A teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova no direito processual civil brasileiro
http://jus.uol.com.br/revista/texto/10264
Publicado em 08/2007
SUMÁRIO: 1. Prova: 1.1. Conceito; 1.2. Valoração da prova; 1.3. Ônus da prova; 1.4. Distribuição do ônus da prova; 1.5. Poderes instrutórios do juiz; 1.6. Modificação do ônus da prova - 2. Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova: 2.1. Origem e definição; 2.2. Recepcionabilidade da Teoria das Cargas Processuais Dinâmicas no Direito Brasileiro - 3. Conclusão - 4. Referências bibliográficas.
RESUMO: O presente artigo versa sobre a Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova, cujas premissas essenciais se contrapõem às regras do art. 333, do CPC, rígidas e apriorísticas, que impõem exclusivamente ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, e, ao réu, os fatos modificativos, extintivos e impeditivos de sua oposição. A teoria, base de estudo deste trabalho, defende, justamente, o afastamento daquelas regras estáticas, impondo o ônus da prova à parte que se encontrar em melhores condições de produzir a prova, podendo o mesmo recair tanto sobre o autor como sobre o réu, a depender das circunstâncias fáticas e processuais de cada um. A mudança busca uma maior efetividade e instrumentalidade do processo, ensejando, por conseguinte, decisões mais justas e equânimes a cada caso concreto submetido ao crivo do Poder Judiciário.
PALAVRAS-CHAVE: Processo Civil; Ônus da prova; Modificação do ônus da prova; Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova.
1. Prova
1.1. Conceito
A prova, na seara do Direito Processual Civil, tem diversas acepções. Inicialmente, prova no sentido de fonte de prova. Como o próprio nome já indica, fonte de prova é a origem de onde brota a prova. Exemplificando, fontes de prova podem ser coisas, pessoas, fenômenos etc. Há, também, prova como meio de prova, que é a técnica de se extrair a prova de sua fonte e transplantá-la no processo a fim de proporcionar ao juiz o conhecimento da verdade dos fatos trazidos à sua apreciação pelas partes processuais e sobre a qual alicerçará seu convencimento. Por fim, a prova como resultado, ou seja, a prova em sentido subjetivo, que se traduz na convicção do julgador formada a partir das provas produzidas no curso do processo.
Embora haja essa plurissignificância da palavra prova, para o presente trabalho, doravante, cuidaremos do conceito de prova como o meio de obter a verdade dos fatos, ou chegar ao mais próximo desta possível, no decorrer do processo, para que o juiz construa seu convencimento a respeito dos fatos aventados pelas partes. Em face disso, o Mestre DOMINGOS AFONSO KRIGER FILHO, com inexcedível clareza, assevera que "a prova é a alma do processo, o instrumento necessário à realização do direito ou, no dizer das Ordenações Filipinas, ‘o farol que deve guiar o magistrado nas suas decisões’." [01]
Contudo, essa verdade dos fatos que se busca alcançar com toda a produção probatória não refletirá a mais pura tradução da verdade real, pois é muito difícil, senão impossível, a integral e irretorquível reprodução dos fatos pretéritos em torno dos quais orbita a lide. O que há, na realidade, é uma representação parcial dos fatos, por conseqüência, uma representação parcial da verdade, através da qual se chegará à mais próxima probabilidade dos fatos, isto é, o que possivelmente ocorreu ou quais foram ou são provavelmente os fatos.
Os fatos, porquanto, constituem o objeto da prova, uma vez que o direito independe de demonstração, exceto nos casos previstos no art. 337, do Código de Processo Civil. Todavia, dentre os fatos, existem aqueles que prescindem de prova, conforme os ditames do art. 334 do já referido Código – são eles: os fatos notórios; os afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; os admitidos como incontroversos; e aqueles em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade. Desta forma, somente os fatos controvertidos, relevantes e determinados carecem de prova.
Em linhas gerais, controvertidos são todos aqueles fatos sobre os quais as partes conflitam. Uma parte os afirma e a parte contrária os contesta, não os admitindo como verdadeiros. Relevantes, por sua vez, são aqueles que têm relação ou conexão com a causa ajuizada, isto é, os que possuem condições de influir na decisão da causa. E, por fim, determinados são os que apresentam características, limites e qualidades intrínsecas capazes de diferenciá-los dos demais que se lhes assemelham.
