Tia Peregrina
17 de janeiro de 2013
Luis Fernando Verissimo - O Estado de
S. Paulo
Velha piada: qual é a diferença entre um visitante
francês e um visitante judeu? O visitante francês vai embora sem se despedir, o
judeu se despede mas não vai embora. Nós tínhamos uma tia - a famosa tia
Peregrina - que seguia o método judeu. Quando a tia Peregrina começava a se
preparar para sair, sabíamos que aquilo era apenas o início de uma longa
retirada, prolongada por assuntos que ainda não tinham sido tratados. A tia
Peregrina podia ficar em silêncio durante toda a visita mas na sua saída
começavam a brotar assuntos e fofocas e revelações que tinham ficado
esquecidas, todas lembradas pela tia Peregrina. A migração da tia Peregrina da
sua cadeira até a calçada, que era onde a conversa ficava mais animada, podia
levar horas. E se alguém sugerisse que voltassem para a sala e se sentassem de
novo para continuar a conversa, a tia Peregrina era a primeira a protestar:
- Não, não. Estou indo embora. Já me despedi de todo
o mundo
E não ia embora.
Durante muitos anos a tia Peregrina fez parte do
folclore da família. Quando alguém se atrasava para sair de casa, ouvia:
- Vamos, tia Peregrina!.
Até amigos que nunca conheceram a tia Peregrina, mas
conheciam sua fama, a evocavam para desculpar um atraso.
- Epa, desculpe. Dei uma de tia Peregrina.
Confesso que não sei qual era o parentesco dela
conosco, nem que fim levou. Parte do seu hábitat, a calçada onde todas as
conversas terminavam, ficou inabitável. Mas duvido que assaltantes e balas
perdidas fossem impedi-la de contar a última. Sempre imagino a tia Peregrina
sendo velada, e no momento em que vão tampar o caixão, levantando o dedo e
dizendo:
- Esperem, tem uma que eu não contei.
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