Noite romana - Pier Paolo
Pasolini
Onde vais pelas ruas de
Roma,
nos tróleis ou no elétricos
em que as pessoas
voltam para casa?
Apressado, obcecado, como se
te aguardasse o trabalho
paciente
de onde a esta hora os outros
regressam.
É logo a seguir ao jantar,
quando o vento
cheira a quentes misérias
familiares
perdidas nas mil e uma
cozinhas, nas
longas ruas iluminadas,
sobre as quais mais claras
espiam as estrelas.
No bairro burguês, reina a
paz
que a todos satisfaz em
suas casas,
não sem alguma cobardia, e
que todos gostariam
que lhes enchesse cada
noite da existência.
Ah, ser diferente – num
mundo porém
culpado – significa que não
se é inocente…
Vá, desce pelas curvas
escuras
da avenida que conduz ao
Trastevere:
verás que, imóvel e
devastada, como
arrancada a uma lama de
outras eras
- para satisfazer quem pode
roubar
mais um dia à morte e à dor
-
tens a teus pés toda a
cidade…
Desço, atravesso a Ponte
Garibaldi,
rente ao parapeito,
passando os nós dos dedos
pelo rebordo de pedra
esboroada,
dura no ar morno que a
noite
ternamente exala, sobre a
copa
quente dos plátanos. Na
outra margem,
como lajes em fila
descorada,
as mansardas, plúmbeas,
rasas, do amarelado casario
enchem o céu deslavado.
Caminhando pelo lajedo
deslabrado, de osso,
contemplo, ou melhor,
cheiro o grande bairro
familiar,
prosaico e ébrio –
salpicado de estrelas
envelhecidas e janelas
sonoras -:
o Verão escuro e úmido
doura-o,
por entre as baforadas
sujas
que o vento vindo dos
campos
do Lácio espalha com a
chuva
sobre carris e fachadas.
E como cheira, no calor tão
denso
que é também espaço,
o paredão, aqui em baixo:
desde a ponte Sublicio até
o Gianicolo
o fedor mistura-se à
embriaguez
da vida que não é vida.
Sinais impuros de que por
aqui passaram
velhos bêbados de Ponte,
antigas
prostitutas, bandos de
malandrins
despudorados: rastos
humanos,
impuros que, humanamente
infectos,
vêm falar-nos, violentos e
pacíficos,
desses homens, dos seus
baixos prazeres
inocentes, dos seus míseros
desígnios.
Pier Paolo Pasolini
(Bolonha, Itália, 5 de março de 1922 - Óstia, Itália, 2 de novembro de 1975) -
Além de mundialmente conhecido e importante cineasta, também foi poeta,
escritor, jornalista e professor. Formou-se em Literatura pela Universidade de
Bolonha, pertenceu ao Partido Comunista Italiano. Combateu o Fascismo a sua
vida inteira. Foi brutalmente assassinado sob condições ainda bastante
polêmicas. Pasolini realizou filmes que se tornaram clássicos como 'Medeia',
'Os 120 dias de Sodoma' e 'Teorema'. Todas as traduções foram feitas por Maria
Jorge Vilar de Figueiredo
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