Deste modo, são insuscetíveis de prova os fatos indeterminados ou indefinidos. Da mesma forma, aqueles que não têm o condão de influenciar no julgamento da causa são considerados inúteis e, conseqüentemente, não necessitam serem submetidos à comprovação. Trata-se inequivocamente de uma fiel concretização do vetusto brocardo latino "frusta probatur quod probatum nom relevat". Logo, consideram-se irrelevantes os fatos, física ou juridicamente, impossíveis e, igualmente, aqueles nos quais a prova se mostra impossível por determinação legal ou pela sua própria natureza.
1.2. Valoração da prova
Depois da produção das provas pelas partes, cabe ao magistrado efetuar a valoração das provas produzidas. O sistema adotado pelo Processo Civil Brasileiro, atualmente, é o da persuasão racional ou do livre convencimento motivado, através do qual o juiz tem ampla liberdade para valorar a prova constante dos autos e, assim, formar seu convencimento – devendo, entretanto, motivá-lo de forma racional, consoante rezam os arts. 131, 165, 436 e 458, II, do nosso Código de Processo Civil. Como principais balizas desse sistema, apontam-se a exigência de fundamentação, a argumentação racional e a obediência às regras da experiência. Enveredando sobre o tema em comento, OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA assevera que o juiz tem o
Destarte, no hodierno estágio da evolução da doutrina processualista civil, mais desapegada do formalismo exacerbado e com mais discricionariedade do magistrado, este passa a ter um papel cada vez mais ativo tanto na produção da prova, em sua valoração, bem como na repartição do ônus da prova como veremos a seguir pormenorizadamente.
1.3. Ônus da prova
Na linguagem técnico-jurídica, ônus não é sinônimo de obrigação. Processualmente, fala-se em ônus quando se tutela interesse próprio, e em obrigação quando há interesse de outrem. Eis o entendimento burilado de ALVIM NETTO, transcrito por RODRIGO GARCIA SCHWARZ, que faz essa diferenciação de maneira fulgente:
Ônus, por conseguinte, é a faculdade que a parte dispõe para praticar ou deixar de praticar determinado ato processual – ato este que lhe proporcionará alguma vantagem própria se adimplir com seu ônus. Se a parte não exercita o ônus que lhe compete, esta apenas deixa de usufruir a vantagem processual que obteria se o tivesse exercitado, no momento e na forma previstos nas leis processuais.
Por sua vez, o ônus da prova trata-se de uma regra processual que, ressalte-se, não atribui o dever de provar o fato, mas sim atribui o encargo a uma das partes pela falta de prova daquele fato que lhe competia. Na precisa lição do Mestre FREDIE DIDIER JR., a "expressão ‘ônus da prova’ sintetiza o problema de saber quem responderá pela ausência de prova de determinado fato." [04]
O ônus da prova tem duas funções primordiais. Primeiro, estimular as partes a provar as alegações que fizerem. Segundo, ajudar o magistrado que ainda permanecer em estado de dúvida, oferecendo-lhe um critério de julgamento capaz de evitar o "non liquet". Como cediço, no Direito Romano, era permitido ao juiz se recusar a julgar causas que, na visão dele, não estavam claras. Podia simplesmente sentenciar "sibi non liquere". No entanto, hoje em dia, vigora regra da vedação do "non liquet", não admitindo mais que o juiz se esquive de decidir sob qualquer alegativa, inclusive por falta ou insuficiência de provas. Deparando-se com a incerteza, plenamente aceitável no sistema do livre convencimento motivado, o juiz, nesse caso, utilizar-se-á das regras de distribuição do ônus da prova, onerando aquela parte que carregava o encargo da prova com uma sentença desfavorável visto que não produziu prova necessária a corroborar suas alegações. Tais regras resolvem a controvérsia nos casos em que a produção probatória não convence ao juiz, guiando-o a julgar em desfavor daquele a quem incumbia o ônus da prova, e não o cumpriu satisfatoriamente.
