sábado, 12 de março de 2011

A ILEGALIDADE DA COBRANÇA POR ESTACIONAMENTO NO RIVER SHOPPING EM PETROLINA

A ILEGALIDADE DA COBRANÇA POR ESTACIONAMENTO NO RIVER SHOPPING EM PETROLINA

Quando se estuda Direito Constitucional, vemos que a doutrina tradicional estabelece que as garantias fundamentais contidas na Constituição Federal são aplicáveis na relação Poder Público versus sociedade. Assim, temos o Habeas Corpus, para proteger o direito de ir, ficar e vir, Mandado de Segurança etc. No entanto, forte na doutrina tedesca unmittelbare Drittwirkung, já é pacífico, mas pouco conhecido, que os direitos fundamentos são aplicáveis também na esfera das relações privadas, vale dizer, cidadão versus cidadão. Neste sentido, vejam-se as seguintes decisões do Supremo Tribunal Federal: RE 158.215-4, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 07.06.1996; RE 161.243-6, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 19.12.1997; Ag. 110.846 (Ag. Ag.)-PR, Célio Borja, RTJ 199/465.

Assim, v.g., não se admite que um clube de recreação ou uma cooperativa simplesmente resolva excluir um sócio, sem assegurar-lhe o direito de defesa, (garantia fundamental).

Pois bem, sob esta perspectiva, observamos que a relação mantida entre o River Shopping e as pessoas que ali frequentam são regidas também pelos direitos e garantias fundamentais, e também pelo conjunto de normas infraconstitucionais, como, por exemplo, o art. 187 do Código Civil, e o próprio Código de Defesa do Consumidor.

Convém inicialmente frisar que a conduta do Shopping no caso presente se amolda no quanto disposto no art. 187 do CC – abuso de direito.

Dispõe o art. 187 do CC que:

“também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé, ou pelos bons costumes”. (destaque nosso).

Ao contrário do § 226 do BGB (CC alemão, que originou a norma pátria), o art. 187 do CC não requer intenção do sujeito de prejudicar, tampouco que seu comportamento tenha por finalidade única prejudicar.

O que o art. 187 do CC exige para a configuração do abuso de direito é a ultrapassagem de limites, no exercício de um direito. Os limites são impostos em observância a: a) pelo seu fim econômico ou social; b) pela boa fé (objetiva); c) pelos bons costumes.

Durante muitos anos nada foi cobrado à título de estacionamento; de repente, passa-se a cobrar...Em conformidade com o que nos ensina o professor da UERJ e desembargador aposentado do TJRJ José Roberto Barbosa Moreira, em artigo intitulado Abuso de Direito (publicado na revista de Direito Civil e Processo Civil da Ed. Síntese, v. 26, nov/dez de 2003, p. 131.):

“Em todo caso, deve entender-se que a lei faz menção à chamada boa-fé objetiva, àquela que se manifesta por meio do comportamento do agente, o qual deve ser leal, correto, isento de contradições suscetíveis de induzir em erro outra pessoa. Assim, por exemplo, falta à boa-fé objetiva quem, por longo tempo, tolera do outro contratante reiteradas infrações a certa cláusula contratual, apesar de autorizado a rompê-lo, gerando para o outro a expectativa razoável de que aquela determinada causa de rompimento não será invocada, e todavia, subitamente, sem prévio aviso, quer fazê-la valer. (Cf., em Portugal, VARELA, Antunes. Ob. cit., p. 547. O exemplo figurado encaixa-se na proibição do chamado venire contra factum proprium – sobre o qual disserta longamente, na doutrina lusa, CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Meneses. Ob. cit., p. 742 e ss.; cf entre nós, a exposição sintética, mas clara, de PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. Ob. cit., p. 267/9.)

Imagine-se o caso de alguém que aluga imóvel e insere no contrato de locação cláusula pela qual o locatário fica proibido, sob pena de resolução, de abater as árvores do quintal. Entretanto, durante anos, o locatário pratica o ato proibido, de maneira ostensiva, com pleno conhecimento do locador, que até anui em receber presente sabidamente talhado da madeira de uma das árvores. Se, inopinadamente, com total surpresa para o locatário, esse locador, num giro de 180 graus, resolve invocar a cláusula proibitiva para dar por finda a locação, terá agido de modo contrário a boa-fé objetiva.”

Ora, aqui se observa incidência do princípio do venire contra factum proprium.Chaim Perelman  (Lógica Jurídica. São Paulo. 2000. p. 21) define o que é o venire contra factum proprium:

“28 – Venire contra factum proprium: não se pode insurgir contra as conseqüências do feito próprio.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça RUI ROSADO de AGUIR JUNIOR nos ensina que: “A teoria dos atos próprios, ou a proibição de venire contra factum proprium protege uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento futuro, há quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte. Aquele que vende um estabelecimento comercial e auxilia, por alguns dias, o novo comerciante, inclusive preenchendo pedidos e novas encomendas, fornecendo o seu próprio número de inscrição fiscal, não pode depois cancelar tais pedidos, sob alegação de uso indevido de sua inscrição. O credor que concordou, durante a execução do contrato de prestações periódicas, com o pagamento em lugar ou tempo diverso do convencionado, não pode surpreender o devedor com a exigência literal do contrato. Para o reconhecimento da proibição é preciso que haja univocidade de comportamento do credor e real consciência do devedor quanto à conduta esperada.” (AGUIAR JÚNIOR, RUY ROSADO DE. A Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor. 1ª ed. Rio de Janeiro: Aide, 1991. p. 240.).

Quem adere uma determinada forma de agir, não pode negar as consequências dela surgidas, pelas expectativas legitimamente criadas, tendo me vista a boa-fé. Cativa-se uma cliente emocionalmente (tema que em breve publicarei) e depois cobra-se por algo indevido.

O STJ já decidiu que:

“o direito moderno não compactua com o venire contra factum proprium, que se traduz como o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente” (MENEZES CORDEIRO, Da Boa-fé no Direito Civil, 11/742). Havendo real contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar eficácia à conduta posterior.” (REsp. 95539-SP, Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR). Neste julgado, o relator ainda asseverou que o sistema jurídico nacional “deve ser interpretado e aplicado de tal forma que através dele possa ser preservado o princípio da boa-fé, para permitir o reconhecimento da eficácia e validade de relações obrigacionais assumidas e lisamente cumpridas, não podendo ser a parte surpreendida com alegações formalmente corretas, mas que se chocam com os princípios éticos, inspiradores do sistema.”

Não bastasse o quanto acima já exposto, vislumbro outra ilegalidade.

É que o Código de Defesa do Consumidor veda a venda casada. Assim, ninguém pode ser compelido a adquirir dois produtos quando sua intenção é de comprar apenas. Se compro um carro, por exemplo, não sou obrigado a adquirir o seguro imposto pela concessionária. A exceção é o art. 149-A da Constituição Federal.

Assim, se vou ao River Shopping passear, e nada comprar, em tese, acaso não se aceite o que antes eu defendi aqui (venire contra factum proprium), pode-se cobrar pelo estacionamento. Mas se eu comprar qualquer coisa, a cobrança pelo estacionamento configura venda casada, pois tenho (a) compra de produtos e/ou serviços e (b) cobrança pelo estacionamento, cuja conjunção da azo à figura da venda casada.

É o que penso, s.m.j.

Luiz Antonio Costa de Santana

Professor efetivo da UNEB e UNIVASF, advogado pós-graduado em direito, engenheiro agrônomo, estudou Administração na FACAPE e doutorando em Direito pela Universidade Nacional da Argentina.

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