segunda-feira, 25 de março de 2013

Enviado por Pedro Lago ao blog do Noblat



Noite romana - Pier Paolo Pasolini

Onde vais pelas ruas de Roma,
nos tróleis ou no elétricos em que as pessoas
voltam para casa? Apressado, obcecado, como se
te aguardasse o trabalho paciente
de onde a esta hora os outros regressam.
É logo a seguir ao jantar, quando o vento
cheira a quentes misérias familiares
perdidas nas mil e uma cozinhas, nas
longas ruas iluminadas,
sobre as quais mais claras espiam as estrelas.
No bairro burguês, reina a paz
que a todos satisfaz em suas casas,
não sem alguma cobardia, e que todos gostariam
que lhes enchesse cada noite da existência.
Ah, ser diferente – num mundo porém
culpado – significa que não se é inocente…
Vá, desce pelas curvas escuras
da avenida que conduz ao Trastevere:
verás que, imóvel e devastada, como
arrancada a uma lama de outras eras
- para satisfazer quem pode roubar
mais um dia à morte e à dor -
tens a teus pés toda a cidade…

Desço, atravesso a Ponte Garibaldi,
rente ao parapeito, passando os nós dos dedos
pelo rebordo de pedra esboroada,
dura no ar morno que a noite
ternamente exala, sobre a copa
quente dos plátanos. Na outra margem,
como lajes em fila descorada,
as mansardas, plúmbeas, rasas, do amarelado casario
enchem o céu deslavado. Caminhando pelo lajedo
deslabrado, de osso, contemplo, ou melhor,
cheiro o grande bairro familiar,
prosaico e ébrio – salpicado de estrelas
envelhecidas e janelas sonoras -:
o Verão escuro e úmido doura-o,
por entre as baforadas sujas
que o vento vindo dos campos
do Lácio espalha com a chuva
sobre carris e fachadas.

E como cheira, no calor tão denso
que é também espaço,
o paredão, aqui em baixo:
desde a ponte Sublicio até o Gianicolo
o fedor mistura-se à embriaguez
da vida que não é vida.
Sinais impuros de que por aqui passaram
velhos bêbados de Ponte, antigas
prostitutas, bandos de malandrins
despudorados: rastos humanos,
impuros que, humanamente infectos,
vêm falar-nos, violentos e pacíficos,
desses homens, dos seus baixos prazeres
inocentes, dos seus míseros desígnios.


Pier Paolo Pasolini (Bolonha, Itália, 5 de março de 1922 - Óstia, Itália, 2 de novembro de 1975) - Além de mundialmente conhecido e importante cineasta, também foi poeta, escritor, jornalista e professor. Formou-se em Literatura pela Universidade de Bolonha, pertenceu ao Partido Comunista Italiano. Combateu o Fascismo a sua vida inteira. Foi brutalmente assassinado sob condições ainda bastante polêmicas. Pasolini realizou filmes que se tornaram clássicos como 'Medeia', 'Os 120 dias de Sodoma' e 'Teorema'. Todas as traduções foram feitas por Maria Jorge Vilar de Figueiredo



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