1.4. Distribuição do ônus da prova
Na dicção do art. 333, do Código de Processo Civil, a distribuição do ônus da prova, regra geral, se dá nos seguintes moldes: incumbe ao autor a prova dos fatos constitutivos de seu direito; e, ao réu, a existência de fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor.
Segundo o entendimento clássico, as regras emanadas do artigo sobredito seriam objetivas e fixas, distribuídas de forma imutável pelo legislador. Entretanto, essa visão estática de distribuição do ônus da prova vem sofrendo críticas da doutrina moderna e, felizmente, perdendo forças, visto que essa rigidez muitas vezes dificulta a adequação do regime da prova ao caso concreto. Por exemplo, há situações onde o direito material alegado por uma das partes é de difícil, onerosa ou mesmo impossível demonstração pela mesma. Já para a parte adversa não existem tantos óbices dificultando a produção por ela da prova imprescindível ao deslinde da causa "sub judice". Por tudo isso, a doutrina contemporânea vem pugnando pela flexibilização destas regras de distribuição do ônus da prova, no sentido de permitir ao juiz que, deparando-se com nítido desequilíbrio das condições probatórias entre as partes, motivadamente, decida por adequar a regra de distribuição do ônus da prova ao caso concreto, determinando que este ônus recaia sobre a parte que dispuser das melhores condições de provar os fatos submetidos a julgamento.
Assim sendo, a regra estática de distribuição do ônus da prova, acolhida pelo nosso Código de Processo Civil, notadamente em seu art. 333, vem sofrendo mitigações em prol de uma maior efetividade e instrumentalidade do processo, que são alguns dos estandartes da perspectiva publicista do processo, atual tendência do Direito Processual Civil, capitaneada por Cândido Rangel Dinamarco. Para esta corrente doutrinária, estas regras de distribuição do ônus da prova não devem ser interpretadas como limitadores dos poderes instrutórios do juiz. Ao contrário, defende uma atuação ativa do juiz no âmbito da instrução processual, com o escopo de corrigir eventuais desequilíbrios na produção probatória vislumbrados caso a caso, para, com isso, proferir uma decisão mais justa e equânime.
1.5. Poderes instrutórios do juiz
Ao finalizar a instrução probatória, o juiz, de posse do arcabouço probatório constante nos autos, formará seu convencimento. Se entender que já há provas suficientes a gerar um grau de certeza sobre os fatos apreciados, o juiz proferirá seu julgamento, pouco importando a quem competia o ônus da prova. Mas, se ainda persistir seu estado de dúvida, o que deve fazer o magistrado?
Se tomarmos por parâmetro o entendimento da doutrina tradicional, fundamentada no Estado Liberal, cujos princípios vetoriais são o do dispositivo, o da inércia e o da imparcialidade do juiz, a atuação do magistrado seria excessivamente tolhida pelos supramencionados princípios, devendo somente esperar que a prova venha ao seu crivo. Assim, não lhe restaria outra solução senão apenas regular o desenrolar do processo, até que o mesmo esteja em condições de ser julgado. A iniciativa do magistrado seria tão-somente complementar e dar-se-ia somente após as partes se desincumbirem de provar os fatos afirmados por cada uma delas. Se, depois das partes apresentarem suas respectivas provas, ainda pairarem dúvidas a respeito dos fatos em questão no entender do juiz, só neste momento se movimentaria no afã de encontrar uma solução para o litígio. Isto poderia implicar em algum suposto prejuízo, já que há alguns tipos de provas que, se não colhidas no exato momento em que vêm à tona, não produzirão mais os mesmos efeitos que teriam caso tivessem sido produzidas naquele momento oportuno.
