ASCENSÃO E QUEDA DO HUMANANISMO:
COMO A DESGRAÇA ALHEIA NOS COMPRAZ
Luiz Antonio Costa de Santana
Recentemente
presenciei a agonia de uma vítima de acidente de trânsito. Um motociclista
estava sendo socorrido por uma diligente equipe do SAMU. O que me chamou
atenção foi os diálogos travados entres as pessoas que assistiam ao atendimento
médico.
Dei-me
conta que muitas pessoas não estavam ali por uma questão de solidariedade, mas
movidas por uma curiosidade que beirava a morbidade. Assim caminha a
humanidade.
E
recente artigo sobre o julgamento do mensalão federal, o professor doutor Luiz
Flávio Gomes evidenciou este aspecto do comportamento humano, à luz do direito
penal. Diz o professor que o direito penal é expressão de
uma festa, visto que (como dizia Nietzsche) o sofrimento (veiculado por meio da
vingança) traz em seu bojo um incomensurável prazer. Quando uma promessa é
descumprida ou um acordo desonrado (ou seja: quando alguém é acusado de um
crime, tendo descumprido ou supostamente descumprido as regras sociais e legais
vigentes), a dor e o sofrimento daquele que deve (do criminoso devedor) serviria
como equivalente ao desprazer causado pela promessa não cumprida (pela violação
da norma).
Citando
Nietzsche (A genealogia da moral), para quem “Fazer sofrer é, assim, uma
verdadeira festa. Sem crueldade não existe gozo possível: isso é o que ensina a
mais longa história do ser humano.”, o articulista chega à conclusão que o
castigo, quando a ele se agrega o adicional (simbólico) do prazer festivo,
deixa de ser tal para se transformar em pura vingança.
O
julgamento do mensalão é a prova disso. Uma parcela considerável da imprensa
evidenciam o prazer festivo criado pela vingança e pelo aniquilamento do
inimigo. Para além do direito penal, essa morbidez social de inclinação pelo
barbaridade explica a audiência de programas policiais. Pensar que alguém perde
tempo assistindo/ouvindo a desgraça alheia é inaceitável.
Enquanto
o Outro deixou de ter importância, nossos desejos e vontades são expostos e
sobrepostos, sem nenhum constrangimento. Vai desde o uso abusivo de som, em sua
quase totalidade de péssimo gosto (alguém já ouviu alguém abusar do volume de
som tocando Caetano, Chico, ou Mozart?), como ao não respeito à filas, etc. O
gosto duvidoso é dominante.
É
inútil. Decreto não educa ninguém. O Estado não tem como dar conta destas
questões. Só a mídia que nos induz, como já disse Gil e Caetano, que temos “a
grandeza épica de um povo em formação/Nos atrai, nos deslumbra e estimula”,
para concluírem que “ninguém é cidadão.” Carnaval e cia é tão somente
instrumento de conformação social. A tragédia da inutilidade e ter consciência
dela, como disse Camus sobre o mito de Sisifo (uma personagem da mitologia
grega, condenado a repetir sempre a mesma ação de levar uma pedra até o topo de
uma montanha até o topo, só para vê-la rolar para baixo novamente) Aliás, o
nome cientifico do juazeiro é Ziziphus
joazeiro...
Tudo
isso revela, e o digo com estrema tristeza, que aquilo que um dia chamamos de
humanismo, não existe mais, se é que um dia existiu, de fato. Não adianta dizer
que existem ainda pessoas que se importam com o Outro; tal como um cesto de
frutas que contenha algumas podres, a humanidade está irremediavelmente
contaminada pelo fim do sonho de uma sociedade justa, fraterna e, sobretudo,
humanista. Viver, sobre esse aspecto, é sobreviver a sim mesmo.
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