acresce aquela limita-se a compensar pecuniariamente uma lesão, à norma constitucional em comento não se pode atribuir a interpretação que os que nela amparam a tese em prol da tributação do adicional de horas extras atribuem.
A propósito do tema, pela costumeira excelência que lhe é peculiar, vale mais uma vez citar o magistério do culto jurista Ives Gandra Martins (op. cit.):
É sem dúvida, pois, a ausência de relação jurídica tributária que ampare a cobrança de contribuições previdenciárias sobre a parcela relativa ao adicional de horas extras quando, como aqui se viu, sua natureza é INDENIZATÓRIA.
3. NÃO INCORPORAÇÃO DA PARCELA PARA FINS DE APOSENTADORIA
Visto por outro ângulo, considerando que o adicional de horas extras não se incorpora ao salário para fins de aposentadoria, não pode ele, como tem reconhecido pacificamente o Excelso STF, ser base de incidência das contribuições sociais previdenciárias.
Com efeito, no capítulo reservado à Previdência Social, a Carta Magna, em seu artigo 201, § 11, assim dispõe:
Logo, em decorrência do sistema contributivo/retributivo, somente poderá integrar a base de cálculo para fins de contribuição para a seguridade social aquelas verbas que serão consideradas no momento da aposentadoria. Em outras palavras: só podem sofrer a incidência da contribuição previdenciária as parcelas incorporáveis ao salário do empregado para fins de aposentadoria, o que não é o caso das horas extras que, por essa razão, não dão azo à incidência das contribuições previdenciárias, como vem se pacificando no âmbito do E. Supremo Tribunal Federal, conforme se pode verificar pelas ementas a seguir transcritas:
(Grifamos)
Também o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo a matéria na mesma linha das decisões supra citadas, firmando entendimento pela não incidência das contribuições previdenciárias, já que se trata de parcela não incorporável ao salário para fins de cálculo de aposentadoria. Veja-se:
Deste modo, os valores pagos a título de indenização pelas horas extras, clara e notadamente, os valores relativos ao adicional de hora extra, extrapolam o campo de incidência das contribuições previdenciárias, POSTO QUE NÃO SÃO INCORPORÁVEIS À REMUNERAÇÃO DO EMPREGADO PARA FINS DE APOSENTADORIA, CONFIGURANDO A NATUREZA, EMINENTEMENTE, INDENIZATÓRIA.
Autor
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
SÁ, Luiz Ricardo de Azevedo. Não incidência de contribuições previdenciárias sobre o adicional de horas extras. Natureza indenizatória do adicional de horas extras. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2890, 31 maio 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/19235>. Acesso em: 1 jun. 2011.
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