Noutro sentido, nos trilhos da Democracia Social, o Processo Civil passa a conferir uma intensificação na participação ativa do juiz, inclusive na fase instrutória, com o propósito fundamental de assegurar efetividade à tutela jurisdicional. LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, empunhando a bandeira desse posicionamento, asseguram que só assim ocorrerá:
É incontestável que o ônus da prova continua sendo um encargo das partes. A estas competem provar os fatos que alegarem. Nada obstante, ao magistrado também interessa a produção da prova, posto que a falta de prova ou a falha na sua produção prejudicará, em demasia, seu convencimento. Daí, a principal mudança defendida pela doutrina moderna que vê o processo como um Direito Público. Tomando por base esta visão publicística, o juiz pode determinar a prova de ofício, bem como agir concomitantemente e em igual condições com as partes, respeitando, sem sombra de dúvidas, as garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e da obrigatoriedade de motivação, tudo isso com o objetivo primordial de elucidar os fatos imprescindíveis para a formação de sua convicção sobre o mérito da causa. A possibilidade do juiz de participar de uma forma mais ativa na produção da prova não retira das partes, de maneira alguma, a possibilidade de continuar participando da formação da prova e também da consideração de seus resultados.
Na atual conjuntura da processualística civil, não existem razões plausíveis para podar este progressivo aumento dos poderes outorgados ao juiz, que realmente deve desempenhar um papel cada vez mais diligente na fase probatória do processo. Como dizem os festejados processualistas MARINONI e ARENHART, "um processo verdadeiramente democrático, fundado na isonomia substancial, exige uma postura ativa do magistrado" [06]. Sustentar que, agindo deste modo, o juiz estaria perdendo sua imparcialidade configuraria, no mínimo, um despautério. Podem muito bem ocorrer, e, de fato, ocorrem situações fáticas onde fatos relevantes não são trazidos ao processo em decorrência de uma menor sorte econômica de uma das partes ou mesmo por astúcia de uma delas que omitem ou mascaram os fatos conforme a sua conveniência e ao seu bel-prazer. Nestes casos, o cruzar de braços do juiz é que caracterizaria uma parcialidade. Poderosas e irrefragáveis são as palavras de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER firmando seu entendimento, cujo enxerto abaixo trasladado arremata perfeitamente o posicionamento aqui defendido:
Ademais, o próprio Código de Processo Civil, em seu art. 130, reconhece ao juiz o poder de determinar a produção de toda prova que entender pertinente à instrução do processo, independentemente da feição inicial do processo ser regida pelo princípio do dispositivo da demanda. Ou seja, ao juiz não é permitido iniciar a ação ou alterar seu objeto, mas conduzir ativamente a instrução probatória é plenamente possível, por orientação expressa do legislador.
O dogma de neutralidade do juiz se mostra cada vez mais obsoleto, ainda mais agora que a igualdade é uma das importantes bússolas do processo. A igualdade substancial no processo consiste em tratar os iguais de forma igual, e os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades, permitindo, na medida do possível, que partes se apresentem com as mesmas oportunidades e com os mesmos instrumentos processuais capazes de estear seu direito perquirido, ou seja, proporcionar que as partes que venham a juízo em paridade de armas, pois que "o processo não deve ser um jogo em que o mais capaz sai vencedor, mas instrumento de justiça, com o qual se pretende encontrar o verdadeiro titular de um direito" [08]. Daí a justificação do aumento dos poderes instrutórios do juiz: equilibrar as partes dentro do processo.
1.6. Modificação do ônus da prova
Normalmente, a maioria dos operadores do direito, neste rol o próprio legislador, emprega o termo inversão do ônus da prova, em vez de modificação do ônus da prova. Embora a expressão já esteja arraigada no mundo jurídico, não podemos deixar de objurgá-la, tendo em vista que, na realidade, inversão não ocorre. Se assim fosse, caberia ao réu o ônus da prova dos fatos constitutivos do autor, e, ao autor, a prova dos fatos modificativos, extintivos e impeditivos aduzidos pelo réu em seu desfavor. E não é assim que se sucede. Na verdade, ocorre é uma modificação na regra geral prevista no art. 333, do Código de Processo Civil, quando o juiz se depara com uma instrução processual tímida e fraca, incapaz de convencê-lo. Diante da proibição do "non liquet", o juiz modifica o encargo de fazer a prova, transferindo-o à parte que tem mais condições de produzi-la no caso concreto visando afastar, de uma vez por todas, a obscuridade dos fatos para, com isso, conseguir formar o seu convencimento.
