quarta-feira, 8 de agosto de 2012


ASCENSÃO E QUEDA DO HUMANANISMO: COMO A DESGRAÇA ALHEIA NOS COMPRAZ

Luiz Antonio Costa de Santana


Recentemente presenciei a agonia de uma vítima de acidente de trânsito. Um motociclista estava sendo socorrido por uma diligente equipe do SAMU. O que me chamou atenção foi os diálogos travados entres as pessoas que assistiam ao atendimento médico.

Dei-me conta que muitas pessoas não estavam ali por uma questão de solidariedade, mas movidas por uma curiosidade que beirava a morbidade. Assim caminha a humanidade.

E recente artigo sobre o julgamento do mensalão federal, o professor doutor Luiz Flávio Gomes evidenciou este aspecto do comportamento humano, à luz do direito penal. Diz o professor que o direito penal é expressão de uma festa, visto que (como dizia Nietzsche) o sofrimento (veiculado por meio da vingança) traz em seu bojo um incomensurável prazer. Quando uma promessa é descumprida ou um acordo desonrado (ou seja: quando alguém é acusado de um crime, tendo descumprido ou supostamente descumprido as regras sociais e legais vigentes), a dor e o sofrimento daquele que deve (do criminoso devedor) serviria como equivalente ao desprazer causado pela promessa não cumprida (pela violação da norma).

Citando Nietzsche (A genealogia da moral), para quem “Fazer sofrer é, assim, uma verdadeira festa. Sem crueldade não existe gozo possível: isso é o que ensina a mais longa história do ser humano.”, o articulista chega à conclusão que o castigo, quando a ele se agrega o adicional (simbólico) do prazer festivo, deixa de ser tal para se transformar em pura vingança.

O julgamento do mensalão é a prova disso. Uma parcela considerável da imprensa evidenciam o prazer festivo criado pela vingança e pelo aniquilamento do inimigo. Para além do direito penal, essa morbidez social de inclinação pelo barbaridade explica a audiência de programas policiais. Pensar que alguém perde tempo assistindo/ouvindo a desgraça alheia é inaceitável.

Enquanto o Outro deixou de ter importância, nossos desejos e vontades são expostos e sobrepostos, sem nenhum constrangimento. Vai desde o uso abusivo de som, em sua quase totalidade de péssimo gosto (alguém já ouviu alguém abusar do volume de som tocando Caetano, Chico, ou Mozart?), como ao não respeito à filas, etc. O gosto duvidoso é dominante.

É inútil. Decreto não educa ninguém. O Estado não tem como dar conta destas questões. Só a mídia que nos induz, como já disse Gil e Caetano, que temos “a grandeza épica de um povo em formação/Nos atrai, nos deslumbra e estimula”, para concluírem que “ninguém é cidadão.” Carnaval e cia é tão somente instrumento de conformação social. A tragédia da inutilidade e ter consciência dela, como disse Camus sobre o mito de Sisifo (uma personagem da mitologia grega, condenado a repetir sempre a mesma ação de levar uma pedra até o topo de uma montanha até o topo, só para vê-la rolar para baixo novamente) Aliás, o nome cientifico do juazeiro é Ziziphus joazeiro...

Tudo isso revela, e o digo com estrema tristeza, que aquilo que um dia chamamos de humanismo, não existe mais, se é que um dia existiu, de fato. Não adianta dizer que existem ainda pessoas que se importam com o Outro; tal como um cesto de frutas que contenha algumas podres, a humanidade está irremediavelmente contaminada pelo fim do sonho de uma sociedade justa, fraterna e, sobretudo, humanista. Viver, sobre esse aspecto, é sobreviver a sim mesmo.


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