Frise-se, por oportuno, que a modificação do ônus da prova pelo juiz deve ser sempre pautada pela razoabilidade de tal medida. Se não há possibilidade da outra parte cumpri-lo a contento ou se a modificação da regra de distribuição do ônus da prova lhe implicar uma verdadeira pena, em vez de um ônus, não se justificará a alteração da regra geral. Urge, todavia, uma ponderação racional em cada caso, particularmente com o fito de certificar que a imposição dessa modificação não violará normas constitucionais e processuais protetivas de ambas as partes. Como cuidadosamente dito por LUIZ GUILHERME MARINONI, a modificação do ônus da prova só deve ocorrer quando "ao autor é impossível, ou muito difícil, provar o fato constitutivo, mas ao réu é viável, ou muito mais fácil, provar a sua inexistência." [09]
1.7. Momento de aplicação das regras de distribuição do ônus da prova
Ultrapassadas todas as tentativas, tanto das partes como do juiz, de fazer com que os fatos trazidos a julgamento fossem comprovados no processo e, ainda assim, persistir a situação de incerteza impeditiva do juiz proferir sua decisão de mérito, não lhe restará outra opção senão distribuir o ônus de ter ficado em estado de dúvida. Usando as regras de distribuição do ônus probatório, identificará quem sucumbirá no seu direito justamente por não tê-lo provado conforme seu encargo.
No que pertine à natureza das regras que fixam a distribuição do ônus da prova entre as partes, a doutrina especializada é divergente. Para uma parte dela, as regras em comento são regras de procedimento, destinadas às partes, indicando-lhes como devem ser suas condutas no processo, notadamente fixando-lhes a função de trazer as provas para o processo. Em contraponto, outra corrente doutrinária, da qual comungamos, sustenta que estas regras determinadoras do ônus probatório são regras de julgamento, dirigida ao juiz, que as utilizará no momento de sua decisão, onerando a parte a quem caberia a prova do fato e não a fez ou a fez de modo insuficiente ou deficiente. Deduz-se disto que estas regras não são destinadas às partes, tampouco postas para determinar como elas devem proceder na produção das provas que lhe competem, mas direcionadas ao juiz para influir na forma de seu julgamento quando o mesmo constatar no processo a ausência ou insuficiência de prova dos fatos ventilados no transcurso do processo. Na precisa lição de NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, "o sistema não determina quem deve fazer a prova, mas sim quem assume o risco caso não se produza." [10]
Enfim, no que tange ao momento de aplicação das regras de repartição do ônus da prova, entendidas como regras de julgamento, SÉRGIO CRUZ ARENHART é incisivo ao afirmar que estas
Imperioso, nesta ocasião, fazermos uma distinção merecedora de destaque, qual seja, entre o momento de aplicação das regras do ônus probatório e o momento da ciência às partes que a modificação das regras ocorrerá. Como explanado alhures, o momento de aplicação das regras do ônus probatório se dá quando o juiz está julgando a causa. No que toca ao momento da ciência às partes da modificação das regras do ônus probatório, em razão de situações peculiares detectadas no processo, há uma flamante polêmica baseada em eventual ofensa às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Muitos doutrinadores entendem que, para não ferir as garantias aludidas, o juiz deveria proceder tal comunicação às partes no momento do recebimento da petição inicial, ou por ocasião do despacho saneador, ou até o final da instrução. Quanto à fase processual exata de advertir às partes da provável mudança das regras do ônus probatório, é outra celeuma doutrinária que não vem ao caso. Com um forte argumento, CARLOS FONSECA MONNERAT ousa divergir de significativa parcela da doutrina defendendo a desnecessidade de aviso prévio da probabilidade de modificação do ônus da prova possivelmente aplicado pelo juiz ao tempo de sua decisão por uma simples razão: a previsão de tal possibilidade está na lei e todos os operadores do direito têm por obrigação conhecê-la. Sintetizando todo o seu raciocínio, conclui que "o juiz não precisa avisar às partes que, tendo dúvidas no momento da valoração das provas, utilizar-se-á de presunções, de máximas da experiência e, persistindo o impasse, aferirá a distribuição do ônus da prova. Está na lei." [12] ARENHART também envereda pelo mesmo caminho, porém, com um pouco mais de cautela, e diz que "este aviso anterior (sobre a modificação do regime do ônus da prova) é conveniente, mas não obrigatório para o juiz." [13] Outrossim, acrescenta:
2. Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova
2.1. Origem e definição
A chamada Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova tem suas raízes fincadas especialmente na Argentina, lá com a denominação de Teoria das Cargas Processuais Dinâmicas. Naquele país e em outros, como Espanha e Uruguai, vem sendo vastamente difundida e muito bem aceita no meio jurídico, sobretudo no campo da responsabilidade profissional. Tem como principal precursor o jurista argentino Jorge W. Peyrano e com seus ensinamentos introduzimos os primeiros delineamentos do que consiste fundamentalmente esta teoria:
ROLAND ARAZI, outro renomado doutrinador da Teoria da Prova, corroborando com as idéias emanadas do escólio acima transcrito, ensina que:
Denota-se que a Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova rompe com as regras rígidas e estáticas da distribuição do "onus probandi" tornando-as mais flexíveis e dinâmicas, adaptáveis a cada caso especificamente. No dizer dessa teoria, não importa a posição da parte, se autora ou ré; também não interessa a espécie do fato, se constitutivo, impeditivo, modificativo, ou extintivo; o importante é que o juiz valore, no caso concreto, qual das partes dispõe das melhores condições de suportar o ônus da prova, e imponha o encargo de provar os fatos àquela que possa produzir a prova com menos inconvenientes, despesas, delongas etc., mesmo que os fatos objetos de prova tenham sido alegados pela parte contrária. Com efeito, se a parte a quem o juiz impôs o ônus da prova não produzir a prova ou a fizer de forma deficitária, as regras do ônus da prova sobre ela recairão em razão de não ter cumprido com o encargo determinado judicialmente. MIGUEL KFOURI NETO sintetiza didaticamente o dinamismo dessa teoria ora estudada: "as regras que determina a posição da parte litigante - autor ou réu - nos processos, quanto à prova, em geral são imutáveis, ao longo da demanda. No entanto, por decisão do juiz, tais posições podem variar - e o sistema deixa de ser pétreo, para se tornar dinâmico." [17]
É indubitável que, à luz da Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova, ao juiz é dada uma maior discricionariedade na avaliação da distribuição das regras desse ônus, colimando gerar um maior entrosamento e colaboração das partes com o órgão jurisdicional, como corolário direto dos princípios da solidariedade, cooperação, boa-fé, dentre outros. Se ao analisar a lide posta ao seu crivo, o juiz identificar que, pelos mandamentos da lei, o ônus da prova recai sobre a parte mais desprovida, de algum modo, de condições de suportá-lo, a partir deste instante ele deverá mudar as regras de jogo, modificando a distribuição do ônus da prova em benefício daquela parte técnica ou economicamente hipossuficiente.
Vale frisar que esta discricionariedade do juiz não é igual à discricionariedade do administrador. Por óbvio, toda atuação do juiz deve ser emoldurada pelos princípios processuais da legalidade, motivação, igualdade, devido processo legal, contraditório, ampla defesa, cooperação, adequação e efetividade. O juiz poderá modificar a regra geral para ajustá-la ao caso concreto reduzindo, na maior medida do possível, as desigualdades das partes e, com isso, tentar evitar a derrota da parte que possivelmente tem o melhor direito, mas que não está em melhores condições de prová-lo.
ANTONIO JANYR DALL’AGNOL JUNIOR, em obra específica referente ao assunto à baila, pontifica como premissas decorrentes da Teoria da Distribuição Dinâmica dos Ônus Probatórios:
Em apertada síntese, a Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova consiste em retirar o peso da carga da prova de quem se encontra em evidente debilidade de suportar o ônus da prova, e impondo-o sobre quem se encontra em melhores condições de produzir a prova essencial ao deslinde do litígio.
2.2. Recepcionabilidade da Teoria das Cargas Processuais Dinâmicas no Direito Brasileiro
Talvez, num primeiro momento, sem maiores reflexões, venha à mente como exemplo da recepção desta teoria no Direito Pátrio o art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, cujo teor prevê a possibilidade de inversão do ônus da prova a fim de facilitar a defesa dos interesses do consumidor, presumidamente hipossuficiente na relação consumerista. Contudo, apesar de ter havido uma flexibilização da distribuição do ônus da prova, a teoria em comento não foi adotada, integralmente, pelo nosso Código de Defesa do Consumidor. Ainda é a regra estática de distribuição do"onus probandi" que rege sobejamente a distribuição do ônus da prova nas relações de consumo. O dispositivo legal citado afirma hialinamente que a inversão do ônus da prova é possível, em favor do consumidor, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente. Ocorrendo qualquer uma dessas previsões legais, assegura MARINONI que "o juiz não precisa inverter o ônus da prova, pois esse ônus já está invertido (ou definido) pela lei." [19]
A discricionariedade do juiz na sistemática do Direito do Consumidor praticamente não existe. O cerne da Teoria Dinâmica da Distribuição do Ônus da Prova está justamente em permitir ao juiz uma maior flexibilização da regras dos ônus probatório de acordo com seu próprio convencimento e conforme seja a situação particular das partes em relação à determinada prova verificada por ele mesmo no processo submetido ao seu crivo, e não só aplicar os critérios anteriormente definidos na lei.
Contudo, de "lege ferenda", o Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos, no seu art. 10, § 1º, adota puramente o critério dinâmico, pelo qual a prova dos fatos cabe a quem estiver mais próximo dela e tiver maior facilidade para produzi-la. Digna, portanto, é a transcrição do aludido artigo dada a importância da inovação que trará ao ordenamento jurídico brasileiro:
À guisa de ilustração, algo muito próximo da Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova também vem sendo aplicado no âmbito do Direito do Trabalho. A doutrina moderna de Direito Processual Trabalhista tem hoje mais um princípio norteador de sua atuação que é o da aptidão para prova. Segundo este princípio, deve provar aquele que estiver apto fazê-lo, independentemente de ser autor ou réu. Poder-se-ia então testificar que a essência da teoria dinâmica já está sendo posta em prática no nosso país.
Como visto, já se pode afirmar que a moderna teoria aqui defendida está ganhando corpo na doutrina especializada e receptividade em nossos Tribunais, tanto que a discussão de sua aplicação já chegou às mais altas Cortes de julgamento do país. Mister fazer referência à inclinação jurisprudencial que concretiza o sopro destes novos ventos:
3.Conclusão
Ante todo o exposto neste trabalho, espera-se que a Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova receba proeminente adesão dos estudiosos do direito, mormente dos magistrados. Aquela visão estática que, aprioristicamente, obriga ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito invocado, e, ao réu, os fatos obstativos da pretensão contra ele articulada, sem levar em consideração as condições probatórias de cada parte, não condiz com os preceitos da atual sistemática do Processo Civil Brasileiro. Em nome da submissão inconteste à regra advinda do art. 333, do Código de Processo Civil, a prestação jurisdicional, muitas vezes, não produz lídima Justiça à causa submetida à apreciação pelo Poder Judiciário – pois, pela regra geral tradicional, o ônus da prova poderia recair sobre a parte mais fraca do processo, isto é, sobre quem não tem condições de fazer a melhor prova capaz de lhe assegurar o direito por ela invocado, enquanto o juiz não faria nada para amenizar essa suposta injustiça, apenas aplicando a regra do ônus da prova se, ao final, do processo as partes não apresentarem suas alegações devidamente provadas.
Corrigindo grande parte desses disparates provocados pela adoção de um regramento completamente rígido, que fere tantos princípios constitucionais, consoante demonstrado anteriormente, desponta a moderna teoria, por meio da qual o ônus da prova pode recair tanto no autor como no réu, a depender das circunstâncias do caso e da situação processual de cada uma das partes. Ao magistrado é permitido fazer um juízo de ponderação e, mediante decisão devidamente motivada, respeitando todas as garantias constitucionais asseguradas às partes, modificar a regra de distribuição do ônus da prova fazendo incidir sobre a parte que tem o controle dos meios de prova e, por isso mesmo, se encontra em melhores condições de produzi-la a contento, ou seja, apta a trazer aos autos a prova capital que descortinaria a verdade dos fatos controvertidos. É logicamente insustentável que, se há uma parte em melhores condições de produzir a prova, deixe de fazê-lo unicamente pelo apego a formalismos exacerbados e, por que não dizer, desarrazoados. O processo moderno não mais coaduna com esse tipo de idéias, pois que seu escopo maior é garantir o direito a quem realmente seja seu titular.
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SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Breves considerações sobre as regras de distribuição do ônus da prova no processo do trabalho. Revista Síntese Trabalhista. Porto Alegre: Síntese, n. 202, p. 16, abr.2006.
SILVA, Ovídio Baptista. Curso de Processo Civil, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, vol. I, 1978.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O ônus da prova. Revista Jurídica Consulex, Brasília: Editora Consulex, n. 200, p. 40, mai.2005.
Notas
01 KRIGER FILHO, Domingos Afonso. Inversão do ônus da prova: regra de julgamento ou de procedimento? Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 138, p. 278, ago.2006.
02 SILVA, Ovídio Baptista. Curso de Processo Civil, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1978, vol. I, p. 288.
03 SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Breves considerações sobre as regras de distribuição do ônus da prova no processo do trabalho. Revista Síntese Trabalhista. Porto Alegre: Síntese, n. 202, p. 16, abr.2006.
04 DIDIER JR., Fredie. Direito Processual Civil. 4ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2004, vol. I, p. 423.
05 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. V, t. I, p. 192.
06 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. Cit., p. 192.
07 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O ônus da prova. Revista Jurídica Consulex, Brasília: Editora Consulex, n. 200, p. 40, mai.2005.
08 BEDAQUE, José dos Santos. Garantias da Amplitude de Produção Probatória in TUCCI, José Rogério Cruz e (Coord). Garantias Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 175.
09 MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades de caso concreto. Disponível em:http://www.professormarinoni.com.br/artigos.php. Acesso em: 26.01.07.
10 NERY JUNIOR, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 9ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 531.
11 ARENHART, Sérgio Cruz. Ônus da Prova e sua modificação no processo civil brasileiro. Revista Jurídica: Órgão Nacional de Doutrina, Jurisprudência, Legislação e Crítica Judiciária, Porto Alegre: Notadez/Fonte do Direito, n. 343, p. 49, mai.2006.
12 MONNERAT, Carlos Fonseca. Momento da ciência aos sujeitos da relação processual de que a inversão do ônus da prova pode ocorrer. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 113, p. 84, jan/fev.2004.
13 ARENHART, Sérgio Cruz. Op. Cit., p. 31.
14 ARENHART, Sérgio Cruz. Op. Cit., p. 31.
15 PEYRANO, Jorge W., Aspectos procesales de la responsabilidad profesional, in, Lãs Responsabilidades Profesionales – Libro al Dr. Luis O. Andorno, coord. Augusto M. Morello e outros, La Plata: LEP, 1992, p. 263.
16 ARAZI, Roland. La carga probatoria. Disponível em: http://www.apdp.com.ar/archivo/teoprueba.htm. Acesso em: 29.01.07.
17 KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 137.
18 DALL’AGNOL JUNIOR, Antonio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista Jurídica, Porto Alegre: Notadez/Fonte do Direito, n. 280, p. 11, fev.2001.
19 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit. Disponível em: http://www.professormarinoni.com.br/artigos.php. Acesso em: 26.01.07.
20 STJ. REsp 69309 / SC; RECURSO ESPECIAL 1995/0033341-4. Rel(a).:Min. Ruy Rosado de Aguiar. Órgão Julgador: T4 - Quarta Turma. Data do Julgamento: 18/06/1996. Data da Publicação/Fonte: DJ 26.08.1996 p. 29688.
21 STJ. Ag 706524. Rel(a).: Min. Teori Albino Zavascki. Data da Publicação: DJ 05.10.2005.
22 Apelação Cível Nº 70013361043, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 21/12/2006.
23 Apelação Cível Nº 70017420225, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 07/12/2006.
24 Apelação Cível Nº 70010284180, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 16/03/2005.
25 Apelação Cível Nº 70006513477, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 15/12/2004.
Sobre o autor
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
AZEVEDO, Antonio Danilo Moura de. A teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova no direito processual civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1500, 10 ago. 2007. Disponível em:<http://jus.uol.com.br/revista/texto/10264>. Acesso em: 27 abr. 2011.
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